Após bater sucessivos recordes de crescimento no mundo inteiro, o mercado de veículos leves eletrificados começa a ganhar espaço também no Brasil.
A chegada da montadora chinesa Great Wall Motors (GWM), que desembarca no País com investimentos previstos de R$ 10 bilhões para os próximos dez anos, é uma mostra do potencial que esse mercado oferece.
Se confirmado o investimento, a GWM será a segunda ou a terceira montadora (a CAOA Chery anunciou também seus planos para esse mercado) a fabricar veículos eletrificados em solo nacional. Até o ano passado, apenas as unidades da Toyota em Sorocaba e Indaiatuba, ambas no interior de São Paulo, montavam veículos eletrificados.
As vendas no segmento atingiram 49.245 veículos em 2022, o que representa uma expansão de 41% sobre os 34.990 comercializados em 2021, de acordo com dados da ABVE (Associação Brasileira do Veículo Elétrico). Até aqui são 128 modelos de 47 montadoras, a maior parte importados.
A frota total de eletrificados no País é de pouco mais de 126.500 veículos leves, número irrisório frente aos 24,5 milhões de automóveis e comerciais leves elétricos/híbridos que circulam no mundo.
O Brasil conta com três categorias de veículos eletrificados, conhecidos pelas siglas BEV, PHEV e HEV.
Embora representem apenas 2,5% do total de veículos leves emplacados em 2022 (1.957.699 automóveis, a grande maioria a combustão flex), chama a atenção os preços salgados, entre R$ 150 mil e R$ 400 mil, apesar dos benefícios fiscais oferecidos às montadoras.
O imposto zero de importação para os carros 100% elétricos (BEV), que exigem recarga da bateria e são silenciosos, é um dos atrativos.
Os modelos plug-in híbrido (PHEV), que vêm com bateria e motor a combustão, oferecendo mais autonomia, têm uma alíquota de importação entre 2% e 4%, mas concentraram 72% das vendas no ano passado.
Há ainda os veículos híbridos tradicionais (HEV). São carros a combustão, sem recarga externa, mas que contam com uma pequena bateria de 48 volts que ajuda a economizar combustível.
Esse detalhe permite aos HEVs fazer 18 km por litro de combustível em veículos sedans como Toyota Corolla Cross Hybrid, campeão de vendas na categoria, e o Caoa Chery Tiggo 5X Pro Hybrid.
Os HEVs são fruto de uma geração anterior, desenvolvida há mais de 20 anos, e entram na categoria de veículos eletrificados apenas no Brasil por serem flex, ou seja, por rodarem com etanol ou gasolina.
Graças aos híbridos HEV, quase metade da frota de eletrificados em circulação é fabricada no Brasil.
Luxo e potência
A GWM deve entrar no mercado brasileiro já em março, oferecendo uma SUV importada da China em duas versões, o Haval H6 Premium e o Haval H6 GT.
A marca chinesa comprou uma fábrica da Mercedes em Iracemápolis (SP), com planos de produzir aqui SUVs off-road e urbanas, além de pick ups. A montadora já conta com uma estrutura de 150 profissionais no país, incluindo 30 expatriados.
Os modelos da GWM resumem a nova tendência do mercado de veículos eletrificados: luxo, potência e muita tecnologia embarcada.
Os modelos Haval chegam nas versões híbrida (HEV) ou plug-in híbrida (PHEV), essa última movida a bateria e motor 1.5 turbo a gasolina, combinação que permite rodar até 1.000 quilômetros com uma simples carga de bateria e um tanque cheio de combustível.
Equipada com dois motores elétricos, um sobre cada eixo, dianteiro e traseiro, o Haval H6 tem 393 cavalos de potência. Por enquanto, a montadora não vai importar a versão 100% elétrica (BEV).
“Essas configurações do Haval que vamos vender aqui não são encontradas em nenhum outro lugar onde a GWM atua”, afirma Ricardo Bastos, diretor de Assuntos Institucionais e Governamentais da montadora.
“Usamos a plataforma de outro veículo, acoplamos os dois motores elétricos e fizemos um veículo exclusivamente para o mercado brasileiro”, acrescenta o executivo, com passagens pela Ford e Toyota.
Os planos da GWM são ousados. A montadora fechou parcerias com 28 grupos que representarão, de início, 50 pontos de vendas e de serviços até julho.
Os modelos importados chegam pelo porto de Vitória (ES) e deverão custar na faixa de R$ 300 mil. O comprador terá a opção de receber o veículo em casa.
Onde ficam os eletropostos?
O apetite da GWM, que vai usar a base no Brasil para exportar para a América Latina, é compartilhado por outras concorrentes do exterior.
Só nos segmentos 100% elétricos (BEV) e plug-in híbridos (PHEV) são 93 modelos importados de várias partes do mundo.
Ao longo de 2022, a Volvo, BMW e CAOA Chery foram as montadoras que mais se destacaram nas vendas dos veículos elétricos plug-in (BEV e PHEV) no Brasil.
Adalberto Maluf, presidente da ABVE (Associação Brasileira do Veículo Elétrico), atribuiu o aumento atual à oferta maior de modelos BEV e PHEV e também aos postos de recarga. Já são 3 mil eletropostos instalados no Brasil, com a expectativa de chegar a 10 mil até 2025.
“Esse é o setor que mais cresce na ABVE, inclui distribuidoras de energia e startups, a Tupinambá Energia recebeu aporte de R$ 10 milhões da Raízen para desenvolver soluções de recarga elétrica veicular”, acrescenta.
Mas a infraestrutura de recarga é uma séria barreira no mercado brasileiro, principalmente quando se compara com outros mercados. O total nacional é o mesmo de países com extensões territoriais muito menores, como Portugal e Polônia, mostram dados do EV Readiness Index, da LeasePlan - na Holanda são pouco mais de 84,1 mil eletropostos, o mais numeroso da Europa, seguido por quase 64 mil postos na Alemanha.
As montadoras líderes de vendas têm buscado corrigir esse problema. A pioneira foi a BMW, que em 2018 investiu R$ 1 milhão com a EDP Brasil para instalar seis postos de recarga ao longo da Via Dutra e cobrir a distância de 430 km entre o Rio de Janeiro e São Paulo.
Em novembro do ano passado, a Volvo anunciou a abertura de duas estações de recarga no corredor que liga São Paulo a Belo Horizonte. O plano é instalar 13 eletropostos públicos nos próximos meses, que vão abranger 3.250 quilômetros saindo de São Paulo e ligando a cidades como a capital mineira, Curitiba (PR), Rio de Janeiro, Uberlândia (MG), além da Baixada Santista e do Litoral Norte. O investimento é de R$ 10 milhões.
Exterior eletrificado
No exterior, a China exerce domínio absoluto do mercado de veículos eletrificados. Foram 6,5 milhões de unidades vendidas no ano passado, contra 3 milhões na Europa e 2 milhões no EUA. A previsão é de aumento de 35% das vendas chinesas em 2023, o que fará o país asiático ter 7 entre 10 veículos eletrificados emplacados no ano em todo o mundo.
De acordo com projeção de Cassio Pagliarini, chief strategy officer da Bright Consulting, a frota de eletrificados chegará a 3,49 milhões de veículos em 2030, ou 6% do total de carros em circulação no País. Dessa frota, 700 mil veículos serão plugáveis para abastecimento.
Essa é uma corrida que o Brasil saiu bem atrás de outros mercados. Europa, EUA e China terão mais da metade de suas vendas entre eletrificados em 2030.