As transformações no cenário de negócios já são um fato. À medida que a tecnologia digital se difunde por todos os aspectos da economia, e novos modelos de negócios são criados, isso faz com que toda a sociedade e consequentemente todas as indústrias estejam diante de oportunidades e ameaças.

Esta transformação está acontecendo em ritmo acelerado. As ameaças são eventualmente empresas ou setores de indústria simplesmente desaparecerem ou perderem relevância. Diante das mudanças que estão acontecendo, as empresas tradicionais, consolidadas em seus modelos de negócio construídos antes da revolução digital, buscam se defender lutando e apelando para a regulação, contra os novos entrantes, que criam ondas de choque no seu mercado, no mínimo as obrigando a sair da sua zona de conforto.

Estes entrantes, sejam startups ou empresas de outros setores, trazem, muitas vezes, soluções inovadoras, que tornam obsoletos muitos dos negócios que sustentam as empresas atuais. Uma inovação disruptiva parte do princípio básico de questionar o “status quo”.

É um tema que desperta atenção e foi a maioria das citações em uma pesquisa informal que recentemente fiz na lista de livros de negócios mais vendidos na Amazon. Não estamos aqui associando inovação apenas à P&D, mas abordando a inovação que possibilita às empresas fazerem as coisas de modo diferente, criando novos produtos, serviços e até mesmo, novos modelos de negócio.

Um exemplo prático das mudanças é a digitalização da economia e da sociedade, que é a substituição dos produtos analógicos por produtos digitais. Quando entra em cena o produto digital, ele passa a atuar sob a “Lei de Moore”, ou seja, cresce e se expande de forma acelerada.

O exemplo clássico é a substituição dos filmes químicos pelos digitais, e posteriormente a invenção do iPhone, que tirou a Kodak e a Polaroid do mercado em poucos anos. A digitalização nos leva a desmaterialização. Saem de cena os rolos físicos de filme e os CDs de música. Saem de cena as câmeras de vídeo, gravadores, relógios digitais, câmeras fotográficas, aparelhos de GPS, DVDs, tocadores de música, consoles de vídeo game e enciclopédias, e entra o smartphone.

A desmaterialização nos remete à desmonetização. Se pegarmos o preço quando do lançamento desses produtos (como o GPS, lançado pela Navtsar, em 1982, ao preço de 250 mil dólares, nos EUA; câmera de 5 Mpixel da Canon, em 1986, ao preço de 6 mil dólares, também no mercado americano) chegamos facilmente a mais de 900 mil dólares. Tudo isso está agora em um smartphone de pouco mais de mil dólares.

A desmonetização nos leva a democratização e à disseminação rápida pelo mercado. Basta comparar o número de fotografias tiradas hoje pelos bilhões de usuários de smartphones (estima-se que cerca de 10 trilhões de fotos digitais sejam tiradas todo ano, e este número é crescente) com o número reduzido de fotos que eram tiradas pelas câmeras com rolo.

Hoje você tira dezenas de fotos de um mesmo local, seleciona as que gosta, edita e compartilha em redes sociais. Como o produto digital é desmaterializado e desmonetizado, leva a democratização de seu uso de forma explosiva. Resultado, empresas como a Kodak que em 1976 controlava 85% do mercado de filmes e câmeras de rolo, e que em 1996 valia 28 bilhões de dólares e tinha 140.000 funcionários, foi à falência em 2012.

A fotografia digital por si não “matou” a Kodak diretamente. Aliás, ela ainda existe, atuando fora desse segmento, com um valor de mercado de menos de 400 milhões de dólares. Foi o fato de a digitalização ter custo marginal quase zero de cópia que levou as pessoas a tirarem mais fotos e permitiu o surgimento de plataformas de compartilhamento como Facebook e Instagram. Sem fotos digitais eles não teriam tido o crescimento exponencial que tiveram. O Facebook e a Apple não competiam diretamente com a Kodak, e provavelmente nem pensavam nela, mas seu crescimento a “matou”.

Tenho levado o tema a vários debates e reuniões com C-levels e observei que, embora seja um assunto recorrente, muito tem sido falado, mas realmente, ainda pouco tem sido feito

Tenho levado o tema a vários debates e reuniões com C-levels e observei que, embora seja um assunto recorrente, muito tem sido falado, mas realmente, ainda pouco tem sido feito. As empresas e obviamente a área de TI vêm constantemente concentrando seus esforços em aperfeiçoar e tornar mais eficientes seus processos e modelos de negócios consolidados e muito dificilmente questionam o seu “status quo”. As vezes imagino se a motivação de um negócio hoje não seja apenas sustentar o problema ao qual ele é a solução.

O setor de TI, por exemplo, em muitas empresas, pelo seu viés operacional, se tornou uma máquina muito eficiente em garantir consistência, aderência a regras de compliance e disponibilidade. Por outro lado, mostra-se arredia às experimentações.

Quando o faz, é um setor isolado, muitas vezes chamado pomposamente de “lab de inovação”, mas com protótipos que apenas servem para gerar notícia de mídia e pouco agregam ao resultado do negócio. Seu pensamento fundamental ainda é que os sistemas têm que dar certo e funcionar exatamente como planejado. Falhar não está em sua cartilha, e, portanto, conceitos como “fail fast, learn fast” lhe são estranhos.

Por outro lado, vivemos uma era de transformações e torna-se cada vez mais nítido a ligação direta entre inovação, crescimento e sobrevivência dos negócios.  Foi emblemática a conversa recente que tive com um executivo de uma área que se denominava “IT & Innovation”.

Ao saber que o projeto que eu propunha não tinha sido feito antes em nenhuma outra empresa, e que ele seria o primeiro, e por isso, teria a vantagem de ser o transformador, recuou. Não é culpa dele, claro, mas ele demonstrou ali a cultura da organização ao qual ele pertence, onde a tolerância à inovação e consequentemente à riscos é muito baixa.

Inovação, na empresa dele, era basicamente incremental, ou seja, tornar o que é feito atualmente, sejam serviços e produtos, mais eficientes. Sem questionamentos se isso seria garantia de sucesso no futuro. Os pontos fortes de uma empresa na análise SWOT, podem ser transformar em seus pontos fracos em pouco tempo. O futuro, para esta organização (e para muitas outras) é plenamente linear e, portanto, controlável. É enganoso pensar assim.

As inovações estarão cada vez mais sendo impulsionadas pelas tecnologias digitais e em consequência o CIO está no epicentro do vértice destas mudanças. Muitas vezes novas tecnologias, algumas promissoras, que potencialmente podem provocar transformações significativas em diversos setores de negócio, não são consideradas nem mesmo para experimentações.

Em muitas empresas e em suas áreas de TI elas são vistas ainda como curiosidades tecnológicas, ainda distantes de sua realidade. “Ah, isto está distante de nossa realidade”, é uma frase bem comum, mas que embute um erro: a empresa não está em outro planeta. Provavelmente, se fosse dita no início do século passado, diante do surgimento de uma nova e revolucionária tecnologia, a eletricidade, ela não estaria operando hoje.

O fato é que os clientes estão cada vez mais digitais e empoderados, demandando inovações contínuas, e melhores e mais flexíveis serviços e acessos à empresa. Ninguém fica mais na chuva esperando um táxi. Chamam o Uber.

A pandemia acelerou o processo. Trouxe o futuro para o presente. O que imaginávamos levar uns cinco anos para acontecer, aconteceu em semanas. As que não entenderem estes sinais correm risco de perda de relevância e até mesmo, sobrevivência. Modelos de negócios consolidados nas últimas décadas não são garantias de sucesso para os próximos anos.

Mas a inovação não sobrevive no vácuo. Além de cartazes na parede incentivando a inovação, devem existir estratégias e ações que façam acontecer as boas ideias que surgem dentro e fora das empresas. Inovação também não é algo pontual, tipo “Innovation Day”, mas processos contínuos que devem se entranhar no DNA da empresa. Inovação não é uma estratégia por si mesmo, mas um meio para se manter competitivo.

Os CIOs de grandes empresas dizem enfaticamente que inovação é crucial, mas quando perguntados se há budget reservado para inovar, a imensa maioria diz que não

Um sinal que se fala muito em inovação, mas faz-se pouco, é a análise de uma pesquisa que ajudei a elaborar e analisar. Nela os CIOs de grandes empresas dizem enfaticamente que inovação é crucial, mas quando perguntados se havia budget reservado para inovar, a imensa maioria disse que não. Ou quando existia, era uma ínfima porção dos gastos do setor. Inovação sem investimento não é inovação, mas mágica.

Olhar para outros setores de indústria é salutar pois é provável que muitas práticas inovadoras surjam primeiro em outros negócios. Se você olhar apenas para seus competidores, talvez todos tropecem juntos. Repense a sua competição. A visão executiva deve ser: “se uma transformação nos negócios for inevitável, é melhor que nós a façamos e não outros a façam em cima de nós”.

Os novos modelos de negócio proporcionados pela economia digital exigem um pacto entre TI e negócios. Não dá mais para a TI avançar em ritmo lento neste processo. Não pode ser conduzida, mas deve conduzir. É necessário que um sentimento de urgência prevaleça não só na TI como na alta gestão. Torna-se crítico entender que a era digital tem o potencial de provocar rompimento dos modelos atuais.

Nas conversas com CIOs e outros C-levels fica claro o desafio que eles enfrentam. Muitas empresas são reativas às inovações e em muitas organizações de grande porte, os processos e sistemas legados, e os silos organizacionais atuam como âncoras que os impedem de se moverem com agilidade. Devem cortar estas âncoras.

O mercado não vai perdoar uma empresa lerda, por causa de seu tamanho. Infelizmente, para muitas empresas, a competição nos próximos anos vai ser cada vez menos o “grande derrotando o pequeno” e sim “o mais rápido e adaptável derrotando o mais lento e fossilizado”.

A transformação dos negócios pela digitalização abre perspectivas de mudanças em todos os setores. Risco e oportunidade. Risco se ficar preso aos modelos atuais. Eles poderão desaparecer. Oportunidade, se imaginar o inimaginável e começar a desenhar e implementar uma estratégia digital hoje mesmo. Como escreveu Richard Bach, autor de “Fernão Capelo Gaivota”, “O que a lagarta chama de fim do mundo, o homem chama de borboleta”. Que as empresas sejam borboletas!

Cezar Taurion é VP de Inovação da CiaTécnica Consulting, e Partner/Head de Digital Transformation da Kick Corporate Ventures. Membro do conselho de inovação de diversas empresas e mentor e investidor em startups de IA. É autor de nove livros que abordam assuntos como Transformação Digital, Inovação, Big Data e Tecnologias Emergentes. Professor convidado da Fundação Dom Cabral, PUC-RJ e PUC-RS.