“Nós somos a Kodak do setor. Nós e todos os concorrentes. Temos que virar a Amazon. Temos que fazer a revolução da empresa”. Enviada a um grupo de executivos na noite de um domingo de 2018, a mensagem em questão poderia ser uma mera coleção de frases de efeito.
O recado, no entanto, é um bom exemplo do estilo de gestão de Pedro de Godoy Bueno, 29 anos, presidente da Dasa. O jovem executivo é o nome à frente da transformação em curso no grupo de medicina diagnóstica, dono de mais de 40 marcas, entre elas, Delboni, Salomão e Zoppi, Lavoisier e Sérgio Franco.
Nessa jornada, a empresa acaba de abrir uma nova via de crescimento: a expansão internacional. Maior rede de laboratórios da América Latina, a Dasa estreou oficialmente em solo estrangeiro em julho, com a aquisição da Diagnóstico Maipú.
Fundada em 1987 e sediada em Buenos Aires, a Maipú possui oito unidades na capital argentina e é o principal grupo do setor no país. “Demos o primeiro passo e ainda estamos testando a água”, disse Bueno, em entrevista ao NeoFeed.
“A Dasa tem a ambição de ser internacional”, diz Bueno
O executivo foi um dos palestrantes do LIDE NEXT Liderança e Inovação, realizado ontem, em São Paulo. E deixou claro que a estratégia não ficará restrita a essa incursão. “A Dasa tem a ambição de ser internacional.”
Conhecida por seu perfil de consolidação, a empresa fechou mais de dez acordos no mercado brasileiro desde 2018. As aquisições, no entanto, envolveram laboratórios de menor porte, com atuação restrita a locais como a região metropolitana e o interior de São Paulo, além do Paraná.
“Não restaram muitos ativos grandes que a gente poderia comprar no Brasil e já temos uma participação relevante no País”, afirmou Bueno. “Então, escolhemos o caminho internacional para dar sequência à nossa ambição de crescimento e de alcançar mais pacientes.”
Hoje, a rede da Dasa supera 800 unidades de atendimento e 2 mil médicos. A companhia realiza mais de 250 milhões de exames e atende mais de 20 milhões de pacientes por ano.
Desafios na gestão
Parte dessa estrutura foi construída sob a gestão de Bueno. Mas o caminho para concretizar esses números não foi exatamente fácil. Filho de Edson de Godoy Bueno, fundador da Amil, o executivo foi nomeado CEO da Dasa em janeiro de 2015, aos 24 anos.
Na época, ele era o nome mais jovem a ocupar o cargo em uma empresa de capital aberto no País. Seu pai havia assumido o controle da Dasa em 2014, dois anos depois de vender a Amil para a americana UnitedHealth, por R$ 10 bilhões.
A pouca idade de Bueno e as comparações inevitáveis com o patriarca do clã foram alvo, na época, de questionamentos por parte de alguns acionistas. E a desconfiança ganhou novos contornos quando o pai faleceu, vítima de um infarto, no início de 2017.
Pouco a pouco, no entanto, Bueno passou a mostrar a sua capacidade de conduzir a operação. Ironicamente, um dos desafios recentes envolve a Amil. Uma fonte do setor confidenciou ao NeoFeed que, no início do ano, a empresa de planos de saúde passou a ameaçar de descredenciamento de sua holding de hospitais marcas como a Delboni.
Apesar dessa questão, a gestão do executivo tem sido marcada pela incorporação de novas frentes ao negócio. Como parte dessa estratégia, o grupo promoveu, em outubro, uma mudança em sua estrutura.
Bueno passou a se dedicar a questões mais estratégicas, como inovação e transformação digital
A empresa criou o cargo de diretor-geral, para o qual foi nomeado Carlos de Barros Jorge Neto. Enquanto o executivo começou a tocar o dia a dia da operação, Bueno passou a se dedicar a questões mais estratégicas, como inovação e transformação digital.
Com um aporte de R$ 50 milhões, esses dois componentes já concentravam boa parte da atenção de Bueno. Segundo o executivo, os impactos inerentes ao avanço da tecnologia exigem uma nova mentalidade nas empresas de qualquer setor. E essa transformação deve começar, necessariamente, por uma nova abordagem por parte de quem está à frente dos negócios.
“Hoje, o líder tem que estar preparado para ser não aquele que dá as respostas, mas o que faz as perguntas”, afirmou. “É preciso desapegar do poder e não ter medo de parecer inseguro. Ou então, você mata o negócio.”
A percepção de que era preciso investir nessa guinada veio há cerca de três anos. Os primeiros passos envolveram a adoção, a princípio tímida, de iniciativas como as metodologias ágeis. Essa cultura ganhou escala na companhia. No momento, por exemplo, a empresa tem mais de 30 squads em andamento dedicados a frentes específicas.
“Nós éramos uma empresa de medicina diagnóstica, mas percebemos que poderíamos ir muito além”, afirmou. “Mas é preciso tomar cuidado para não digitalizar o antigo. Do contrário, você corre o risco de ser um dinossauro com um capacete de astronauta.”
Algoritmos
Um dos nortes da Dasa nessa nova fase é usar os dados que trafegam em sua rede para uma série de análises e a criação de modelos preditivos. Esses recursos são a base para a oferta de uma medicina personalizada, capaz de antecipar eventuais problemas de saúde de um determinado paciente.
“Já temos algoritmos em desenvolvimento para prever, por exemplo, que uma pessoa precisará ser internada nos próximos trinta dias”, explicou. “A ideia é mastigar esse big data e oferecer insights ao paciente e ao médico, para que uma decisão clínica seja tomada naquela hora.”
Entre as possíveis aplicações está um levantamento realizado pela Dasa no período de 2017 a 2019. Preservando o sigilo das 5,4 milhões de pessoas que fizeram exames de hemoglobina no período, a companhia identificou um universo de 1,6 milhão de indivíduos com pré-diabetes.
A aproximação com startups integra o pacote de transformação digital da Dasa
Para concretizar essa nova abordagem, o grupo consolidou alguns projetos internos, entre eles, a estruturação do dasAInova, laboratório de inteligência artificial que reúne um time multidisciplinar formado por médicos, cientistas de dados e engenheiros da computação.
Outro ponto foi a criação da GeneOne, operação de medicina genética que demandou um aporte de R$ 30 milhões.
As parcerias são mais um componente. Hoje, a Dasa integra a rede do Center for Clinical Data Science, centro de medicina da Harvard Medical School. A quatro mãos, estão sendo desenvolvidos algoritmos que identificam a existência e a gravidade de doenças cerebrais e de câncer de próstata, por meio da análise de ressonâncias magnéticas.
Em outubro, a companhia também passou a integrar a Rede Global de Diagnósticos (GDN), criada pela americana Quest Diagostics. Composta por sete laboratórios, a iniciativa envolve pesquisas e transferência de tecnologia.
A aproximação com startups integra o pacote. Entre outros casos, a companhia tem um projeto-piloto com a israelense Aidoc, de inteligência artificial. O algoritmo em questão consegue identificar sinais de um acidente vascular cerebral (AVC) durante a realização de tomografias cranianas.
Resultados
Enquanto traça novos roteiros, a Dasa contabiliza a mudança nos números desde que Bueno assumiu o comando. O valor de mercado saltou de R$ 3 bilhões, em 2014, para R$ 9,4 bilhões.
Em 2018, o faturamento foi de R$ 4,2 bilhões, contra R$ 2,9 bilhões quatro anos antes. O lucro líquido, que ficou em R$ 82,2 milhões em 2014, chegou a R$ 185,3 milhões no ano passado.
E Bueno, ao que tudo indica, já tem a receita para seguir nessa evolução. “É importante estabelecer um norte”, afirmou. “Mas, ao mesmo tempo, é necessário ter flexibilidade, saber navegar na incerteza e se jogar no nevoeiro. Do contrário, você fica paralisado.”
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