Há um mês, mais precisamente em 3 de agosto, a Farmers Business Network (FBN), uma das agtechs mais badaladas dos Estados Unidos, anunciou a captação de US$ 250 milhões junto a investidores. O negócio fez com que o valor de mercado da companhia alcançasse US$ 1,75 bilhão.
Para uma empresa fundada em 2014, que já levantou um total de US$ 517,4 milhões em capital, é um feito e tanto. Ainda mais quando se olha quais foram os investidores que entraram na recente rodada. São nomes como BlackRock, Baron Capital Group, Balyasny Asset Management, Lupa Systems, de James Murdoch, e o investidor Ron Shaich.
E chama também a atenção um nome ainda pouco famoso no meio de venture capital, mas com potencial para fazer barulho. Trata-se da Mandi Ventures, um fundo de venture capital criado por Antonio Moreira Salles, filho de Pedro Moreira Salles, copresidente do conselho de administração do Itaú Unibanco, e por Julio Benetti.
Focada em agtechs e em foodtechs, a Mandi Ventures captou recursos no meio do ano passado e, até então, vinha analisando o mercado. Os fundadores não revelam o tamanho do fundo, mas, quem conhece a operação, diz ao NeoFeed que são algumas dezenas de milhões de dólares.
“Não falamos os números, mas posso te dizer que, em termos de rodadas, somos flexíveis. Podemos entrar em várias rodadas de investimentos”, diz Moreira Salles ao NeoFeed. “Investimos em empresas nas quais realmente acreditamos que entraremos em rodadas subsequentes.”
E eles começaram a abrir a carteira recentemente. O primeiro investimento do fundo foi feito há dois meses e meio. Aportaram capital em uma empresa chamada Gaivota, que trabalha na parte de digitalização relacionada a cadeia do agronegócio, desde empresas de insumos, transportes a dados da fazenda. “É uma empresa brasileira que está atacando um problema global”, diz Moreira Salles.
A segunda investida foi a Farmers Business Network (FBN), um marketplace que traz dados para ajudar o produtor rural, principalmente os pequenos e médios fazendeiros, a tomarem melhores decisões, desde a gestão até a compra de insumos e defensivos agrícolas. “Eles têm muito espaço para crescer nos Estados Unidos, Canadá e Austrália, os mercados onde atuam”, diz Moreira Salles.
Essa startup funciona, de certa forma, como uma rede que conecta produtores. E tem crescido velozmente. Em dezembro de 2017, por exemplo, ela contava com uma base de 5 mil fazendeiros donos de uma área total de 6,4 milhões de hectares. Hoje, são 12 mil fazendeiros que, juntos, possuem 16,1 milhões de hectares.
Ali, no ambiente digital da FBN, eles trocam informações sobre culturas, tipos de sementes, fertilizantes e defensivos agrícolas que funcionam melhor em suas propriedades. “Nos EUA, isso ajuda o pequeno e médio agricultor. A FBN, por exemplo, traz dados mostrando quais sementes proporcionam mais produtividade em determinada região", diz Benetti.
Moreira Salles explica que a Mandi não tem pressa para fazer negócios. “Temos uma tese de capital paciente”, diz ele. E explica. “Ficamos de julho do ano passado a até poucos meses atrás sem fazer investimento e não teve pressão. Os investidores do fundo entendem que um negócio leva tempo para ser construído, é algo de longo prazo”, diz ele.
Para entender como eles funcionam, basta ver que costumam ir, literalmente, à campo para identificar oportunidades. No fim do ano passado, os dois fundadores da Mandi visitaram várias fazendas na Europa para entender as “dores” dos fazendeiros europeus. “Até para saber o que funcionaria para eles quando estivermos pensando em investir lá”, diz Moreira Salles.
A Mandi também conta com quatro venture partners que os ajudam a garimpar boas oportunidades no mercado. Desde o início do fundo, 200 empresas foram analisadas até chegarem nos dois investimentos atuais. “Queremos manter um portfólio menor do que um usual de um fundo de venture capital”, diz Moreira Salles. “Nosso objetivo é ajudar no desenvolvimento das companhias.”
Mas, afinal, como eles escolhem os investimentos? Benetti afirma que o primeiro ponto que a Mandi olha é o time da startup, principalmente o empreendedor. O segundo é a tecnologia usada pela empresa para resolver as dores dos produtores. O terceiro ponto é se essas empresas atacam um mercado grande. “Olhamos dentro e fora da porteira”, afirma Moreira Salles.
A estratégia da empresa é buscar startups que jogam no cenário global. E, aos poucos, as agtechs brasileiras estão entrando nesse jogo. “O mercado nacional começou a mudar no final do governo de Dilma Rousseff”, diz Sérgio Marcus Barbosa, gerente-executivo da ESALQTec Incubadora Tecnológica, ecossistema que reúne centenas de agtechs no Vale do Piracicaba, interior de São Paulo.
Naquela época, o País assistiu a uma dificuldade de jovens recém-formados encontrarem emprego e a saída de executivos de alto escalão de empresas. “Isso começou a estimular o empreendedorismo no setor e a criação de muitas agtechs”, diz Barbosa. Soma-se a isso, o crescimento e a solidez do setor de agronegócio no País e a popularização do termo agricultura digital. “Muitos fundos estão procurando oportunidades por aqui”, diz ele.
De acordo com o mais recente estudo Radar AgTech 2019, elaborado pela Embrapa, SP Ventures e a consultoria Homo Ludens, em 2017 o País contava com 338 startups do campo e, em 2018, já anotava 1,1 mil agtechs. Os investimentos também saltaram. Em 2013, os aportes somavam US$ 30 milhões e, em 2018, US$ 80 milhões. “O Brasil tem força em startups de biotecnologia e bioinsumos”, diz Barbosa.
Apesar de a Mandi ter investido em duas companhias, Moreira Salles já vinha fazendo alguns investimentos em agtechs e foodtechs na pessoa física. Antes de criar o fundo ele aportou dinheiro na Good Catch, uma empresa novaiorquina de plant-based que simula a carne de peixe; na Provivi, que atua na área de insumos biológicos; e na inglesa Tropic Biosciences, de genética para bananas. Agora, diz ele, só fará investimentos por meio da Mandi.
Como alimentar o mundo?
A história da Mandi, batizada com o nome de um rio que passa em uma das fazendas dos Moreira Salles em Minas Gerais, tem como berço um dos principais centros de excelência e local de onde saíram as grandes ideias e os mais famosos unicórnios do mundo: a universidade de Stanford, na Califórnia. Foi ali que a semente para a sua criação foi plantada.
Moreira Salles, formado em administração de empresas no Ibmec do Rio de Janeiro, havia trabalhado no mercado financeiro na Inglaterra, onde atuou no Santander e, em seguida, no Morgan Stanley. Mas, em 2015, quando já estava no Brasil, foi aceito em um MBA em Stanford.
Durante o curso, ele conheceu Julio Benetti, um engenheiro mecânico formado na Unicamp, em Campinas (SP), cuja família também tinha ligações com o agronegócio.
“Naquela época, começamos a ver surgir no Vale do Silício empresas como Impossible Foods e Beyond Meat e serem um grande sucesso”, diz Moreira Salles. “Foi uma época de muita mudança no perfil de consumo. Um ótimo tempo para estar no Vale”, afirma Benetti.
Ele diz que, no período em que estudaram nos EUA, o interesse pelas agtechs e foodtechs cresceu quando começaram a fazer cursos complementares na faculdade de Earth Sciences.
Entre as matérias que estudaram estava o desafio de alimentar 9 bilhões de pessoas no mundo e também a discussão da problemática de produção de alimentos. “A gente percebeu que a maneira de equacionar isso é com novas empresas, empreendedorismo e tecnologia. E essa é a tese da Mandi”, afirma Benetti.
Apesar de alinhados, os dois acabaram seguindo caminhos opostos logo depois de concluírem o MBA. Moreira Salles foi viver na Inglaterra e passou a investir em agtechs e foodtechs na pessoa física.
Benetti, por sua vez, começou a trabalhar em uma startup que estava iniciando suas operações. Trata-se da Samsara, uma empresa focada em automação industrial e IoT. Na época em que trabalhou ali viu a startup saltar de menos de 50 funcionários, em 2016, para mais de 1,5 mil funcionários em 2019. Seu valuation hoje está na casa dos US$ 7 bilhões.
Mas os caminhos de Moreira Salles e de Benetti cruzariam novamente. Em 2018, Moreira Salles foi para a China trabalhar na General Atlantic e, em 2019, voltou para a Inglaterra. Na mesma época, Benetti foi para o país da rainha Elizabeth II para iniciar as operações da Samsara.
Ali, novamente em contato, perceberam que teriam de tomar uma decisão. Benetti deixou a Samsara e, junto com Moreira Salles, passou a se dedicar a buscar capital. Estruturaram o fundo e, dezenas de milhões de dólares depois, estão com fome de aquisições. Mas, é importante frisar, elas precisam ajudar a “matar” a fome do mundo.
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