Aos 20 anos, quando cursava administração pública na Fundação Getúlio Vargas, Antonio Ermírio de Moraes Neto estipulou uma meta pessoal: conquistar o primeiro milhão até os 30 anos de idade. Antes disso, ele já tinha batido esse número. Agora, o jovem empresário, de 34 anos, está mirando em um alvo mais ambicioso: o primeiro bilhão em dez anos.

Engana-se, porém, quem acha que o empreendedor, neto do lendário empresário Antonio Ermírio de Moraes, do grupo Votorantim, esteja falando de dinheiro. Na verdade, as metas estipuladas tratam da quantidade de pessoas que ele pretende impactar com sua empresa: a companhia de benefícios para seguro de visão XP Health.

Fundada em 2020, nos Estados Unidos, ela tem sua sede em Redwood, na Califórnia, e, em pouquíssimo tempo, se tornou uma das mais disruptivas do mundo. Tanto que ontem, terça-feira, 9 de março, ela foi eleita entre as dez startups, com até 50 funcionários, mais inovadoras do mundo pela revista americana Fast Company.

Mas, afinal, o que faz essa empresa que já recebeu aporte seed de US$ 5 milhões de fundos como Valor Capital, Village Global e Semper Virens? A XP Health vende pacotes de benefícios oftalmológicos para empresas oferecerem aos seus funcionários. “Vimos uma oportunidade no mercado para reinventar o seguro de visão nos Estados Unidos”, diz Antonio Ermírio de Moraes Neto ao NeoFeed.

Os seguros que dão acesso a exame ocular e a compra de um par de óculos subsidiado são muito comuns nos Estados Unidos. Estima-se que 140 milhões de pessoas contem com esse produto que, em média, custa US$ 10 mensais para as empresas fornecerem aos seus funcionários.

O que a XP Health desenvolveu foi um serviço totalmente online, com muita inteligência artificial. Mas isso só aconteceu por conta da pandemia. A startup pivotou com três meses de vida. A operação, que era feita presencialmente, teve de ser reinventada e todos os mais de 20 funcionários, entre fixos e terceirizados, foram demitidos.

O modelo de negócio da XP Health é baseado em B2B. A startup customiza uma plataforma white label para empresas oferecerem os serviços aos funcionários. Entre as clientes estão a de videocall Zoom, a de educação Udemy, a biotech Denali Therapeutics, entre outras.

Cada funcionário tem direito a três óculos cobertos por ano com US$ 150 de desconto em cada par de óculos. Detalhe: o mesmo funcionário pode incluir outros cinco membros da família. Isso para óculos de grau, óculos sem grau e óculos de sol.

Um dado curioso é que, hoje, 35% dos usuários compram óculos sem grau para proteger da luz azul das telas de computadores. Na próxima semana, a XP Xealth lança o programa para lentes de contato e o próximo passo é entrar no mercado de consultas e exames médicos.

Por enquanto, a companhia conta com três planos. O primeiro inclui só um funcionário sem a família, três óculos, e a mensalidade sai por US$ 3. O plano de US$ 5 inclui o funcionário e a família, com um total de 18 óculos. O top, que custa, US$ 7,50 por mês garante todos os benefícios do plano intermediário e US$ 180 de desconto por cada par de óculos.

Com inteligência artificial, a plataforma mapeia a face do usuário e diz quais são os melhores óculos

Atualmente, são 10 mil pessoas cobertas. Até o fim do ano, deve chegar a 60 mil pessoas. “Estamos conversando com dez grandes empresas que devem entrar nos próximos três meses”, diz Ermírio de Moraes Neto. Em sete anos, a XP Heatlth pretende estar vendendo os planos para 200 das 500 maiores empresas dos EUA. A companhia teria, então, 25 milhões de pessoas cobertas e um faturamento anual de US$ 1 bilhão.

O empreendedor afirma que, por ser online, já, de cara, reduz os custos em 40% porque não tem uma loja com funcionários. Em segundo lugar, compra diretamente dos fabricantes, eliminando intermediários. E, por último, a companhia tem o próprio laboratório para a produção de lentes. Um óculos Ray-ban, por exemplo, que sairia US$ 250 custa na plataforma US$ 99.

“Não ganhamos dinheiro vendendo óculos. Ganhamos na assinatura, somos uma empresa de benefícios na área de visão”, diz ele. A plataforma conta com um avatar chamado Ava e usa deep learning, a mesma tecnologia adotada nos carros autônomos. “São conjuntos de técnicas de visão computacional e deep learning que treinamos em cima de 35 mil faces”, diz Ermírio de Moraes.

Pelo computador ou pelo smartphone, ele mapeia os olhos, a distância pupilar, mede as distâncias da face e todos os pontos do rosto. Cria uma máscara tridimensional e, ao clicar nas recomendações, o sistema cruza com os modelos de óculos de acordo com as características do rosto do usuário. Depois de encomendado, o par de óculos chega na casa do assinante em até dois dias.

A cara da plataforma para os usuários

“A XP Health é uma empresa única que combina tecnologia de ponta, a inteligência artificial, com uma ótima experiência do cliente para revolucionar a forma como os benefícios da visão funcionam nos Estados Unidos”, diz Michael Nicklas, sócio da Valor Capital, uma das investidoras da startup.

“Como fundo internacional, é especialmente estimulante apoiar um empreendedor brasileiro inovando no mercado americano. Além disso, ele está trazendo sua experiência de investidor e empreendedor de impacto para o mundo competitivo dos benefícios de visão”, diz Nicklas.

O primeiro milhão já foi conquistado

Apesar de ser jovem, Ermírio de Moraes Neto pode se considerar um veterano nos negócios de impacto. Ele foi um dos fundadores da Vox Capital, uma das primeiras gestoras de investimentos de impacto social do Brasil, pioneira nesse mercado.

O que definiu a trajetória do hoje empreendedor foi uma experiência vivida aos 17 anos de idade. “Foi um momento de clareza de propósito e eu percebi que eu queria dedicar a minha vida e carreira para ter algo que impactasse a sociedade”, diz ele. “Não sabia ao certo o que faria, mas queria fazer algo com grande escala.”

A vontade de fazer isso surgiu quando Ermírio de Moraes Neto partiu para um curso de liderança, em Roma, junto com a escola Pueri Domus. Nesse curso, ele decidiu participar de um retiro espiritual. “Foi uma experiência bem bizarra e essa vontade veio no meio de uma meditação profunda”, afirma.

Durante o processo, diz ele, “percebi que a vida é muito curta, passa rápido e que eu tinha de fazer algo que valesse a pena”. E continua. “Algo que eu pudesse olhar para trás e meus filhos e netos vissem o legado deixado por mim.” Aquilo ficou martelando incessantemente em sua cabeça.

Aos 20 anos, já cursando FGV em São Paulo, estipulou a meta de conquistar o primeiro milhão de pessoas impactadas até os 30 anos. “Na FGV, tinha muito da cultura do mercado financeiro de as pessoas conquistarem o primeiro milhão de reais ou de dólares”, afirma. “Mas eu queria o de pessoas impactadas.”

Com alguns colegas de faculdade, foi para a Índia conhecer os fundos de impact investing no país. Tempos depois, já no Brasil, conheceu Daniel Izzo e a americana Kelly Mitchel. Juntos, criaram a Vox Capital, captaram R$ 84 milhões e investiram em empresas de impacto. O caso foi até estudado em Harvard.

A Magnamed, que faz ventiladores pulmonares, e a Tolife, que criou um jeito eficiente para fazer o direcionamento de pacientes para as áreas de emergência, são investimentos do primeiro fundo da Vox Capital

Duas das investidas alcançaram mais de um milhão de pessoas. A Magnamed, que faz ventiladores pulmonares, e a Tolife, que criou um jeito eficiente para fazer o direcionamento de pacientes para as áreas de emergência. Empresas hoje com serviços e produtos fundamentais durante essa pandemia.

Em 2016, com 29 anos de idade, no momento, em que a Vox estava captando para o segundo fundo, Ermírio de Moraes Neto decidiu aplicar para um MBA em Stanford. O plano era fazer o MBA e voltar. “Mas Stanford é uma marretada na cabeça, abre a mente de uma forma muito grande”, diz ele, que ainda fez mestrado em política pública focada em inteligência artificial na saúde.

Depois de seis meses no curso, ele vendeu sua participação na Vox, permaneceu nos EUA e estipulou a meta de impactar 1 bilhão de pessoas. Ali, ele conheceu James Wong, que fazia mestrado de engenharia em machine learning, e que viria a ser seu sócio. “Ele é um gênio. Tocava o time de inteligência artificial para marketing no Airbnb”, diz Antonio.

Wong queria ser cirurgião, mas uma doença de pele chamada eczema, não permitia que ele colocasse luvas cirúrgicas. Por conta disso, ele acabou virando cientista da computação. Wong e Ermírio de Moraes, com o interesse em saúde, inscreveram-se no curso Lean Launchpad, ministrado pelo papa da inovação Steve Blank.

Os dois acabaram unindo forças e criando a XP Health. “Quando eu tinha 20 anos, as pessoas olhavam para mim e diziam: ‘ah, que bonitinho, que legal que você tem uma meta, impacto social, que bacana’. As pessoas achavam que eu ia trabalhar com Ong. No começo, era difícil explicar que business tem impacto relevante”, diz Ermírio de Moraes Neto.

Ele era, de certa forma, visto como inocente por pensar dessa forma. Hoje, num momento em que dez entre dez empresas querem se posicionar no universo ESG, Ermírio de Moraes Neto é visto de outra maneira. E é melhor não duvidar da meta dele. “Como diz o Jorge Paulo Lemann, sonhar pequeno e sonhar grande dá o mesmo trabalho.”