No escritório de Belmiro Gomes, CEO da rede atacadista Assaí, há um mapa do Brasil no qual ele vai demarcando com pins os estados que estão sendo ocupados pela empresa varejista. Hoje, a companhia conta com 186 unidades espalhadas por 23 estados.
Mas, até o fim do ano, o mapa de Gomes ficará mais recheado. O Assaí vai abrir mais 28 unidades, num investimento total de R$ 1,5 bilhão. Em 2022, mais 25 unidades deverão sair do papel. “Aí, só faltarão os estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul”, diz Gomes ao NeoFeed.
O investimento pesado em lojas físicas tem reforçado um curioso mantra que o executivo repete para analistas e investidores do mercado financeiro: o e-commerce não é e não será o foco da companhia. “O mercado cobra a gente e temos sido bem sinceros. Não é a nossa estratégia.”
O posicionamento de Gomes contrasta com o discurso de quase todos os varejistas, que têm apostado suas fichas no comércio eletrônico. “O que temos visto é o que chamamos de make-up digital, que é vestir operações existentes, que funcionavam tranquilamente, com uma cara de digital para parecer moderno.”
Sem papas na língua, ele ainda revela a estratégia de algumas delas. “Tem companhia que fala que vende no digital, mas quem tira o pedido é o mesmo vendedor de vinte anos atrás.” A postura não deixa de ser curiosa, principalmente para o mundo digital que está emergindo no pós-pandemia.
Isso não significa, entretanto, que a empresa deixará de entrar nesse mercado. No segundo semestre, o Assaí deverá lançar o seu e-commerce, operado por terceiros. “O e-commerce não é uma realidade para 92% da população. Mas teremos para quem quiser.”
O executivo, na empresa desde 2009, ainda lembra de uma das previsões feitas, em 2010, na NRF, a principal feira do varejo mundial, em Nova York. Naquela época, diz ele, se pregou o fim das lojas físicas. “Só neste ano estamos construindo 500 mil metros quadrados. Então é preciso um pouco de cautela para carimbar o que é verdade para algumas categorias e para outras.”
O varejo alimentar tem suas especificidades: produtos com tíquetes menores e, na maioria dos casos, mais difíceis de serem transportados na chamada última milha logística. Mas há muitos varejistas que atuam em outros setores entrando nesse segmento para aumentar a recorrência.
“Você vê muita iniciativa de empresa dizendo que vai entrar no alimentar porque traz frequência e vai aproveitar a logística existente. Até você ter de transportar um frango na logística do Magazine Luiza e do Mercado Livre. Isso passa a ser um problema”, afirma Gomes.
Quem escuta o presidente do Assaí falando isso pode pensar que ele não está antenado no mundo digital. Porém, ele separa o joio do trigo. “Digitalização é diferente de e-commerce. Somos digitalizados e estamos preparando novidades para o segundo semestre”, diz, sem dar detalhes.
O Assaí deverá investir pesado para criar um big data com informações das 30 milhões de pessoas que passam todos os meses por suas lojas – algo praticamente inexistente dentro da companhia.
“Assim como os concorrentes, o Assaí terá de entender como acelerar a digitalização de um negócio que depende muito da produtividade e do baixo nível de despesas das lojas”, diz Alberto Serrentino, sócio-fundador da consultoria Varese Retail.
Na contramão da economia
A questão que faz com que as empresas de atacarejo continuarem a apostar suas fichas nas lojas físicas é aquele bom e velho ditado de que “não se mexe em time que está ganhando”. No primeiro semestre deste ano, com o agravamento da pandemia, muitos comércios fecharam.
Mesmo assim, o canal de atacarejo vem crescendo a uma média de 18%. O Assaí, por sua vez, cresceu 21% no primeiro trimestre e sua receita líquida atingiu R$ 9,4 bilhões, seu lucro líquido no período alcançou R$ 240 milhões, mais do que o dobro em comparação com o mesmo período do ano passado. E boa parte desse crescimento vem também da abertura de novas lojas. No ano passado, a rede inaugurou 19 lojas e investiu um total de R$ 1,2 bilhão.
O próprio crescimento da rede varejista nos últimos dez anos aponta essa tendência. Em 2010, o Assaí faturava R$ 3 bilhões. No ano passado, foram R$ 39,4 bilhões, R$ 9 bilhões a mais do que em 2019. O avanço em um ano de pandemia, em que o mercado de food service sofreu, é o que mais salta à vista.
Em 2020, o mercado mudou completamente. Setores que eram os principais compradores do atacarejo sofreram um grande baque. Principalmente, restaurantes, bares, hotéis, creches, cantinas de escolas e igrejas. “São Paulo tem 40 mil igrejas e compram muito copos descartáveis e produtos de limpeza”, explica Gomes. Com isso, a companhia assistiu a alguns movimentos.
O primeiro movimento foi uma repentina mudança de comportamento desse público que é dividido em três categorias: o revendedor, formado por mercearias, padarias e minimercados, cresceu 20%; o transformador, com restaurantes e lanchonetes, que sofreu muito, viu a queda chegar a 50%; e o utilizador, com as cantinas de escolas, empresas e igrejas, representaram uma queda de 70%.
O segundo impacto aconteceu no aumento das vendas para as pessoas físicas. “Como é um setor de baixo custo, teve esse aumento de procura”, diz Gomes. Se antes as vendas eram divididas em 60% para pessoa física e 40% para pessoas jurídicas, essa equação mudou para 70% consumidor final e 30% para PJ. No fim das contas, a companhia conseguiu crescer 30%. A receita saltou de R$ 30 bilhões, em 2019, para R$ 39,4 bilhões, em 2020.
Os números mostram a força do atacarejo seja nos momentos de pujança ou de crise. Atualmente, o setor representa um terço do varejo alimentício no Brasil e movimenta mais de R$ 170 bilhões por ano, de acordo com a Associação Brasileira dos Atacadistas de Autosserviço (Abaas). O modelo foca menos nos serviços e dá mais ênfase aos preços.
Enquanto a despesa operacional direta na loja de um supermercado está na casa de 20%, em um atacarejo ela é de 9%. Na ponta, juntando as economias na loja, na logística e nas despesas corporativas, as redes de atacarejo acabam vendendo até 30% mais barato. É isso o que atraiu um novo público.
“As classes média e média alta aderiram a esse formato”, diz Danniela Eiger, analista de varejo da XP. “E o Assaí vem melhorando a oferta para os clientes”, diz ela. O próprio Belmiro Gomes reconhece que esse era um ponto de atenção. “Nos últimos anos, a gente vem modificando a proposta de valor da empresa para corrigir esse Calcanhar de Aquiles da operação”, afirma ele. “A gente entregava preço baixo, mas não entregava uma boa experiência de compra.”
Se antes havia 6 mil SKUs, hoje são, em média, 10 mil SKUs. O executivo afirma que conseguiu fazer isso reduzindo os custos. “Em 2012, operávamos lojas mais simples com custos de 11% da venda bruta. Hoje, temos lojas maiores e melhores com custos operacionais na casa de 9%.” Os investimentos foram feitos em automatização e em processos construtivos mais inteligentes.
A companhia é a única 100% de atacarejo listada na bolsa. Isso aconteceu depois que ela foi desmembrada do GPA, no início de março. Os seus concorrentes, o Atacadão, faz parte do Carrefour, e avançou neste ano com a compra do Grupo BIG, ex-Walmart no Brasil. O outro rival listado em bolsa é o Matheus, que vai além do atacarejo.
O mercado tem olhado para o Assaí com viés de compra, observando que, no segundo semestre, com maior vacinação e volta da atividade de restaurantes, bares, hotéis, escolas, igrejas, ele deverá ganhar com isso. “Mantemos nossa recomendação de compra para as ações ASAI3 e preço-alvo de R$ 120,00 por ação para o fim de 2021 e reiteramos o papel como nossa preferência no setor”, escreveram os analistas Danniela Eiger, Thiago Suedt e Gustavo Senday em relatório da XP.
O Goldman Sachs, em recente relatório, também aponta que a empresa deve se sair bem no segundo semestre e recomenda compra. O preço-alvo, antes em R$ 101,00, passou para R$ 110,00. No pregão de sexta-feira, 25 de junho, o papel do Assaí fechou cotado em R$ 84,89 e seu valor de mercado alcançou R$ 45,6 bilhões.
O Morgan Stanley destaca a oportunidade de crescimento inorgânico da empresa, apesar de a companhia reforçar que está focada na abertura de lojas e na redução de seu endividamento. Por conta da cisão com o GPA, o Assaí ficou com metade da dívida do grupo. “O Assaí comprou o grupo Êxito por R$ 8,5 bilhões e na cisão essa dívida ficou aqui”, diz Gomes. “Hoje, a dívida líquida é de R$ 5 bilhões e a alavancagem é de 1,9 vezes o Ebitda. A ideia é reduzir a alavancagem para a casa de uma vez o Ebitda.”