O reaquecimento da tensão entre Estados Unidos e China derrubou mercados em todo o mundo no início desta semana. Longe das oscilações das bolsas de valores, das moedas e das commodities, uma outra disputa nesse campo minado segue distante de um cessar-fogo.
Trata-se da ofensiva do governo americano contra a gigante chinesa Huawei, maior fabricante global de equipamentos de redes de telecomunicações e segunda maior fornecedora de smartphones do mundo, atrás apenas da coreana Samsung.
Mais do que questões puramente comerciais, a batalha passa pelo domínio mundial da tecnologia 5G, base das conexões no futuro. Os Estados Unidos estão em uma verdadeira cruzada contra a tecnologia chinesa ao redor do mundo.
E o mercado brasileiro é um exemplo bem recente desse cenário. Em entrevista ao jornal Valor Econômico, concedida na semana passada, Wilbur Ross, secretário do comércio dos EUA, revelou que o governo americano compartilhou “informações reservadas” com pessoas relevantes no Brasil a respeito das vulnerabilidades das redes 5G e de suas implicações para a segurança dos países.
Sem citar o nome da Huawei, Ross mencionou ainda uma suposta lei chinesa que obriga as companhias locais a cooperarem, sob sigilo, com os serviços militares e de inteligência.
O embaixador da China, no Brasil, Yang Wanming, respondeu as declarações de Ross, em nota enviada à imprensa. “Tais palavras são totalmente desfundamentadas e inventadas. Com intenções escondidas, esses comentários visam lançar calúnias sobre os produtos chineses, alegando risco de segurança, e atrapalhar a cooperação econômica comercial normal entre a China e os demais países do mundo.”
As palavras de Ross, no entanto, reforçaram a tese de que o que está em jogo é o domínio do 5G. Com o plano de leiloar frequências dessa tecnologia no primeiro semestre de 2020 e dono de uma base significativa de conexões móveis, o Brasil tem tudo para estar no radar dos investimentos da Huawei e de outras fabricantes de equipamentos, assim como outros países emergentes.
Especialmente em um cenário no qual mercados como Austrália, Canadá e Reino Unido bloquearam a participação da companhia em seus projetos de novas redes de telecomunicações. O movimento veio na sequência das barreiras impostas à empresa chinesa em solo americano.
Longa disputa
A relação conflituosa dos Estados Unidos com a Huawei não é nova. Elas tiveram um primeiro capítulo em 2012, ainda durante o mandato de democrata Barack Obama. A companhia e sua compatriota ZTE foram acusadas de criar e usar brechas em seus equipamentos de rede para espionar governos e empresas de outros países, em uma associação com o governo chinês. Nenhuma prova foi apresentada e o caso perdeu força.
A questão voltou à tona quando Donald Trump assumiu a Casa Branca, em 2016. Desde então, não foram poucos os episódios que marcaram esse embate. No fim de 2018, por exemplo, Wanzhou Meng, diretora financeira e filha do fundador da Huawei, foi detida no Canadá, sob a alegação de ter violado sanções impostas pelos EUA ao Irã.
Em maio deste ano, o governo de Trump colocou a empresa chinesa em sua lista negra do comércio, proibindo grupos americanos de venderem componentes e software à fabricante asiática. Um dos principais reflexos foi a decisão do Google em suspender qualquer atualização de seu sistema operacional Android para os smartphones da chinesa.
Há cerca de duas semanas, Trump ensaiou um tom mais ameno ao sinalizar que iria reduzir as restrições à companhia. Até o momento, no entanto, o discurso não foi colocado em prática. Ao contrário. A perspectiva é de mais tiroteio pela frente.
Esse contexto já está colocando as operações da Huawei à prova. E não apenas nos negócios de redes 5G. Mas, com maior urgência, no segmento de smartphones. Segundo a agência estatal chinesa de notícias, a Huawei planeja lançar até o fim de 2019 um novo aparelho com um sistema operacional desenvolvido dentro de casa, o HongMeng. O software seria uma alternativa ao bloqueio imposto pelo Google.
Em um primeiro momento, as disputas parecem não ter impactado as vendas da Huawei na categoria. Entre abril e junho, a empresa manteve a segunda colocação no ranking global de smartphones, com um crescimento de 8% comparado a igual período, um ano antes.
Segundo a consultoria Canalys, boa parte desse desempenho foi relacionado ao volume registrado em seu mercado doméstico. Impulsionada por um “clamor patriótico” e por um sentimento de cruzada contra os EUA, a marca comercializou 33,7 milhões de aparelhos e alcançou uma participação de 38,2% na China.
Os números camuflaram, no entanto, uma queda de 17% nos demais mercados. E colocaram um grande ponto de interrogação quanto à capacidade de a empresa encontrar novos caminhos fora da Grande Muralha, enquanto resiste aos ataques de Trump e companhia.
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