Dono de uma vocação para atrair os holofotes, o empresário Elon Musk, voltou a chamar atenção na terça-feira 7. Em um vídeo postado no Twitter, como de costume, o bilionário CEO e fundador da Tesla dançava de forma desengonçada. Em cima de um palco, ele tirava e jogava longe seu paletó, como em um strip-tease.
Para alguns críticos de seu estilo, a cena protagonizada naquele mesmo dia poderia ser apenas mais um símbolo do descompasso entre as promessas e entregas do empresário à frente da Tesla. Mas, à parte dos passos desajeitados, Musk parece ter encontrado, enfim, o ritmo certo para agradar os investidores.
O episódio teve como cenário a nova fábrica da empresa em Xangai, na China. O evento celebrou o início das entregas de veículos elétricos produzidos na unidade, a primeira da companhia fora dos Estados Unidos. O passo importante não foi, no entanto, o único motivo a embalar a dança desordenada de Musk.
Um dia antes, no fechamento do pregão da Nasdaq, a Tesla alcançou um valor de mercado de US$ 81,39 bilhões. Com a cifra, a companhia tornou-se a montadora americana mais valiosa de todos os tempos, ao superar o pico obtido pela Ford, em 1999, de US$ 80,81 bilhões.
No decorrer da semana, as ações da companhia seguiram em alta. Na quarta-feira 8, os papéis fecharam cotados a US$ 492,14, avaliando a empresa em US$ 88,7 bilhões. Nesta quinta-feira, recuou para US$ 87 bilhões. Para efeito de comparação, os valores de mercado das também americanas General Motors e Ford, na mesma data, somaram US$ 80 bilhões.
O patamar atual também ganha contornos extremamente positivos quando comparado ao fim de julho de 2019. Na época, a Tesla reportou um prejuízo de US$ 408 milhões. E perdeu, em um único dia, cerca de US$ 6,5 bilhões de valor de mercado, recuando para o montante de US$ 40,98 bilhões, segundo a consultoria Economatica.
Desde então, as ações da montadora acumulam uma alta de 115%. Além de refletir a recepção positiva do mercado a uma série de acontecimentos nesse intervalo, o índice sinaliza uma perspectiva mais consistente para que a empresa e seus carros elétricos ganhem, definitivamente, tração.
Negócio da China
Anunciada em janeiro de 2019 e instalada em um terreno de 865 mil metros quadrados, a fábrica de Xangai é um dos fatores por trás dessa ascensão. Fruto de um aporte de US$ 2 bilhões, a unidade traça um roteiro promissor para que a Tesla consolide sua atuação fora dos Estados Unidos, ao reforçar sua presença no maior mercado mundial de veículos elétricos.
Segundo a consultoria sueca EV Volumes, a China registrou vendas de 645 mil unidades no primeiro semestre de 2019, um crescimento de 66% em relação a igual período, um ano antes. Com essa marca, o país respondeu por 57% do total de 1,13 milhão de carros elétricos comercializados entre janeiro e junho do ano passado. Nesse intervalo, as vendas no mercado americano cresceram 23%, para 149 mil veículos.
Com a fábrica, a ideia é reduzir os custos atuais relacionados ao envio de veículos e às taxas de importação no mercado chinês. De acordo com estimativas iniciais, a expectativa é de que o projeto traga uma economia de 13% no preço dos veículos da marca vendidos no país.
Voltada inicialmente à fabricação do sedã Model 3, a unidade tem capacidade anual de produção de 150 mil unidades. Durante o evento, no entanto, Musk anunciou o plano de ampliar esse volume para 250 mil veículos, incluindo nesse pacote o SUV compacto Model Y. “Seguiremos fazendo investimentos significativos na China, fabricando essas duas linhas e outros futuros modelos”, afirmou o CEO.
Apresentado em março de 2019 e com previsão de chegar ao mercado nesse primeiro semestre, o Model Y é uma das grandes apostas da Tesla. Na cerimônia, Musk destacou que o veículo deve atrair “uma demanda maior que todos os outros carros da Tesla combinados.”
A nova linha traz mais um indício de que a empresa está preparada para percorrer um caminho mais sólido. O Model Y compartilha boa parte da estrutura do Model 3. E com essa abordagem, a expectativa é de que a sua produção seja menos traumática quando comparada aos problemas enfrentados no modelo anterior, um dos símbolos da sucessão de metas e entregas frustradas da Tesla. E da desconfiança do mercado sobre a empresa.
O Model 3 começou a ser produzido no início de julho de 2017. Na época, o valor de mercado da Tesla girava em torno de US$ 52 bilhões. A projeção era de que a empresa entregasse 500 mil unidades do modelo em 2018. A realidade trouxe um volume de 145,8 mil veículos, juntamente com uma série de medidas de ajuste nos meses seguintes. Entre elas, o corte de 9% do quadro de funcionários.
“Hoje, a Tesla está em outra situação”, afirma Milad Kalume, analista da consultoria Jato Dynamics. “Eles já dominam o processo de manufatura e provaram que conseguem entregar. Tudo o que fizerem a partir de agora, é incremental e tende a ter uma resposta mais positiva.”
Ele destaca ainda a perspectiva de ampliação da capacidade de produção fora dos Estados Unidos, a partir do plano anunciado por Musk, em novembro, de construção de uma fábrica na Alemanha.
Entregas
O bom momento da montadora também encontra apoio em alguns indicadores recentes, acima das estimativas do mercado. No começo de janeiro, a Tesla divulgou recordes de produção de 104,8 mil veículos e de vendas, com 112 mil unidades no quarto trimestre.
“Nós acreditamos que esse novo trimestre sólido de entregas pode atenuar ainda mais as preocupações dos investidores em relação à redução da demanda pelos modelos da Tesla”, escreveu em relatório Emmanuel Rosner, analista do Deutsche Bank.
A montadora também reportou um volume total de vendas de 367,5 mil carros em 2019, dentro das estimativas traçadas anteriormente, na faixa de 360 mil a 400 mil unidades. O índice representou um crescimento de 50% sobre 2018.
O maior desafio da Tesla, talvez, seja domar a disposição de Musk para criar controvérsias
Os números reforçaram o contexto positivo – e inesperado – aberto com a divulgação dos resultados referentes ao terceiro trimestre. No período, a Tesla voltou a registrar lucro, com um ganho de US$ 143 milhões na última linha do balanço. Já a receita recuou 8% na comparação anual, para US$ 6,3 bilhões.
Todo esse cenário mais animador não esconde a necessidade de contornar alguns desafios. Entre eles, alcançar lucratividade anual. Bem como acelerar a atuação fora do mercado americano e enfrentar a concorrência crescente, com a entrada e a ampliação dos investimentos de montadoras tradicionais nos veículos elétricos.
O maior desafio, no entanto, talvez seja domar a disposição de Musk para criar controvérsias. O executivo coleciona atitudes e polêmicas que, volta e meia, se refletem na operação. Em agosto de 2018, por exemplo, ele acenou, via Twitter, com a possibilidade de fechar o capital da empresa caso as ações atingissem a cotação de US$ 420.
Com a postagem, Musk foi acusado de tentar manipular o mercado e de fraude corporativa. Além da renúncia à presidência do Conselho de Administração da Tesla, o caso rendeu uma multa de US$ 20 milhões, estipulada pela Securities and Exchange Commission (SEC).
A SEC também determinou que qualquer comunicação do bilionário, em especial, aquelas realizadas por meio de redes sociais, passasse antes pelo seu crivo. Em fevereiro do ano passado, o órgão acusou Musk de descumprir o acordo. Na época, ele tuitou que a Tesla produziria cerca de 500 mil carros no ano.
“Na verdade, Musk sabe manipular a mídia para chamar a atenção para a empresa”, afirma Kalume. “Mas acredito que, daqui para frente, ele vai agir de forma mais sensata, pois já não precisa ser mais tão contundente para se mostrar ao mercado.”
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