Nova York - Enquanto a renda fixa brasileira vive um momento único com a taxa Selic em 15% ao ano, oferecendo bons retornos aos investidores, o cenário nos Estados Unidos caminha para um desfecho diferente. Benjamin Souza, managing director da BlackRock, projeta que 2026 será mais desafiador para quem aposta em bonds americanos.

Para a gestora com mais de US$ 13 trilhões sob gestão, o Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) ainda tem três cortes de juros pela frente até chegar à taxa neutra. Atualmente, a taxa de juros americana está em 4%, após o Fed ter cortado em 0,25 ponto percentual em setembro de 2025 - a primeira redução desde dezembro do ano passado. Mas o ritmo pode ser mais lento do que o mercado espera.

"Quando os cortes acabam, o mercado tende a penalizar os durations dos papéis. E isso tende a deixar o mercado de renda fixa mais complicado no ano que vem. Enquanto o mercado de ações tende a continuar performando bem", disse Souza em apresentação a um grupo de jornalistas na sede da empresa.

Com as questões tarifárias e outras incertezas no horizonte, o Fed pode atrasar os cortes. Nesse cenário, enquanto 2025 foi um bom ano de retorno para a renda fixa americana, 2026 promete ser mais turbulento para essa classe de ativos.

O principal fator que mantém o Fed em alerta é o mercado de trabalho local. A geração de empregos desacelerou e a taxa de desemprego subiu, fazendo com que o Fed afirme que "os riscos negativos para o emprego aumentaram".

O presidente do Fed, Jerome Powell, traçou um retrato preocupante ao afirmar que "a criação de empregos está praticamente em zero" quando se ajustam os números. É exatamente essa fragilidade no mercado de trabalho que está no centro das decisões de política monetária do banco central americano.

O Fed tem dois mandatos: controlar a inflação e promover o crescimento econômico. E isso o coloca em uma sinuca.

"Todo mundo repete que tarifas são inflacionárias, mas a inflação de bens está exibindo margens saudáveis. O foco do Fed oscilou: primeiro foi inflação, agora mudou. Eles não sabem se devem se preocupar mais com inflação ou com crescimento", disse Souza.

Isso porque a economia americana está em uma situação inusitada: continua crescendo, mas as empresas não estão com novas vagas de emprego. Para Souza, há três razões que explicam esse paradoxo.

Benjamin Souza BlackRock
Benjamin Souza, managing director da BlackRock

A primeira é que o governo está quebrado e não está contratando. A segunda razão é que, no setor privado, as empresas estão protegendo suas margens em um mercado acionário competitivo (controlando os custos para manter seus valores na bolsa de valores). E a terceira razão é a revolução de inteligência Artificial (IA), em que as empresas estão automatizando trabalhos ou têm a expectativa de fazê-lo.

Para Souza, a economia americana está passando por uma mudança estrutural profunda. Se nas últimas décadas o crescimento econômico vinha do consumo, agora está vindo de investimento da infraestrutura de IA, com a construção de data centers, fabricação de chips, entre outras coisas. E essa mudança de crescimento está apenas no início.

A questão ainda sem resposta é se esse crescimento poderá puxar o mercado de trabalho e recomeçar a gerar novos postos de trabalho.

Como a IA deixou de ser apenas um pitch para já ser um negócio, com as empresas cobrando pelo seu uso, outros países chegaram para essa corrida. E o mais importante é a China.

"A China pode criar a infraestrutura melhor e mais rápido que os EUA, mas não avançava porque não tinha os chips. Agora eles conseguiram ter acesso a chips antigos. Veremos agora o seu desenvolvimento", afirmou o managing director da BlackRock.

Para ele, não faz sentido dizer que há uma bolha no setor de inteligência artificial. Talvez algumas empresas estejam sobrevalorizadas, mas não é uma questão setorial, muito menos da economia americana.

"Se olharmos a bolha pontocom nos anos 2000, as empresas não eram lucrativas. Não é o que vemos agora. As empresas já têm modelos de negócio e ainda têm grandes expectativas ainda não exploradas de mais negócios", disse ele.

Ouro e dólar (ainda) fortes

Exatamente por causa do crescimento com ganhos de produtividade, Souza não consegue ver a tendência de um dólar mais fraco frente às outras moedas mundiais. Para ele, o problema fiscal não é um caso apenas americano, com vários países asiáticos e europeus na mesma situação. E o diferencial de juros dos EUA frente a outros países continuará sendo positivo para trazer fluxo para o país.

"A menos que você me diga que a Europa vai 'subir de série' e ter um crescimento acelerado, não esperamos um dólar fraco. Saída dos EUA aconteceu com a iminência das tarifas, mas desde abril esse fluxo já está estável. Eu diria que quem saiu dos EUA para outros países nesse momento cometeu um erro", afirma.

Outro ativo que tende a continuar subindo, apesar da alta de mais de 50% neste ano, é o ouro. "Vimos a popularidade do ouro. Quando o risco sobe, você procura ativos que ajudam a controlar a volatilidade, e a renda fixa não tem feito esse papel. Além disso, bancos centrais estão comprando ouro como diversificação. Com uma demanda muito maior e uma oferta limitada, o ouro deve continuar subindo", conclui Souza.

*A repórter viajou a convite da Avenue Securities