Nascido, criado e morando na Zona Sul do Rio de Janeiro, no Arpoador e Ipanema, foi natural que esportes de mar fossem meu dia a dia e, na adolescência e até aos 30 anos, o meu predileto era o surf. Pois é, são décadas atrás.

As cinco da manhã, eu estava no Arpoador, antes de ir para o trabalho, e, nos fins de semana, era frequentador habitual das praias da Macumba, Prainha, Saquarema e a ainda selvagem Geribá, em Búzios. Disputei campeonatos amadores. É uma pena que não tínhamos máquinas fotográficas digitais, muito menos smartphones. As poucas fotos da época se perderam.

Mas, além de boas recordações, o surf me deixou lições para o mundo profissional. Vou usar o surf para falarmos aqui das ondas de inovações e como aproveitá-las.

No surf, nos bons dias, tínhamos o swell, a contínua formação de ondas. Imaginem o ambiente de negócios de hoje. A cada dia, ouvimos falar de mais uma tecnologia que parece tão promissora e disruptiva. É um swell. São várias ondas chegando em sucessão.

Devo surfá-las? Quais? O surfista não pega todas as ondas. Ele busca se posicionar, se colocar no “point” e surfar aquela que acredita que será a “sua” onda. Depois, volta remando para se reposicionar e o ciclo se repete. Às vezes, dependendo do swell, leva de 10 minutos a 15 minutos entre uma boa onda e outra. As que não interessam, ele deixa passar.

E quando a onda é boa, mas o swell está muito forte, com ondas grandes? Aquela onda que pode causar uma disrupção no mercado? Pensou em Nazaré, em Portugal? Pois é, está aí uma onda imensa que se compararmos com o ambiente de negócios pode ser uma onda que vai provocar uma verdadeira disrupção no mercado.

Mas, para surfar em Nazaré, o surfista tem que estar muito bem preparado. Não é para qualquer um. Tem de ter habilidade e coragem. Tem de ter uma prancha adequada. Tem de confiar no parceiro, pois você só surfa lá de “tow in”. Afinal, é impossível entrar na remada.

Uma equipe coesa e bem afinada com um único objetivo: surfar a perigosa e imensa onda. Se conseguir, fará parte da elite do surf. Agora que tal olhar uma empresa? Pensou em uma equipe capacitada e preparada? Com ferramental adequado? Com coragem de enfrentar o desafio?

Nem tudo dá certo. Muitas vezes, por falta de planejamento, uma entrada atrasada na onda, uma escorregada na prancha e você “vira vaca”. Dependendo do local, como Teahupoo, no Taiti, é uma experiência de “quase morte”.

São incontáveis as empresas que foram inovadoras, mas se acomodaram ou acreditaram que o que tinham feito era suficiente para lhes garantir o campeonato

Muito bem, você está surfando, pegou algumas boas ondas e acredita que ganhou o dia. Vai para a areia, enterra a prancha e fica olhando o mar. Aí chega uma nova série de ondas fantásticas, muito melhores do que aquelas que você surfou e está se vangloriando. Mas, até pegar a prancha e remar contra a arrebentação, você perdeu tempo e talvez nem consiga mais voltar ao point. O swell não para. A inovação também não.

As empresas que acreditaram que tinham surfado as melhores ondas (e realmente tinham), e foram para a praia para curtir, perderam as outras ondas. Ondas que estragaram seu dia, pois eram muito melhores que as que tinham surfado antes.

São incontáveis as empresas que foram inovadoras, mas se acomodaram ou acreditaram que o que tinham feito era suficiente para lhes garantir o campeonato. Perderam, textualmente, a onda que lhes custou a própria sobrevivência empresarial.

O cenário de negócios está em contínua transformação. A sociedade digital acelera exponencialmente o ciclo de mudanças e a inovação passa a ser questão de sobrevivência.

Muitas empresas encaram a inovação como um departamento com salas coloridas e uns desenhos nas paredes. Falam muito em inovação, mas querem evitar os inevitáveis custos associados à inovação.

Não existem benefícios sem custos associados e quando se fala de inovação, mas não vemos budget adequado, a empresa está apenas falando. Na prática, está sufocando a inovação. Não lhe dá oxigênio e ela morre asfixiada nas planilhas de custos.

Muitas empresas encaram a inovação como um departamento com salas coloridas e uns desenhos nas paredes

As empresas têm a tendência de se aferrar às suas competências centrais, acumuladas por décadas de passado bem-sucedido. Criam uma mentalidade protetora e defensiva e buscam preservar seus ganhos de curto prazo sem investir o suficiente para adquirir novas habilidades e investir no futuro.

O passado de sucesso não é garantia de futuro promissor. O cenário de negócios muda, o comportamento do cliente muda, a competição muda e as tecnologias mudam. Se a empresa não mudar, ela vai perder a onda, pois as novas ondas vão fazer novos surfistas se tornarem campeões e você vai ficar com o título de ex-campeão.

Isso acontece sempre e agora vemos o fenômeno se acelerando. Lembram? A Motorola deixou a onda seguinte para a Nokia e essa deixou a onda seguinte para a Apple.

Se você só inovar dentro de sua zona de conforto e competência, corre sério risco de fracassar no futuro breve. A inovação exige construir continuamente novas competências. Vamos pegar um exemplo? Que tal a Amazon? Ela era empresa de computação quando criou o AWS? Era empresa de hardware quando criou o Kindle?

Nenhum surfista consegue passar o dia surfando sem “virar vaca” várias vezes. Faz parte do negócio do surf errar. Caiu? Sobe na prancha e retorna para pegar a próxima onda. Assim é no cenário de negócios.

Na sua carta aos investidores de 2015, Jeff Bezos escreveu: “Uma área em que penso que temos uma distinção especial é no fracasso. Acredito que somos o melhor lugar do mundo para fracassar (nós temos um monte de práticas), e fracasso e invenção são gêmeos inseparáveis. Para inventar, você tem de experimentar, e se você sabe antes que vai funcionar, não é um experimento.”

A Amazon teve muitas e muitas falhas como o A9 (portal de buscas), o FirePhone, o Webstore e vários outros. Mas dos erros vêm o aprendizado. Não há aprendizado sem falhas. Do fracassado FirePhone, a Amazon conseguiu acelerar o Echo e o Alexa.

Recomendo a leitura do artigo “How Coca-Cola, Netflix, and Amazon Learn from Failure” publicado pela HBR, em 2017, para ver que o fracasso é parte inerente do processo de inovação.

Nesse artigo tem uma frase muito instigante de Reed Hastings, fundador e CEO da Netflix, em 2017: “Nossa proporção de hits é alta demais agora. Nós temos que nos arriscar mais, tentar mais coisas malucas. Nós deveríamos ter um nível mais alto de cancelamento de produções como um todo.” Pois é. Para a imensa maioria dos CEOs, isso é um absurdo inaceitável.

Inovar é difícil, demorado e cheio de incertezas, porque ninguém sabe quanto tempo vai demorar para trazer resultados positivos. É preciso ter paciência e fé para acreditar na ideia. É preciso ter coragem para enfrentar os dissabores.

Inovar é difícil e cheio de incertezas, porque ninguém sabe quanto tempo vai demorar para trazer resultados positivos

A inovação tem de estar no DNA da organização, no seu caldo cultural. Não se faz inovação com departamentos isolados, com posters na parede e “innovation days”, em que o CEO só vai lá no final para premiar a ideia vencedora. E depois nem fala mais nisso.

Inovar é buscar criar coisas novas para os clientes e não ficar apenas olhando a concorrência. Se você se concentrar na concorrência vai ter que esperar que ele faça algo para você copiar. Se você for atrás do cliente, vai fazer primeiro que os concorrentes.

Vimos a sacudidela que as fintechs provocaram nos bancos. Eles estavam acostumados a olharem uns para os outros e serem cópias de cores diferentes. A Tesla provocou um movimento de reação das montadoras.

Inovar é fazer com que a empresa se comprometa com o novo. É fácil saber se estão falando sério ou não quando se aborda o assunto inovação. Pergunte quanto do budget está engajado em projetos inovadores? Quanto do tempo do CEO está na discussão com as equipes que desenvolvem esses projetos? Quantas pessoas em tempo integral estão dedicadas a eles?

Se a inovação é apenas discurso, o budget é mínimo, a participação das pessoas é extracurricular, com alocação de poucas horas por semana e o CEO nem sabe do que está acontecendo. Isso não é DNA de inovação. É apenas conversa.

Provavelmente, a empresa está correndo sério risco de ficar na praia, com sua prancha enterrada na areia, vendo outras surfarem “aquelas” ondas. Vão para o rodapé da história corporativa.

Cezar Taurion é VP de Inovação da CiaTécnica Consulting, e Partner/Head de Digital Transformation da Kick Corporate Ventures. Membro do conselho de inovação de diversas empresas e mentor e investidor em startups de IA. É autor de nove livros que abordam assuntos como Transformação Digital, Inovação, Big Data e Tecnologias Emergentes. Professor convidado da Fundação Dom Cabral, PUC-RJ e PUC-RS.