Em oito anos de operação, a brasileira Gympass cumpriu diversas etapas antes de atrair investidores como o fundo japonês Softbank e alcançar, em junho de 2019, o status de unicórnio, com uma avaliação privada de mais de US$ 1 bilhão.
Um dos componentes nessa corrida foi a mudança do modelo voltado ao B2C para a consolidação de uma plataforma corporativa de acesso a milhares de academias, ofertada aos funcionários de empresas dos mais variados setores.
Com essa proposta, a Gympass ganhou musculatura, chegou a 14 países e construiu uma carteira global de mais de 2 mil clientes. Mas nada se compara ao exercício de reinvenção que a startup foi obrigada a fazer na Covid-19. A pandemia fechou as portas de academias em todo o mundo e colocou em xeque a operação da startup.
“Nós ficamos duas semanas sem nenhum produto para oferecer”, diz Priscila Siqueira, CEO da Gympass no Brasil, ao NeoFeed. A executiva assumiu o posto em abril, justamente na largada da crise. “Foi desafiador, mas nós nos movemos rapidamente.”
A mudança não veio sem dores. Nas primeiras semanas da pandemia, a Gympass demitiu cerca de 300 pessoas, 20% de sua equipe, em todo o mundo. Depois do baque inicial, a empresa passou a lançar produtos em série. Primeiro, a startup incorporou aplicativos de bem-estar à sua plataforma. O produto foi batizado de Gympass Wellness.
Na sequência, vieram as aulas ao vivo, via streaming, com a participação de sua rede global de mais de 53 mil academias e estúdios. Posteriormente, foi a vez da oferta de treinos virtuais com mais de mil personal trainers no País, dos quais, 72% já receberam reservas de alunos. De lá para cá, todo esse pacote gerou mais de 1,5 milhão de horas de atividades físicas no online.
Depois de adicionar mais produtos a esse portfólio recentemente, como o Gympass Kids, com aplicativos e programas de exercícios voltados a faixa etária de até 13 anos, a companhia já definiu a próxima escala dessa jornada.
“Estamos olhando muito a questão da personalização, em como atender o usuário de forma diferenciada e investindo cada vez mais em inteligência artificial”, afirma Priscila, que fala dessa estratégia e conta mais sobre a reinvenção da Gympass. Confira:
Como foi assumir o posto de CEO da Gympass no Brasil em meio à pandemia?
Entendi que era o momento de arriscar e foi muito desafiador. Isso não muda se estivesse em outra posição, porque foi um desafio para a Gympass como um todo. Eu encarei como um intraempreendedorismo. Nós ficamos duas semanas sem produto no Brasil para oferecer. Mas já estávamos monitorando a situação nas nossas operações na Espanha e na Itália, e pensando como íamos atuar. Então, quando começou a quarentena por aqui, nós nos movemos rapidamente. E aí veio toda essa reinvenção da empresa.
Antes dessa virada, a Gympass promoveu cortes no seu quadro. Quais áreas foram mais afetadas?
Foi uma decisão super difícil e, infelizmente, cortamos cerca de 20% da operação em todo o mundo. Incorporamos o que foi possível, mas muitas posições, como a área que visitava os clientes, deixaram de existir. Hoje, já estamos recontratando, especialmente em tecnologia. Nós não divulgamos esses dados, mas já estamos nos mesmos níveis pré-pandemia.
Nessa mudança no modelo, o que estava, de fato, nos planos antes da pandemia?
O projeto da Gympass Wellness, mas era para o fim do ano. Trouxemos cerca de 40 aplicativos relacionados não só à atividade física, mas ao bem-estar como um todo. Esse foi o primeiro movimento: entregar aos RHs a possibilidade de oferecer aos funcionários uma solução sob demanda para cuidar da saúde mental, da nutrição e olhar a saúde de uma maneira muito mais completa.
E na outra ponta, das academias parceiras, o que foi feito?
Nós apoiamos com campanhas, oferecemos uma plataforma de streaming e colocamos aulas ao vivo online, de forma que os alunos podiam fazer aula com os professores que já estavam acostumados. Na sequência, trouxemos os personal trainers. No Brasil, estamos com mais de mil profissionais. E agora lançamos uma evolução dessa oferta, que é o Wellness Coach. O usuário acessa o aplicativo, responde um questionário e, com essas informações, um profissional atende esse usuário indicando a melhor rotina diária na plataforma. É como uma consultoria de bem-estar.
Mais recentemente vocês anunciaram o Gympass Kids? Como essa oferta se encaixa nessa estratégia?
Vimos que já tínhamos muitos aplicativos para crianças e academias parceiras com programas específicos para esse público. A lógica é a seguinte: não somos mais uma empresa de atividade física, mas sim uma plataforma de bem-estar. E se conseguirmos ajudar a organizar melhor também a relação com os filhos, vamos contribuir cada vez mais para o bem-estar do nosso usuário.
"A lógica é a seguinte: não somos mais uma empresa de atividade física, mas sim uma plataforma de bem-estar"
Como funciona essa oferta?
Criamos um plano separado, válido para quem tem até 13 anos, que pode ser usado só no online e tem mais de 20 aplicativos. E temos outro plano, o Kids Plus, que une o online e o presencial. O Gympass Kids ainda é um produto beta. Começamos a testar com alguns clientes com os quais temos mais relacionamento e que já têm dependentes dentro da plataforma. E vamos lançar oficialmente esse ano ainda.
Quais são os próximos passos?
Estamos olhando muito a questão da personalização e em como atender o usuário de forma diferenciada. Estamos investindo cada vez mais em inteligência artificial, com três hubs de tecnologia, em São Paulo, Nova York e Lisboa.
Mas como se dará, na prática, essa personalização?
Hoje, o usuário entra no aplicativo e nós já damos sugestões, dizemos o que tem perto dele. Mas queremos ir além. Imagina que nós identificamos que ele está pesquisando, por exemplo, aulas de tênis, que não estão incluídas no seu plano. Podemos oferecer uma aula na escola que ele está procurando, por um valor adicional e dar essa flexibilidade. Também podemos dar descontos em uma determinada academia, em um horário mais ocioso. São coisas que estamos estudando.
Nessa direção, vocês já trabalham com programas específicos para empresas?
Hoje já temos programas customizados. Na pandemia, nós deixamos alguns pacotes prontos, por exemplo, para doentes crônicos, com as atividades que essas pessoas podiam fazer dentro da plataforma. Em alguns clientes, também desenvolvemos programas para gestantes.
De que maneira todas essas novas soluções criadas na Covid-19 mudaram a relação com as empresas clientes?
Agora, somos vistos de forma diferente. Hoje, a saúde mental está muito em alta e é quase obrigatório para os RHs terem um programa de bem-estar. Queremos nos consolidar como a ferramenta de implementação dessas iniciativas. Com isso, além de buscar novos clientes, estamos nos reposicionando nos que já estão na nossa base. Nosso foco é cada vez mais o corporativo.
"Hoje, a saúde mental está muito em alta e é quase obrigatório para os RHs terem um programa de bem-estar"
Ao mesmo tempo, recentemente, a Gympass também passou a dar mais atenção às PMEs, certo?
Antes da pandemia, nós criamos uma área para trabalhar especificamente com esse perfil de empresa, que exige toda uma régua de comunicação e de implementação diferente, mais ágil e digital. Essa equipe fica dentro da nossa estrutura de New Ventures.
O que é exatamente essa área de New Ventures?
É quase que uma startup, uma incubadora. Como nosso negócio precisa escalar e ser muito rápido, temos pessoas dedicadas unicamente a pensar e testar coisas novas. Além do braço de PMEs, o Gympass Kids, por exemplo, ainda está lá dentro. Diferentemente da Gympass Wellness, que nasceu ali e agora é toda a nossa plataforma de bem-estar.
Na prática, a virada para essa nova abordagem já se reverteu também em resultados?
Essas novas ofertas tiveram uma atratividade muito grande. Conquistamos mais de 40 novos clientes no segundo semestre e expandimos até mais no terceiro trimestre. No início, tivemos um recuo mais expressivo entre as PMEs, até mesmo porque algumas delas fecharam as portas. Mas nós não paramos de vender em nenhum momento.
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