Para o setor de energia solar no Brasil, não há (literalmente) tempo nublado. Concentrado nos painéis fotovoltaicos que captam energia nos telhados, o segmento de geração distribuída (GD) – nome técnico da geração para consumo próprio, uma vez que um painel solar permite produzir e distribuir energia – ultrapassou 21 gigawatts (GW) de capacidade instalada em maio, o equivalente a uma vez e meia a potência da Usina Hidrelétrica de Itaipu.
A energia solar no Brasil virou um grande negócio. O volume de financiamento via instituições financeiras e mercado de capitais para geração solar, tanto em grandes usinas centralizadas como em pequenos painéis fotovoltaicos no topo de residências, passou de R$ 35 bilhões em 2022, crescimento de 79% em relação ao ano anterior.
O grosso da expansão do setor está concentrada na instalação de kits em telhados, que teve aumento de 193% no ano passado, o maior crescimento do mundo, segundo levantamento da SolarPower Europe, associação do setor fotovoltaico europeu.
Até 7 de janeiro, houve corrida para instalação desses kits em telhados, que garantia subsídios na conta de luz até 2045, e acabou criando um novo modelo de negócio dentro do segmento de GD, a geração compartilhada (GC) de fazendas solares, que vem atraindo até gigantes do setor.
Com retorno do investimento estimado em cinco anos, dependendo do tipo de instalação, esse modelo concentra mais de 90% da geração distribuída. Pela GD, o excedente de produção de energia num mês do kit instalado no telhado é jogado na rede elétrica para alimentar outros consumidores. Em seguida, os megawatts (MW) que sobram são transformados em créditos e abatidos da conta de luz no mês seguinte pela distribuidora.
Já são mais de 1,9 milhão de kits fotovoltaicos conectados à rede de distribuição de energia. Os 21 GW se referem ao volume potencial de geração própria de energia elétrica em residências (49,9% dos projetos), comércios (27,5%) produtores rurais (14,6%) e indústrias (7%), além de uma pequena parcela em prédios públicos e terrenos.
Não surpreende o fato de a energia solar ter assumido na virada do ano a vice-liderança do ranking de capacidade instalada entre as principais matrizes energéticas do País, com 13,1% de participação – ultrapassando a energia eólica e ficando atrás apenas das usinas hidrelétricas, com 51,3%, de acordo com a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar).
O papel da energia no custo Brasil
Como a tarifa de energia elétrica cresce acima da inflação, a possibilidade de usar a própria produção do painel solar para reduzir a conta de luz é o maior atrativo, mas não o único. Quem instalou o seu kit até 7 de janeiro, ficou isento até o ano de 2045 de cobrança do uso da rede (distribuição e transmissão) e de todos os impostos – que correspondem, em média, a 15% da conta de energia elétrica do Brasil.
O benefício é fruto de uma norma da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) baixada em 2012 para estimular a adoção da energia solar. Pior para o restante da população brasileira, que terá de pagar subsídios anuais de R$ 5,3 bilhões na conta de luz até o ano de 2045, segundo cálculos da própria Aneel, para que os usuários da GD utilizem o sol como fonte de energia elétrica.
A Absolar, no entanto, enfatiza os benefícios trazidos pela geração própria de energia solar ao Sistema Interligado Nacional. De acordo com um estudo encomendado à consultoria Volt Robotics, o crescimento da geração distribuída vai trazer mais de R$ 86,2 bilhões em benefícios sistêmicos no setor elétrico até 2031 e, com isso, baratear a conta de luz de todos os consumidores.
Esse roteiro, que engrossa o chamado Custo Brasil, ajuda a entender o boom do setor. Puxada pela geração distribuída, desde julho passado a fonte solar tem crescido em média 1 GW por mês em capacidade instalada ou uma Hidrelétrica de Sobradinho.
A boa notícia é que a farra dos subsídios foi extinta, por conta da Lei 14.300, sancionada em 7 janeiro de 2022. A nova legislação estipulou o prazo de 1 ano - vencido em 7 de janeiro deste ano - para novas instalações de painéis com direito a subsídios.
Mesmo assim, quem instalou o seu painel depois de janeiro não tem do que reclamar. Em 2023, por exemplo, a taxa de uso da rede paga pelo micro ou minigerador será de apenas 15% e só chegará a 90% em 2028.
Para Bárbara Rubim, vice-presidente de geração distribuída da Absolar, outros fatores contribuíram para essa procura pela energia solar. “O custo do sistema como um todo reduziu entre 30% e 40% de 2014 para cá, sendo que o preço do módulo fotovoltaico caiu 80% nos últimos dez anos”, diz.
Para se ter uma ideia dessa corrida, apenas entre outubro e janeiro deste ano, o volume de projetos de instalação recebidos pelas distribuidoras de energia soma 35 GW em capacidade. A solicitação de acesso é exigida para que o painel possa injetar energia excedente na rede elétrica e compensar créditos na conta de luz.
A demanda surpreendeu as distribuidoras. O número de reclamações na Aneel pela demora da aprovação de projetos cresceu 34% no último ano, com 18,3 mil casos apenas em maio. “Cada vez mais, as distribuidoras têm dificultado que o consumidor gere a própria energia”, diz Rubim, da Absolar.
O gargalo na instalação de painéis não inibiu a entrada de investidores nesse nicho de mercado. Ewerton Henriques, diretor de infraestrutura do Banco Fator, diz que o financiamento para o segmento solar em 2023 deverá ser maior que o liberado pelo banco para rodovias e saneamento no ano anterior.
“Estamos estimando a estruturação de R$ 1 bilhão em dívidas nos próximos meses”, diz Henriques. Os projetos podem ser financiados até via Certificados Recebíveis Imobiliários (CRI) e por debêntures incentivadas.
Distorção no sistema
Marcos Madureira, presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), afirma que esse crescimento impulsionado pelos subsídios criou uma distorção no sistema de geração distribuída, com o surgimento de subprodutos da GD.
Ele cita como exemplo a chamada geração compartilhada (GC). Consiste numa empresa que constrói uma fazenda solar, com vários painéis fotovoltaicos (com capacidade máxima de 5 MW, suficiente para atender 3 mil residências), que produz energia e vende via aplicativo para um consumidor, que “aluga” um pedaço dessa usina com desconto de 15%, em média, na conta de luz.
A novidade é que o consumidor nem precisa ter painel solar em sua casa ou apartamento, basta estar conectado à mesma rede concessionária que distribui energia. Como não há custo de transmissão, a distribuidora nada recebe.
“Abriu-se um mercado de baixa tensão que não existia, sem nenhum gasto para quem está utilizando”, diz Madureira, apontando os prejuízos para as distribuidoras.
Segundo a Aneel, em abril existiam 5.141 fazendas solares que atendiam 14.581 unidades consumidoras. Embora represente um pequeno segmento dentro da GD, a geração compartilhada tende a crescer e deve movimentar R$ 15 bilhões em investimentos até 2024, segundo a consultoria Greener.
A Omega Energia, a maior empresa do país nos segmentos eólico e solar, anunciou em março que pretende entrar no segmento de geração compartilhada com a construção de cerca de 50 fazendas solares nos próximos 18 meses.
A Luz Energia, que já opera três fazendas solares e planeja construir outras 50, oferece diferenciais, como um app que mede o consumo de todos os eletrodomésticos de uma casa. “A diminuição de custos na conta de luz do consumidor é o grande atrativo da geração compartilhada”, afirma Rafael Maia, CEO da Luz Energia, que integra o Grupo Delta Energia
O mercado mira em especial as pequenas e médias empresas (PMEs), que não consomem o mínimo exigido, 500 kWh/mês, para comprar energia no mercado livre.
“As PMEs, como padarias e pequeno comércio, sem espaço físico para instalar painéis, tendem a adotar esses modelos de GD por assinatura”, diz Victor Hugo Occa, diretor da Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace).
Segundo ele, até as distribuidoras estão entrando nesse nicho: “Elas estão bem posicionadas, têm massa de dados dos seus clientes e sabem onde podem oferecer serviço.”
Ou seja, quase todos ganham – exceto os consumidores comuns que não têm kit solar para captar energia e vão pagar essa conta por mais duas décadas.