O economista Luiz Fernando Figueiredo, CEO e fundador da gestora Mauá Capital, acredita que o mercado está passando por um momento de pânico. E que, numa hora dessa, é muito difícil acertar quando se toma uma atitude baseado no pânico.

Por esse motivo, ele, que é dono de um gestora que administra mais de R$ 6 bilhões, diz que o momento é para ter cautela e não sair vendendo tudo. “Há um exagero na reação do mercado ao coronavírus”, disse Figueiredo, em entrevista ao NeoFeed.

Na segunda-feira, 9 de março, a B3 teve uma queda de 12,17%, a maior queda percentual desde 1998, devido a uma conjunção de dois fatores: o temor da crise do coronavírus e a redução do preço do petróleo por conta da briga entre Arábia Saudita e Rússia.

Para Figueiredo, que foi diretor de política monetária do Banco Central durante o mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o Brasil deve insistir na agenda de reformas para voltar a ter um crescimento mais robusto - nos últimos três anos, o PIB avançou um pouco acima de 1%.

Nesta entrevista, Figueiredo afirma ainda que os governos globais devem reduzir a taxa de juros, ampliar a liquidez do sistema, aumentando os gastos, e direcionar ajuda a setores mais vulneráveis.

O mercado desabou: a reação foi exagerada?
O que acabou acontecendo é que se juntou, além do coronavírus, a questão do petróleo por conta da disputa entre Arábia Saudita e Rússia, o que fez o preço cair 30%. Isso abalou os mercados. E o Brasil está simplesmente sentindo o que está acontecendo com outros países. No caso do coronavírus, o que se sabe é que ele espalha muito fácil, mas é pouco fatal.

O que causa mais impacto na economia: o coronavírus ou a queda do preço do barril do petróleo?
O coronavírus, sem dúvida. Claro que essa queda do preço do petróleo vai colocar uma série de empresas da área em uma situação difícil. Mas isso é em um setor só. Por outro lado, você tem o petróleo mais barato. E ele fica mais barato para a população inteira.

Tem impacto para a Petrobras?
Claro. Para a Petrobras não é bom que o petróleo esteja mais barato.

Por que os mercados estão em pânico?
Os mercados estão em pânicos porque ninguém sabe até onde se estende essa história. E não sabe também o quanto os governos podem frear esse efeito. Toda vez que você age em uma situação de pânico, você vai errar. É muito difícil acertar quando se toma uma atitude baseada em pânico. E é o que estamos vendo. Não estou dizendo que os mercados vão voltar a subir, porque vamos ficar com uma incerteza durante um bom tempo. Mas estou dizendo que estamos muito longe de uma situação de normalidade.

"É muito difícil acertar quando se toma uma atitude baseada em pânico. E é o que estamos vendo"

A crise do coronavírus não vai ser resolvida no curto prazo?
Acredito que o pânico vai ser resolvido no curto prazo. O coronavírus vai ser resolvido ao longo do tempo. O que está acontecendo é que o pânico ao coronavírus é pior do que ele em si.

Mas já não está acontecendo uma queda da atividade econômica no mundo?
Sim, está. Mas o mercado está levando para o limite. Na minha avaliação, há um exagero na reação do mercado ao coronavírus.

Que atitudes os governos devem tomar para enfrentar, do ponto de vista econômico, a desaceleração provocada pelo coronavírus?
No mundo, os governos vão reduzir a taxa de juros e ampliar a liquidez do sistema. Depois, eles devem fazer uma expansão fiscal, ampliando os gastos e devem também direcionar ajuda a setores mais vulneráveis.

Quais setores?
Os setores de turismo e as empresas aéreas e os hotéis.

Essa receita é possível no Brasil?
O Brasil está distante do epicentro dessa história. O que não quer dizer que não há impacto aqui. Mas ele será muito mais secundário. Primeiro, os ativos brasileiros vão sofrer, como já estão sofrendo barbaramente. Mas a economia real tende a sofrer menos.

Mas qual deveria ser atitude do governo brasileiro? As medidas que o senhor citou que devem ser tomadas lá fora têm espaço para serem feitas no Brasil?
No caso brasileiro, vamos, com certeza, fazer uma política monetária com redução das taxas de juros.

O senhor acredita que dá para reduzir ainda mais a taxa de juros?
Sim. O próprio Banco Central já sinalizou isso.

De quanto seria essa redução?
Provavelmente, o Banco Central reduzirá 75 pontos a 100 pontos ao longo dos próximos meses.

E a questão fiscal?
Do lado fiscal não há espaço (para fazer nada). Mas, de novo, na atividade econômica vai ter impacto, mas é um impacto que é mais indireto.

Há poucas semanas, o senhor disse que o crescimento do PIB, em 2020, seria de 2,4%. A Mauá Capital está revendo essa previsão?
Provavelmente será bem menor do que isso. Com essa situação do coronavírus, é possível que seja menos de 2%.

Antes do coronavírus, o iBovespa estava sendo negociado em patamares recordes. O senhor acredita que havia motivos para tanto otimismo, dado que o PIB cresceu 1,1% no ano passado?
Eu acredito que sim. Na verdade, os ativos não estão refletindo um excesso de otimismo. Eles estão refletindo uma ação de que o País está melhorando. Quando se fala de 1,1% do PIB, ele esconde o que está acontecendo do lado privado, que está muito mais forte do que esse número traduz. No ano passado, o lado privado deve ter crescido perto de 3%. O setor público contraiu. De qualquer maneira, no segundo semestre, o PIB cresceu 2%. A atividade estava melhor e mais forte. A lucratividade das empresas está crescendo bem. Houve uma queda de juros muito relevante e mais permanente, que não é de curto prazo. Isso fez com que os ativos tivessem que ter outro preço mesmo.

Como destravar o crescimento da economia brasileira diante deste cenário?
O impacto desse processo (coronavírus) é mais limitado no Brasil. Dito isso: a maneira que o Brasil tem para minimizar o que está acontecendo é uma reação de política monetária, ou seja, o Banco Central voltar a reduzir a taxa de juro, e principalmente, atuar na agenda de reformas.

"A maneira que o Brasil tem para minimizar o que está acontecendo é uma reação de política monetária, ou seja, o Banco Central voltar a reduzir a taxa de juro"

E que reformas deveriam ser feitas?
São as suspeitas de sempre. São as reformas estruturais que estão aí, como a reforma tributária, a administrativa, a PEC Emergencial e a PEC dos Fundos Públicos.

E há espaço para essa agenda ser tocada em 2020?
A sinalização do Rodrigo Maia (presidente da Câmara dos Deputados) foi bem positiva nesta direção. Ele disse que, em momentos mais adversos, temos que ampliar a nossa atuação no sentido de melhorar o País. Precisa saber se isso vai acontecer, mas a sinalização foi na direção certa.

Ao longo dos últimos anos foram feitas uma série de reformas, como a nova lei trabalhista, a lei do teto dos gastos e se aprovou uma reforma da previdência. Isso tudo foi vendido como uma forma de o País voltar a crescer. E isso não aconteceu da forma imaginada. O que deu errado?
Eu não acredito que estejamos muito longe do que era possível. Porque, se você lembrar, antes do início dessas reformas, na época do (ex-presidente) Michel Temer, a economia tinha decrescido 3,5% por dois anos seguidos. O Brasil ficou muito anos deteriorando. O Brasil passou a ter uma das maiores dívidas públicas de países emergentes do mundo. Então, tem de fazer uma agenda muito grande e ir reformando, reformando e reformando. Por exemplo, a agenda de reformas do lado fiscal ainda não está completa. O Brasil ainda não está sustentável fiscalmente.

O déficit primário ainda não foi estancado e ele deve permanecer assim por muitos anos ainda.
Ele ainda vai permanecer por alguns anos. Não dá para ser por muitos anos, se não quebramos. E nem é o plano do governo. Ao longo desse ano, talvez no ano que vem, ainda tenhamos déficit. Mas depois é para passar a ter superávit fiscal dali para frente. Não tem jeito. Estamos com uma dívida grande demais e conseguimos estabilizar essa dívida no nível mais baixo possível que se imaginava há um, dois anos. Se imaginava que ela iria se estabilizar em 85% (do PIB). E ela está se estabilizando em torno de 75% (do PIB). É melhor, mas ainda é muito alta. O que nós precisamos é continuar a agenda de reformas para gerar sustentabilidade fiscal.

Por outro lado, há uma alta taxa de desemprego, alta informalidade no mercado de trabalho e uma grande capacidade ociosa da indústria. Como crescer diante desse cenário?
Quando você tem ociosidade, é mais fácil crescer – e não o contrário. Eu posso aumentar meu faturamento sem precisar investir. O Brasil tem uma recuperação cíclica muito fácil para fazer no curto prazo. Se não tivesse esse choque enorme vindo lá de fora e que ainda não se sabe qual a extensão dele, ia estar crescendo em torno de 2% a 2,5%, sendo que, no lado privado, muito mais para 3%.

E o dólar, que está se aproximando de R$ 5: ele veio para ficar?
O que nós estamos vendo agora é um câmbio que está respondendo a uma situação de pânico e de incerteza muito grande. Que o câmbio não será mais tão apreciado, como no passado, com certeza não será. Mas eu diria que um câmbio de equilíbrio está muito mais perto de R$ 4 do que de R$ 5. O que estamos vendo hoje é muito mais uma questão de aversão a risco e de incertezas.

E diante deste cenário: o que senhor recomendaria aos investidores?
Eu acredito que primeiro é preciso ter cautela. Os preços, em geral, já refletem algum grau de pânico. Os ativos já estão subavaliados. Podem ser que fiquem até mais subavaliados. Não sabemos quanto tempo essa questão do coronavírus vai impactar o crescimento mundial. Mas é um fenômeno temporário. Depois, a atividade vai voltar e os ativos vão voltar à normalidade. É para ter calma. Os ativos, se ficarem muito barato, um pouco mais no médio e no longo prazo, vale a pena comprar. Não acho que seja um momento de sair detonando tudo, vendendo. Pelo contrário.

E que setores, o senhor acredita que são os melhores para se proteger diante deste cenário?
São os mais associados à economia doméstica, mas não tanto associado ao turismo e ao comércio internacional. O setor de saúde é, com certeza, muito bom. O próprio setor de comércio também. Ele sofre num primeiro momento, mas depois recupera bem.

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