Os drones, não há dúvida, podem melhorar nossas vidas de várias maneiras. Eles podem, por exemplo, entregar suprimentos essenciais para comunidades remotas ou isoladas, monitorar safras e gado e transportar órgãos doados por cima dos trânsitos geralmente congestionados das cidades.
Esses “pequenos aviões” podem ainda dar assistência em operações de busca e resgate, monitorar redes ferroviárias, elétricas e instalações offshore e auxiliar técnicos e engenheiros a inspecionar edifícios sem a necessidade da instalação de andaimes.
Os drones podem até colocar em operação redes Wi-Fi de emergência como auxílio de uma resposta a desastres. Todas essas aplicações da tecnologia são boas ideias que passam em um teste preliminar de bom senso.
Mas, o que vemos nas reportagens e palestras, é o uso dos drones para entregas urbanas da última milha, fazendo entrega direta de produtos como pizzas, sanduíches, frangos assados, compras típicas de supermercados ou medicamentos sem receita.
Há muitas startups e big techs envolvidas, como a Amazon, que propôs o conceito em 2013, e a Alphabet, com a Wing, que está testando o projeto na Austrália. Redes de supermercados como Walmart e empresas de logística como UPS também fazem experimentos.
Alguns investidores apontam que será um mercado bilionário, como na análise da Fortune Business Insights que indica que em 2028 será um mercado de mais de US$ 30 bilhões. Mas será mesmo que isso vai acontecer ou teremos uma reprise do modismo dos scooters ou patinetes, que começaram com grande estardalhaço e depois saíram de cena?
O entusiasmo vai na esteira da esperada facilidade de entrega, uma vez que a pandemia já acostumou a todos com entregas em domicílio. Mas, sou cético a essa ideia, aparentemente fantástica. Para mim, é uma ideia é impraticável.
O primeiro motivo é uma conta simples de aritmética. Vamos exemplificar com o mercado americano. Se pegarmos três das muitas empresas que testam drones, como Amazon Prime, FedEx e UPS, veremos que elas entregam 10 bilhões de pacotes por ano só nos Estados Unidos.
Se, hipoteticamente, apenas 10% deles fossem entregues por drones, haveria um bilhão de voos de drones por ano no espaço aéreo lotado acima das cidades da América. Isso porque a maioria desses drones é projetado para transportar cargas únicas, ponto a ponto. Seriam então 2,7 milhões de voos todos os dias.
Vamos baixar mais ainda o número de entregas. Imaginemos que apenas 1% dos pacotes seriam entregues por drones. Isso ainda significaria 270 mil voos por dia sobre cidades dos EUA, apenas por essas três empresas. Mesmo essa pequena porcentagem de todas as entregas representaria um aumento colossal no tráfego aéreo.
Antes da pandemia, havia menos de 6 mil voos de aviões de passageiros por dia nos Estados Unidos e 100 mil em todo o mundo. Em outras palavras, se apenas 1% dos pacotes entregues por apenas três empresas nos EUA chegassem por drones, haveria quase três vezes mais drones voando diariamente sobre as cidades americanas do que há aviões de passageiros voando em todo o mundo.
Esse 1% implicaria que os outros 99% continuariam sendo entregues como antes. Uma mudança tão pequena que, na prática, nada mudaria na logística, a não ser vermos drones sobrevoando nossas cabeças.
Lembre-se: não estamos falando de pequenos drones amadores, mas de aeronaves pilotadas remotamente ou autônomas, a maioria com cargas úteis de até 2,5 quilos, que constituem até 90% das entregas de e-commerce, segundo dados da Amazon Prime.
Uma VAN elétrica, com motorista ou autônoma, pode transportar dezenas de pacotes de porta em porta em uma única viagem pela cidade. Em comparação, a maioria dos drones movidos a bateria entregaria sua única carga útil em uma viagem antes de retornar à base e recarregar. O consumo de bateria seria grande e o drone precisaria ser recarregado diversas vezes para continuar operacional.
Para que um modelo de entrega de drone para última milha seja viável, seria necessário construir depósitos ou hubs contendo os produtos mais comuns encomendados pelos consumidores.
A entrega aérea autônoma também pode demandar a construção de uma nova infraestrutura de apoio como plataformas de pouso perto de casas e escritórios. A entrega direta na varanda ou no jardim, como vemos nos filmes, limitaria em muito as entregas.
Por outro lado, se o cliente tiver que sair de casa e se deslocar ao ponto de pouso, é menos funcional que esperar na sua porta o delivery tradicional pelo motoboy. Principalmente em dias de chuva.
Existe também o incômodo do barulho de milhares de drones com rotores expostos voando sobre as cabeças das pessoas, janelas e jardins, escolas, escritórios e ruas, de manhã à noite. Isso, com certeza vai provocar uma nova forma de poluição ambiental.
Temos o risco de acidentes, pois uma pane em um drone carregando uns 2 quilos caindo em cima de pessoas ou carros pode provocar danos muito sérios. Vandalismo é outra possibilidade. E tentar derrubar um drone pode ser um novo esporte.
As seguradoras provavelmente cobrarão um prêmio tão elevado que talvez não justifique o custo da entrega. Além disso, o drone pode se chocar com outros drones, pássaros, prédios e fios de eletricidade.
Temos poucos estudos sobre impactos dos drones nos diversos aspectos da vida urbana. Por exemplo, quase não temos estudos que analisem os efeitos ecológicos de drones voando sobre bairros, ou mesmo o efeito na vida animal, embora alguns vídeos já tenham mostrado que os animais não gostam dos drones zumbindo em volta deles.
Um relatório da Agência Europeia do Meio Ambiente sobre drones e sustentabilidade apontou uma crescente tensão entre drones e animais, especialmente pássaros. Os pássaros foram considerados mais sensíveis aos distúrbios relacionados à presença de drones.
Para serem úteis e viáveis economicamente, os drones precisarão voar com segurança em todos os climas, incluindo nevoeiro, vento e chuva. E existe a questão da regulação. Temos as primeiras regulações saindo do forno, mas que provavelmente serão modificadas à medida que o número de voos e acidentes aumentem.
Nem todos os drones serão autônomos. Muitos precisarão de monitoramento. Temos os custos desses controladores ou pilotos. Um piloto por drone para entregar um único pacote de baixo valor é inviável economicamente. Muito mais provável é um único piloto supervisionando uma frota de drones autônomos ou semiautônomos, trabalhando por longos turnos pelo menor salário aceitável.
Não parece com os entregadores de motos de hoje? Mas, para controlar diversos drones, será necessária uma certificação específica. Qual será o custo desta certificação? Quem estará autorizado a emitir e quem fiscalizará se o controlador está habilitado?
A ideia pode ser sensacional até que o primeiro drone cause um acidente fatal. Isso geraria tanto estardalhaço na mídia que mataria o mercado da noite para o dia. Da perspectiva de negócios, e sem falar na ética de se colocar em operação algo desse tipo, é um enorme risco.
Creio que devemos deixar de lado o hype e considerar a realidade do conceito de entrega de drones para última milha. Essa realidade é ignorada nas palestras e pitches de startups de drones. Nem tudo que parece ser uma ideia fantástica e disruptiva resiste ao teste da realidade.
Lembram-se dos patinetes? Chegaram com estardalhaço. A onda começou nos EUA no início de 2017, chegou logo após à Europa e algum tempo depois desembarcou no Brasil. Da noite para o dia, milhares de patinetes elétricos apareceram pelas ruas.
Muita gente, empolgada com a novidade, aderiu por diversão ou como uma alternativa moderna de transporte. Coisa "de primeiro mundo". Era o futuro. Mas logo apareceram os primeiros problemas. Os patinetes ficavam amontoados nas calçadas. Foram roubados e depredados.
O zigue-zague no meio ao trânsito provocou acidentes. Houve até gente morrendo. O poder público correu atrás para arrumar a bagunça, fez apreensões, apreensões, proibições e criou regras. Parecia que ia melhorar.
Mas, em questão de meses, a Lime e a Grow, as duas principais empresas que ofereciam esse tipo de serviço em cidades brasileiras, anunciaram que estavam indo embora do país ou reduzindo drasticamente suas operações. Assim como surgiram, os patinetes praticamente desapareceram na maioria das cidades. O que houve?
As principais razões para a crise foram a maior regulação, o aumento da concorrência, o custo da eletricidade, a diminuição das margens de lucro e necessidade constante de atualização dos patinetes e bicicletas.
Os patinetes usados eram modelos originalmente projetados para uso individual e que não foram pensados para resistir a dezenas ou mesmo centenas de viagens todos os dias. Por isso, eles precisavam ser consertados ou substituídos em questão de semanas.
Além, disso, não eram baratos para o usuário. Custavam R$ 3 para serem desbloqueados e, depois, mais R$ 0,50 por cada minuto de uso. Seu uso ficou restrito a apenas uma pequena parcela da população. Soma-se a isso os altos custos para manter os patinetes em circulação.
As empresas precisavam ter equipes para recarregar baterias e colocá-los de volta nas ruas. E também para coletá-los e redistribuí-los pela cidade e garantir que estejam disponíveis onde as pessoas mais precisam, o que é fundamental para aderirem ao serviço. Além disso, os impostos aplicados no Brasil sobre os patinetes, importados em sua grande maioria da China, chegam a duplicar seu custo.
Na prática, o modelo de patinetes e bicicletas espalhados pela cidade, apesar da febre dos últimos anos, ainda não se provou financeiramente viável. Vive do dinheiro dos aportes dos investidores. Esse desafio de ser um negócio viável não foi apenas no Brasil.
As startups de patinete no mundo inteiro sofreram com a realidade e tiveram que diminuir drasticamente suas operações. O lado operacional se provou um desafio para todas essas empresas. As regulações, sempre atrasadas, começaram a restringir suas operações. Todas elas ainda estão registrando prejuízo ao redor do mundo e perdendo milhões de dólares por ano. Agora, estão mais focadas em gerar lucratividade do que em crescimento e se mantendo apenas nas cidades mais rentáveis.
Portanto, uma ideia é excelente quando ainda é apenas uma ideia e temos somente protótipos e poucos casos de operação no mundo real. Com os drones para entregas urbanas é exatamente essa a situação. Várias startups fazendo experiências, otimismo desenfreado e aportes bilionários de investidores com alta expectativas na próxima disrupção.
Drones são uma tecnologia empolgante com inúmeras aplicações interessantes, úteis e economicamente viáveis, mas entregas urbanas para última milha não me parece ser uma delas. Pode ser por isso que a DHL e a Amazon estão desistindo do negócio. Podem ter percebido que a ideia é um tanto insana.