De 2013 a 2018, a varejista de vestuário e calçados Marisa viveu anos para esquecer. As vendas nas mesmas lojas encolheram 10%, o faturamento caiu 14% e a empresa perdeu 0,4 ponto percentual de participação de mercado. Os seus concorrentes diretos, como Renner, Riachuelo e C&A, ao contrário, observaram todos esses indicadores crescer. Do auge em 2013, quando suas ações chegaram a valer mais de R$ 30, os papéis caíram para menos de R$ 4 em 2018.

Mas a companhia que ficou famosa com o slogan “De mulher para mulher” e que soube surfar no auge do consumo das classes mais pobres parece que está renascendo das cinzas, como descreveu um relatório do HSBC sobre o mercado de vestuário e calçados. No documento produzido pela área global de pesquisa do banco britânico, a companhia foi descrita como a “Fênix rosa”, em uma referência ao pássaro mítico que renasce das cinzas e à cor rosa de seu logo.

As ações da Marisa valorizam-se 92,1% neste ano, cotadas a R$ 10,95 na sexta-feira, 22 de novembro. Esse desempenho reflete uma percepção do mercado de que a reestruturação que está em curso na empresa está começando a dar resultados. Tanto que o HSBC escolheu a ação da companhia da família Goldfarb como sua principal escolha no setor de varejo de vestuário e calçados, à frente de Renner, C&A e Riachuelo (Guararapes), com potencial de chegar a R$ 15.

“Começamos a reestruturação no fim de 2017, investimentos na qualidade do produto, voltamos a estreitar a relação com nossos fornecedores e, agora, queremos atrair as mulheres de volta para as lojas”, afirmou ao NeoFeed Marcelo Pimentel, que assumiu a presidência da companhia em julho deste ano.

Pimentel não é exatamente um novato que chegou com a missão de salvar a Marisa. Ele está na companhia desde junho de 2017, ano que começou a reestruturação. Antes, o executivo trabalhou no Walmart e na Drogaria Pacheco São Paulo. Ele substituiu a Márcio Goldfarb, que era o CEO interino e membro da família controladora.

As ações para fazer a Marisa renascer foram extensas. Começou com uma renovação de todos os produtos, passou pela reformulação do site de comércio eletrônico, criando uma estratégia de “omnichannel”, e culminou com a eleição de um novo conselho de administração, com sete membros, seis deles independentes – apenas Márcio Goldfarb da família que controla a empresa faz parte do board. Recentemente, Haroldo Rodrigues, com mais de 30 anos de experiência na Renner, e Leonel Andrade, ex-CEO da Smiles e com atuação no setor financeiro, passaram a fazer parte do conselho

“Essa é a última volta da recuperação da empresa, pois as despesas administrativas foram reduzidas, as lojas com baixo desempenho fechadas e as vendas online e nas mesmas lojas estão mostrando sinais positivos”, escreveram os analistas Felipe Cassimiro, Ravi Jain e Thor Solanes, no relatório do HSBC no qual o NeoFeed teve acesso com exclusividade.

Marcelo Pimentel, CEO da Marisa desde junho

A companhia chegou a ter 416 lojas em 2014. Neste ano, deve fechar com 356 pontos de venda. A Renner tem quase o mesmo número e a Riachuelo, que conta com pouco mais de 300 lojas, têm mantido um ritmo de abrir 20 lojas por ano nos últimos cinco anos. A C&A, que acabou de abrir o capital, está capitalizada para expandir seus negócios.

Em novembro deste ano, a Marisa informou também ao mercado que contratou bancos de investimentos para estudar uma oferta subsequente de ações. A decisão deve ser tomada em breve. O dinheiro que entraria no caixa da empresa seria positivo para “prover combustível adicional para a companhia em um momento de aumento da competição”, segundo o HSBC.

De mulher para uma nova mulher

A estratégia para a Marisa reviver os bons tempos foi fazer o básico: coleções com mais qualidade a preços acessíveis. No passado recente, a companhia tentou produzir “fashion” com um preço mais alto. Com isso, conseguiu apenas afastar das lojas suas tradicionais consumidoras – mulheres das classes C, na faixa de idade entre 25 anos e 45 anos.

Para voltar a ser percebida pela mulher da classe C como uma opção, a empresa teve de revisar todos os seus fornecedores e buscar aqueles que se enquadravam nesse novo momento. “Queremos qualidade total, da matéria-prima até o caimento”, afirma Pimentel.

A estratégia para a Marisa reviver os bons tempos foi fazer o básico: coleções com mais qualidade a preços acessíveis

O trabalho de arrumar a casa foi feito ao longo de 2018. Neste ano, o objetivo foi levar as mulheres às lojas para conhecer a “nova Marisa”, como os executivos da companhia estão chamando essa nova fase. E os resultados começaram a aparecer, apesar de a companhia ainda estar no prejuízo – nos nove primeiros meses de 2019, as perdas somaram R$ 125,1 milhões, um pouco inferior ao mesmo período do ano passado.

As vendas nas mesmas lojas, o melhor indicador do varejo para mostrar a saúde da empresa, cresceram por três trimestres consecutivos em 2019. Isso não acontecia desde meados de 2014. Nos nove primeiros meses de 2019, elas aumentaram 6,1%. E a estratégia do comércio eletrônico tem sido fundamental para alavancar esses números.

As vendas online aumentaram quase 60% nos nove primeiros meses de 2019 e já representam 6% do faturamento. Mas o que chamou a atenção dos analistas foi a evolução do Clique e Retire, que permite comprar no site e retirar nas lojas. No terceiro trimestre de 2019, essa modalidade representou 35% de todas as vendas online. Mais: 30% dessas vendas eram de clientes novas. “Ele tem sido uma forma de levar fluxo às lojas”, diz Pimentel. Outro dado animador foi o fato de que 19% das pessoas que compravam online, quando iam retirar o produto, levavam outros itens.

No segundo trimestre, eram apenas 115 lojas operando na modalidade de Clique e Retire. A expectativa é que esse número aumente para 300 lojas no primeiro trimestre de 2020. “Ele vai representar 50% das vendas do comércio eletrônico”, afirma Pimentel.

A Marisa está testando em 35 lojas também o modelo “ship from store”, que transforma as lojas em um pequeno centro de distribuição. Nesse caso, o cliente compra pelo site um produto que está no estoque da loja, que é entregue em pouco tempo na casa do consumidor. No primeiro trimestre de 2020, ele será expandido para 150 lojas. “Vamos reduzir o tempo de entrega e o custo logístico”, diz Pimentel.

Na parte online, a Marisa também fez uma parceria com o Mercado Livre. Começou vendendo 100 produtos. Já está em 1,5 mil. O NeoFeed apurou que a varejista deve fechar com dois outros marketplace em 2020: o Magazine Luiza e a B2W. A empresa não confirma a informação.

O Magazine Luiza, aliás, faz parte de uma nova aposta da Marisa. Na sexta-feira, 22 de novembro, em fato relevante, a empresa informou que assinou um memorando de entendimento para que a rede da família Trajano monte uma loja dentro da Marisa para vender smartphones. As ações subiram 6,3% com a notícia.

Os “quiosques” vão funcionar também como ponto de entrega para alguns produtos comprados no site do Magazine Luiza. “Vamos montar cinco neste ano”, afirma Pimentel. “A meta é 300 em 2020.”

O executivo à frente da operação da Marisa disse também que está testando a categoria de cosméticos em algumas lojas e não descarta um modelo semelhante ao do Magazine Luiza com um parceiro especializado.

Serviços financeiros

O que sustentou a Marisa nesses anos de vacas magras foram os serviços financeiros. Nos últimos cinco anos, metade do caixa da companhia, medido pelo Ebitda (lucros antes dos impostos, juros, depreciação e amortização), foram da divisão financeira.

A companhia conta com 2,5 milhões de cartões de crédito ativos de sua parceria com o Itaú e com a Mastercard. São oferecidos ainda aos clientes empréstimos pessoais, através da marca SAX, que pertence à Marisa, e produtos de seguros.

A companhia conta com 2,5 milhões de cartões de crédito ativos de sua parceria com o Itaú e com a Mastercard

Os rivais, mais uma vez, estão mais avançados. A Renner está introduzindo ferramentas digitais para seus produtos financeiros. E a Riachuelo está esperando autorização do Banco Central para transformar sua divisão financeira em um banco.

A Marisa, por sua vez, quer também retirar o atraso nessa área. A companhia contratou Eduardo Linhares, que atuava na empresa de meio de pagamentos PayPal, para pensar em produtos digitais para essa área. “Novidades devem ser anunciadas em breve”, diz Pimentel.

Visão otimista

O relatório do HSBC traz uma visão otimista para o mercado de vestuário e calçados nos próximos cinco anos. O relatório estima que o setor vai atingir R$ 169 bilhões em faturamento em 2024, um crescimento médio anual de 8%. A penetração do comércio eletrônico deve crescer para quase 15%, superando o percentual das vendas online do varejo.

O mercado de vestuário e calçados vai atingir R$ 169 bilhões em faturamento em 2024, um crescimento médio anual de 8%

A Marisa, na visão do HSBC, é a empresa que mais pode se beneficiar da recuperação da economia brasileira, em especial se as taxas de desemprego começarem a ceder, o que deve aumentar a consumidora típica da rede da família Goldfarb.

Mas há riscos, avalia o próprio HSBC. A Marisa é a companhia mais atrasada em sua estratégia digital, apesar dos avanços deste ano. Ela é ainda a rede varejista com menor participação de lojas que permitem a retirada de produtos vendidos pela internet – perde para Renner, C&A e Riachuelo. “Precisamos ver os resultados de mais trimestres para estar mais confortáveis de que a execução será consistente nos próximos anos”, escreveram os analisas do HSBC.

Além disso, a competição do mercado de vestuários e calçados tende a ficar mais intensa. A Renner está avançando para cidades menores. A C&A, que captou R$ 1,6 bilhão em outubro, tem recursos para sua expansão orgânica. Mas um resultado ruim no terceiro trimestre, na qual as vendas nas mesmas lojas cresceram 0,8%, derrubou as ações da companhia em 10%.

A Marisa viveu anos difíceis. Muitos analistas acreditavam que ela estava fora do jogo. Mas tal qual uma fênix, ela está renascendo. “O novo time de gerenciamento tem melhorado a qualidade de produtos enquanto mantém o apelo de preço que é o legado da marca Marisa”, escreveram analistas do HSBC. Os resultados dos próximos trimestres irão mostrar se eles realmente estavam certos.

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