As definições de "secretária eletrônica" foram atualizadas com sucesso: mais do que armazenar e responder mensagens, as máquinas podem agora escrever músicas, poesias, histórias, artigos, simplificar contratos e até criar imagens a partir de palavras-chaves.

A tecnologia que dá essa "superinteligência" aos computadores é o GPT-3, a terceira geração do Generative Pretrained Transformer, uma interface de programação de aplicativo (API, na sigla em inglês) desenvolvida pela startup californiana OpenAI, fundada em 2015 por Elon Musk.

"O GPT-3 pode ser o avanço mais grandioso desde o Bitcoin", disse o cientista de computação Manuel Araoz ao NeoFeed. "Prevejo que esse algoritmo vai despertar uma espécie de 'corrida criativa' entre talentos que estejam dispostos a moldar e adaptar a ferramenta para os mais variados fins, de publicidade à propaganda política, passando pelo jornalismo."

Tanta expectativa é justificada. O GPT-3 analisa uma sequência de palavras de um texto ou outro tipo de dado fornecido pelo usuário e, a partir desse material "bruto", cria um conteúdo original, em texto ou imagem.

Disponível para testes mediante aprovação, a ferramenta pode ser vista em ação em diversos vídeos e screenshots disponíveis na web. Em um deles, o programador Ben Lindsay usou o algoritmo para "abastecer" um divertido "gerador de videoclipes" e deu à máquina o seguinte comando: "clipe no estilo dos anos 1980 liderado por um homem branco magricelo e com um orçamento de US$ 28 para a coreografia."

O resultado foi o clipe abaixo, de Ricky Astley cantando sua música "Never Gonna Give You Up". Apesar da brincadeira, o GPT-3 é coisa séria. Ele é considerado o modelo mais treinado da atualidade, com 175 bilhões de parâmetros de aprendizado que os permite desempenhar virtualmente qualquer tarefa que lhe seja designada. Para fins comparativos o segundo mais potente modelo de linguagem é o algoritmo Turing-NGL, desenvolvido pela Microsoft, que tem "apenas" 17 bilhões de parâmetros.

https://www.youtube.com/watch?v=dQw4w9WgXcQ

 

Tamanha diferença é facilmente sentida e testada. Na internet, alguns usuários estão compartilhando seus testes pessoais do GPT-3. Há quem tenha explorado a ferramenta para finalizar narrativas românticas, outros que utilizaram o recurso para responder e-mails formais e até para a redação de notícias.

Para chegar a esse nível de poder se comunicar exatamente como um ser humano, o software aprendeu com seus criadores. Vasculhando a internet, o algoritmo leu conteúdo das mais variadas fontes e naturezas, até reconhecer uma espécie de padrão, observando quais letras e palavras tendem a formar uma sequência. 

Updated, mas ainda tem o que evoluir

O GPT-3 é a evolução do GPT-2, lançado em fevereiro de 2019. Treinado em 40 GB de textos, o software antecessor já mostrava resultados bastante satisfatórios, "escrevendo" textos convincentes e coerentes. 

Mas como todos os algoritmos que aprendem a "reproduzir" a linguagem e o pensamento recorrente da internet, o GPT-2 também apresentava os mesmos preconceitos, vieses e "vícios" da web. Isso fez com que a OpenAI optasse por não lançasse a ferramenta ao público, temendo que alguns usuários o utilizassem para criar fake news e spams.

Embora a nova versão do software seja mais sofisticada, alguns desenvolvedores afirmam que o GPT-3 é inclinado a criar conteúdo racista e machista. Ciente desse grave desafio, a OpenAI afirma que está trabalhando para solucionar essa questão e que o GPT-3 é apenas um primeiro passo.

"Há muita comoção por conta dessa ferramenta", escreveu Sam Altman, CEO da companhia, em seu Twitter. "O algoritmo é impressionante (obrigado pelos elogios!), mas ele ainda tem sérias fraquezas e às vezes comete erros bobos. A inteligência artificial vai mudar o mundo, mas o GPT-3 é só um vislumbre disso. Ainda há muito o que descobrir." 

Homens x máquina

Os softwares de comunicação devem modificar e até extinguir certas posições de trabalho, mas é pouco provável que os algoritmos substituam os humanos em todas as ocasiões.

Uma delas é o jornalismo: embora a ferramenta consiga redigir um artigo inteiro, coerente e gramaticalmente correto, a partir de um único título, ele não consegue apurar os fatos. A missão de ligar para as fontes e conversar com especialistas são coisas que a máquina não faz – pelo menos ainda.

Para a psicóloga Angela Costelo, isso provavelmente nunca acontecerá. Para ela, embora aprenda com os humanos, os algoritmos encontram um padrão e usam apenas da lógica para escolher as palavras e suas sequências. Mas uma pessoa, em sua visão, não opera e nem comunica apenas dessa maneira.

"Ainda que esteja convencida de que as máquinas consigam reproduzir o que se entende de sentimentos, acho pouco provável que elas entendam as emoções a ponto de criarem algo original a partir disso", afirmou Costelo ao NeoFeed.

Mudar o mundo, mas lucrando com isso

Com a missão de garantir que a inteligência artificial seja benéfica para todos, a OpenAI nasceu como uma iniciativa sem fins lucrativos. A startup foi criada em 2015, por um grupo de empresários e empreendedores, entre eles Elon Musk, que se comprometeram a injetar US$ 1 bilhão no projeto.

O CEO da Tesla desembarcou do conselho da OpenAI em 2018, mas ainda é um dos doadores e consultores da empresa, que passou a ter fins lucrativos em 2019.

Desde que opera como uma corporação "convencional", a OpenAI levantou mais US$ 1 bilhão com o fundo da Microsoft, dinheiro que será usado para financiar as pesquisas. 

Com alguns refinamentos, o GPT-3 deve se tornar o primeiro produto comercializado pela empresa e, segundo a CNBC, a rede social Reddit seria o primeiro cliente.

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