Quem não conhece o quadro ‘O Grito” do pintor norueguês Edvard Munch? Até um emoji amplamente utilizado para demonstrar horror e a máscara do filme Pânico foram inspirados nessa tela. Ela simboliza o homem moderno tomado por uma crise de angústia existencial e é considerada a obra mais importante do artista.

Em seu diário, ele escreveu, em 1892, que estava fazendo um passeio quando viu “línguas de fogo” no céu sobre um fiorde e sentiu “um grito infinito que passava através do universo e rasgava a natureza.”

A versão mais célebre das cinco existentes chegou a ser roubada à mão armada do museu Munch, em Oslo, em 2004, e foi encontrada pela polícia dois anos depois. Uma outra foi vendida em um leilão da Sotheby’s por US$ 120 milhões há dez anos.

Munch é um pintor famoso e, ao mesmo tempo, pouco conhecido: sua obra ficou cristalizada na imagem do quadro “O Grito.” Uma exposição no museu d’Orsay, em Paris, em cartaz de 20 de setembro a 22 de janeiro de 2023, tem o objetivo de mostrar que sua vasta produção artística vai bem além disso. Ela retrata seus 60 anos de carreira e destaca a complexidade de suas criações.

“Edvard Munch – Um poema de vida, de amor e de morte” reúne uma centena de obras, entre elas cerca de 40 pinturas importantes, além de desenhos e estampas. Em vez de um percurso cronológico, a mostra foi organizada para propor uma leitura global de suas criações e segue o princípio de ciclos, algo inerente às ideias de Munch e à sua obra. O artista exprimiu com frequência o pensamento de que a humanidade e a natureza estão implacavelmente ligadas em um ciclo de vida, de morte e de renascimento.

"Hora da Noite", de 1888, influência do impressionismo logo abandonada

Artista autodidata, que começou a praticar na infância com sua tia e estudou apenas alguns meses no Colégio Real de desenho de Oslo, Munch começou pintando retratos da família e de amigos, com um realismo austero. Depois teve uma influência do movimento impressionista, vista em telas como "Hora da Noite", de 1888, que ele deixou de lado pouco tempo depois.

“Não pintaremos mais por muito tempo ainda interiores com homens lendo e mulheres tricotando. Queremos pintar seres vivos, que respiram, sentem, sofrem e amam. Vou fazer uma série de quadros nesse estilo. Será preciso entender o que eles têm de sagrado, que as pessoas se descubram diante deles como se estivessem em uma igreja”, escreveu Munch em seu Manifesto, de 1889. A partir disso ele se volta para o simbolismo, movimento marcado pelo pessimismo e pela visão subjetiva da realidade.

As curadoras da exposição, Claire Bernardi e Estelle Begué, afirmam que Munch tem um estilo inclassificável. “Devido à intensidade psicológica e dramática de suas obras, o uso de cores vivas estridentes e a ênfase na expressão de sentimentos profundos que abalam voluntariamente o espectador, Munch é frequentemente descrito como um precursor do expressionismo”, afirmam.

"Auto-retrato com cigarro" feito na juventude

“Mas, longe de seguir uma corrente e se preocupando pouco com o fato de inspirar discípulos, ele se caracteriza sobretudo por uma grande liberdade plástica e estética voltadas para a expressão de sua visão singular do mundo e da vida”, ressaltam as curadoras da mostra.

Durante décadas, Munch explorou temas de maneira praticamente obsessiva: amor, angústia, solidão, dúvida existencial e a morte. As primeiras apresentações públicas de suas obras suscitaram críticas ou surpresa.

A morte rodeia na tela “A Criança Doente”, inspirada no falecimento de sua irmã Sophia, vítima de tuberculose, mesma doença que matou sua mãe quando Munch tinha apenas cinco anos. A tela causou escândalo em um salão em Oslo em 1886. "O Leito de morte" é outra obra sua que evoca a morte da irmã.

"O leito de morte" evoca a perda da irmã Sophie

Após uma estada em Paris, sua carreira ganhou projeção a partir de 1892 com uma exposição em Berlim, onde o artista se instalou por alguns anos antes de retornar à Noruega. O público ficou chocado e a mostra fechou rapidamente, uma semana após a inauguração. Décadas depois, durante a Segunda Guerra, 90 telas do pintor foram retiradas dos museus alemães por serem consideradas “degeneradas” pelos nazistas.

Com a tela "Desespero (Humor Doente ao Pôr do Sol)", que mostra uma das chaves de sua obra, a projeção do sentimento humano sobre a natureza ao redor, que Munch mesmo qualifica como o “primeiro Grito”, onde o céu vermelho e a composição lembram sua obra mais famosa, e "Puberdade"', que evoca a difícil passagem para a idade adulta, além da “Criança Doente”, Munch lança a principal temática de sua obra, a exploração da alma humana.

Preocupado em tentar fazer com que sua arte fosse compreendida, ele inventou uma nova maneira de apresentá-la para sublinhar a coerência entre as criações. Ele reuniu os principais temas em um vasto projeto que ele intitulou “A Frisa da Vida”, iniciada nos anos 1890, com telas exibidas em grandes exposições. “O Grito” faz parte dessa série. A mostra no museu d’Orsay exibe uma das versões dessa obra célebre, uma litografia impressa em preto e branco, colorida à mão em vermelho, azul e amarelo.

Desespero (Humor Doente ao Pôr do Sol), o "primeiro O Grito"

Munch também pintou inúmeros autorretratos durante toda a sua carreira. “Para o artista, é uma maneira de marcas momentos importantes de sua vida”, afirmam as curadoras da exposição no museu d’Orsay. No "Autorretrato com Cigarro", feito na juventude, ele se mostra um artista seguro de seu talento, boêmio. “Depois seus autorretratos sublinham suas profundas fraquezas e as dúvidas que o abalam”, acrescentam as curadoras.

Artista atormentado, Munch dizia que “as pessoas não morrem, é o mundo que nos abandona.” Quase 80 anos após sua morte, a obra do pintor norueguês continua suscitando reflexões sobre a vida.