Desde que Marcos Molina transformou a Marfrig na controladora da BRF em maio do ano passado, o mercado especulava a respeito do futuro do comando da dona da Sadia e Perdigão, ocupada há três anos por Lourival Luz.
A resposta chegou na manhã desta terça-feira, 30 de agosto, com o anúncio de que Miguel Gularte assumirá o comando da BRF a partir de hoje. O executivo, que comanda a Marfrig desde março de 2020, será substituído no frigorífico por Rui Mendonça, até então diretor de industrializados para a América do Sul.
Gularte chega para assumir uma empresa que muitos investidores e analistas entendem não ter alcançado seu devido potencial. Mesmo sendo uma das maiores produtoras de alimentos do mundo, com valor de mercado de R$ 18,1 bilhões, a disputa entre acionistas prejudicou o estabelecimento e cumprimento de planos estratégicos.
O principal desafio de Gularte será justamente reestruturar e dar rumo à empresa, tornando-a mais ágil, além de recuperar a confiança do mercado em relação à tese de investimento da companhia, segundo Leonardo Alencar, chefe da área de análise para agro, alimentos e bebidas da XP Investimentos.
Ele destaca que a BRF está passando pelo quinto plano de turnaround desde que a fusão entre Sadia e Perdigão foi concluída, em 2013, mas ainda não conseguiu de fato se tornar uma companhia unificada, prejudicando o estabelecimento de uma estratégia de longo prazo crível.
“Quem é a BRF? Até agora parece ser apenas a junção de Sadia e Perdigão, não parece que virou a BRF de fato, naquela empresa vislumbrada”, afirma Alencar ao NeoFeed. “Gularte vai ter que ser transparente e trazer uma nova visão para a BRF, alinhada com as oportunidades estratégicas que estão postas.”
No sentido da agilidade, Gularte deve dar sequência às medidas de ganho de eficiência sendo tomadas desde o começo do ano. Quando Molina assumiu como presidente do conselho de administração da BRF no começo de abril, ele deu início a um processo de simplificação da estrutura, visando a reduzir custos e desengessar o dia a dia da companhia, marcado por processos lentos e burocráticos.
Lourival Luz estava tocando essa estratégia e conseguindo fazer ajustes operacionais que trouxeram bons resultados. A decisão de reduzir a oferta de frango, depois de registrar estoques em patamares elevados no primeiro trimestre, levou a um balanço considerado positivo no segundo trimestre.
O destaque do período foi a margem Ebitda ajustada, que cresceu 9,6 pontos percentuais em relação aos primeiros três meses do ano, para 10,6%. Em relação ao segundo trimestre de 2021, a receita líquida aumentou 11,2%, para R$ 13 bilhões, e o Ebitda ajustado cresceu 7,7%, para R$ 1,3 bilhão. Já a última linha do balanço mostrou piora, com o prejuízo crescendo 95%, para R$ 468 milhões, prejudicado pela parte financeira.
Mesmo com Luz tendo resultados para mostrar, Molina sinaliza com a troca que pretende ter alguém de confiança à frente da BRF, depois de realizar uma série de operações no mercado para que a Marfrig tenha uma participação de 33,3% na BRF.
“Não é que Lourival não esteja entregando, mas agora a BRF tem alguém no comando mais próximo do conselho, checando se tudo que o conselho está tentando implementar está acontecendo”, diz um analista que acompanha a empresa e pediu para não ser identificado.
Com a chegada de Gularte, surgem novamente as especulações sobre uma possível fusão da BRF e Marfrig. Molina não conseguiu unir as duas empresas em 2019, e as operações que realizou no ano passado para aumentar sua participação na processadora de alimentos ressuscitaram o tema no mercado.
Para Alencar, da XP, esta troca de comando não necessariamente é um passo para fusão, principalmente no curto e médio prazo. No longo prazo, uma união pode ocorrer se este mais recente turnaround aproximar a cultura das empresas. “Molina sempre foi vocal ao dizer que o investimento em Marfrig é passivo, mas vemos que não é o caso”, afirma
Por volta das 14h03, as ações da BRF subiam 0,73%, para R$ 16,49. No ano, elas acumulam queda de 26,8%.
Os papéis da Marfrig recuavam 3,35%, para R$ 13,55. No ano, eles registram queda acumulada de 38,6%, levando o valor de mercado a R$ 8,9 bilhões.