Enquanto o mundo aguarda o desfecho da corrida presidencial nos Estados Unidos entre o republicano Donald Trump e o democrata Joe Biden, as eleições já tiveram final feliz para as empresas de tecnologia.
Na Califórnia, a proposição 22, que mantém motoristas e entregadores de aplicativos como contratados independentes, foi aprovada com 58,4% dos votos. Mais de 11 milhões de pessoas expressaram nas urnas sua posição sobre a lei que poderia definir o destino das big techs no estado mais populoso e rico dos Estados Unidos.
A briga política entre o governo e as companhias de aplicativos, como Uber e Lyft, se arrasta desde 2019, quando o Projeto de Lei 5 foi assinado. Segundo o texto, os trabalhadores da chamada gig economy só podem ser considerados independentes se, entre outras coisas, tiverem total controle de suas atividades e desempenharem uma função que não esteja diretamente relacionada com o core business da contratante.
Essas definições colocaram Uber e Lyft em rota de colisão com a justiça local. Por definir o valor das corridas, "penalizar" motoristas que cancelem ou neguem uma viagem, além de outras práticas de controle, o governo entende que essas companhias não podem sustentar sua rede de trabalhadores como independentes.
Esses colaboradores deveriam, portanto, ser tratados como funcionários, e receber integralmente todos os direitos garantidos pela lei, como salário mínimo e assistência.
As companhias reagiram dizendo que essa mudança inviabilizaria seu modelo de negócio e ameaçaram deixar a Califórnia caso tivessem de cumprir as exigências da lei. As empresas insistiam num "terceiro caminho" e escreveram o texto que foi submetido às cédulas eleitorais daquele estado.
Segundo a proposta, os motoristas passam a gozar de alguns benefícios, como recompensa financeira mínima por hora de trabalho, mas não terão acesso a todas as "regalias" estipuladas nas leis trabalhistas. Juntas, Uber, Lyft, DoorDash e outros players estruturaram uma campanha de US$ 200 milhões para aprovar a proposta.
No mês de outubro, os usuários que abriam a tela do Uber na Califórnia recebiam alertas dizendo que, se a proposição 22 não fosse aprovada, o valor daquela corrida seria outro – um muito maior. Numa simulação feita pela equipe do NeoFeed, uma viagem de 16 km e duração de 29 minutos, passaria de US$ 35 para US$ 67. Para aceitar a corrida, era preciso clicar num botão dizendo "sim, eu apoio a proposição 22".
Foi essa a mesma resposta que os eleitores tiveram que dar no dia 3 de novembro. As organizações dos motoristas e trabalhadores da gig economy, que se opunham ao texto escrito pelas gigantes, conseguiram arrecadar apenas 1/10 do valor de campanha para tentar promover um debate justo.
Essa foi a proposição mais cara da história eleitoral californiana. Mas, para Geoff Vetter, porta-voz do movimento das empresas de tecnologia, valeu a pena. "A Califórnia deu o seu recado. A proposição 22 representa o futuro do trabalho numa economia cada vez mais tecnológica", escreveu em comunicado divulgado à imprensa.
Na Nasdaq, os papéis da Uber avançam quase 12% e os da Lyft saltam quase 9%, numa clara aprovação do mercado.
Em um e-mail enviado aos motoristas da Uber, o CEO da companhia, Dara Khosrowshahi, agradeceu a participação de todos. "O futuro do trabalho independente está mais seguro porque muitos motoristas, como vocês, falaram", assinou. O executivo também garantiu que as promessas contidas no texto da regra serão implementadas "o mais rápido possível".
Já o escritor Paris Marx, fundador do projeto Tech Won't Save Us ("A Tecnologia Não Vai Nos Salvar", em português), lamentou a decisão popular. "Foi uma grande vitória para companhias cujo modelo de negócio é pautado em dizimar direitos trabalhistas. Uma perda dura para os motoristas da Uber, Instacart e outros aplicativos. Agora o nosso foco é impedir que a proposição 22 seja replicada em outras jurisdições", disse ao NeoFeed.
A expectativa é que, com esse importante precedente, as big tech tentem passar textos semelhantes em outros estados, garantindo sua posição e seus trabalhadores independentes.
Para a deputada democrata Lorena Gonzalez, as empresas agiram de má fé. "As pesquisas mostram que 40% dos que votaram 'sim' pensaram que estavam dando direito aos motoristas", escreveu em seu perfil no Twitter.
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