Nova York - Aconteceu mais uma vez na Big Apple, neste começo de ano, o encontro anual da National Retail Federation (NRF) que, desde 1911, reúne as mais importantes cabeças pensantes (e executoras) do varejo mundial.
O tradicional evento reuniu 38 mil participantes de 99 países, todos atraídos pelo tema ‘Vision 2020’. Ou seja, a visão do que pode ser o varejo neste ano e no futuro.
Trata-se de um tema sensível, recheado de oportunidades e desafios, para um setor que vem sendo altamente impactado pela impressionante evolução tecnológica.
Entre os pontos discutidos na edição 2020 da NRF, esteve a constatação da queda do fluxo nas lojas físicas, visto que as lojas virtuais, o e-commerce, os canais diretos e os marketplaces ganham importância a cada ano.
Os canais digitais influenciam 75% das compras realizadas em lojas físicas. É pela internet que o consumidor se informa e, ao entrar na loja, na maioria das vezes, já sabe o produto e o modelo que pretende levar.
Antes, como informou a montadora alemã Mercedes-Benz, o consumidor chegava a ir sete vezes à loja antes de comprar. Atualmente, este índice caiu para próximo de 1,6.
Além disso, esse “novo” consumidor busca identidade com a marca, que precisa ser inclusiva e socialmente responsável. Ele também espera que a loja proporcione um ambiente físico amigável e aconchegante, com atendimento agradável e que sua experiência seja completada por atrações “extras”, como cafés ou restaurantes.
As discussões na NRF comprovaram que as lojas físicas, apesar das previsões um tanto sombrias de pouco tempo atrás, seguem fortes. “A venda não é o único objetivo de uma loja física, e sim também a construção de uma marca, de branding e engajamento”, ressaltou Martin Urrutia Islas, head global de inovação no varejo da Lego.
Tendências como o pick up (venda pela internet e retirada nas lojas) já são realidade nas operações do varejo. Além de eliminar o custo da logística, o consumidor tem o produto em um curto espaço de tempo, administrando a sua necessidade.
Quando os consumidores vão retirar o produto na loja, mais de 39% acabam adquirindo outro produto
Quando os consumidores vão retirar o produto na loja, mais de 39% acabam adquirindo outro produto. Ou seja, além do objetivo lógico da venda, as lojas físicas passam a ser pontos de distribuição, logística e entretenimento.
Outra tendência que foi muito discutida nos corredores a NRF foi o PeopleConect. Afinal, como lembrou Kevin Plank, CEO da marca de artigos esportivos Under Armour, “o varejo é feito por pessoas. São clientes, vendedores e fornecedores, pessoas se relacionando entre elas.”
Plank salientou que a tecnologia serve para melhorar a vida e não para distanciar as pessoas. Por isso, disse ele, “as marcas tendem a ter um movimento vintage, de conhecer cada vez mais o seu consumidor.”
Ele, inclusive, deu exemplos práticos dos desafios que a marca tem pela frente. “Precisamos entender que quem corre 2km é diferente de quem corre 5k e muito mais, de quem corre 10km. Em outras palavras, toda a tecnologia que o varejo tem hoje à disposição, pode levar nosso setor de volta a décadas passadas, quando conhecíamos os nossos clientes pelo nome.”
Reforçando essa ideia, em conversa com o grupo do Acelera Varejo, o diretor de relacionamento da flagship da Apple, na Quinta Avenida, destacou que os atendentes da marca “têm como principal objetivo transferir o conhecimento da tecnologia e aproximar a empresa do cliente final”.
A cada venda na Apple, todos recebem uma pesquisa de satisfação para entender melhor cada atendimento/venda realizada pela empresa.
A 109ª edição da NRF nos trouxe a certeza de que caminhamos para um novo ponto de inflexão. O modelo omnichannel já é uma realidade em que inteligência artificial, business intelligence (BI), visão computacional, redes colaborativas, novos formatos e desintermediação abrem novas possibilidades a cada dia.
Nessa linha, John Furner, CEO do Walmart nos EUA, falou sobre o papel do varejo como principal empregador do mercado e a necessidade de gerar valor para comunidade e colaboradores.
Satya Nadella, CEO global da Microsoft, discorreu sobre como a computação em nuvem irá integrar todos os processos da cadeia varejista e como os recursos de visão computacional e inteligência artificial irão automatizar processos, empoderar funcionários e facilitar a operação de loja. “É preciso desmistificar a tecnologia, criando soluções simples que partam de dentro da operação para reinventar o modelo de negócio”, disse Nadella.
Entre os desafios desse “novo” varejo, além do uso intenso de dados, da total integração dos canais, surge o voice-commerce, algo que, em virtude de sua praticidade, pode ser tão impactante como foram o web-commerce e o mobile-commerce.
Ou seja, assistentes de voz como Alexa, da Amazon; Siri, da Apple; entre outros poderão se tornar poderosas ferramentas de venda. Afinal, cada vez mais, as pessoas querem aproveitar o tempo, administrá-lo entre trabalho e família.
Mas, ao mesmo tempo, “não adianta pensar em entregar com drone ou investir em uma tecnologia mirabolante, se o básico não está sendo feito”, diz Sucharitta Kodali, da consultoria Forrester Group.
“Não adianta pensar em entregar com drone ou investir em uma tecnologia mirabolante, se o básico não está sendo feito”, diz Sucharitta Kodali, da consultoria Forrester Group
No momento em que as economias mundiais vivem um alto índice de liquidez, juros e inflação em taxas baixas e até negativas, é preciso assegurar que este capital será investido em negócios reais e que o varejo irá receber investimentos na expectativa de retornos cada vez mais amplos.
A questão da liquidez poderá ser um motor para turbinar as vendas e o varejo nos próximos anos. O momento é propício e queremos acreditar que isso irá acontecer.
*Pompeu Belusci e Rafael Parmigiano são cofundadores do Grupo Acelera Varejo, que reúne 2 mil varejistas com um faturamento total de R$ 60 bilhões por ano.
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