A Ferrovia Transnordestina, um dos projetos mais emblemáticos do setor logístico brasileiro, segue confirmando a sina de ver suas obras avançarem em meio a atrasos, brigas políticas, devolução de trechos por concessionários, paralisações e ameaças de interrupção por problemas de gestão.
A demissão do superintendente da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), o pernambucano Danilo Cabral, anunciada pelo governo federal na terça-feira, 5 de julho, teve como pano de fundo uma disputa política entre o governo do Ceará e Cabral, que lutava por verbas para obras do trecho pernambucano da ferrovia.
A Transnordestina é composta de dois trechos, ambos inacabados, que já consumiram R$ 8 bilhões, sendo que ainda faltam R$ 7 bilhões para a conclusão. O primeiro deles, que liga Eliseu Martins (PI) ao porto do Pecém, em Fortaleza (CE), avança em ritmo forte, com apoio e recursos do governo federal à concessionária Transnordestina Logística (TLSA), subsidiária da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN).
O trecho pernambucano, que liga Salgueiro ao porto de Suape, porém, está parado desde 2016 e acabou devolvido pela TLSA em 2022 por inviabilidade econômica. O governo federal assumiu o ativo e marcou edital para o segundo semestre, após grande articulação de Cabral, mas ainda sem previsão de início das obras e muito menos de conclusão do trecho.
Não bastassem os atrasos desde o início da construção da ferrovia, em 2006, outra linha férrea essencial para a região entrou na mira do Tribunal de Contas da União (TCU). A Ferrovia Transnordestina Logística (FTL), responsável pelos 1.237 kms que ligam Fortaleza a São Luís (MA), também sob concessão da TLSA, pode ter o contrato de renovação barrado pelo TCU, que exige contrapartidas.
Os atrasos e problemas nesses três ramais férreos nordestinos ameaçam o escoamento de grãos do Matopiba – fronteira agrícola que abrange Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. A expectativa é que a região ganhe competitividade, já que o transporte ferroviário oferece redução estimada de 30% nos custos logísticos, além de encurtar em até 40% a distância percorrida até os portos.
A demissão de Cabral confirmou a opção do governo federal em privilegiar a conclusão do primeiro e principal trecho cearense da Transnordestina, o que deve ocorrer no segundo semestre de 2027. O trecho tem cerca de 1.200 km, dos quais 676 km já foram entregues.
A virada de cenário começou em 2022, quando o trecho cearense, após várias paralisações, passou por reestruturação e ganhou novo cronograma, além de receber recursos adicionais dos setores público e privado.
A decisão do governo federal de destinar a totalidade do orçamento do Fundo de Desenvolvimento do Nordeste (FDNE) até 2026 para o trecho cearense, privilegiando o governo de Elmano de Freitas (PT), sempre teve resistência do superintendente da Sudene.
Com um orçamento anual de R$ 1 bilhão, o FDNE financiava, por exemplo, projetos na área de energia sustentável nos nove estados da região. A verba do FNDE garantiu R$ 3,6 bilhões para a obra e deixou outros projetos do Nordeste à míngua.
O reforço financeiro recente do trecho cearense da Transnordestina, com o aporte de R$ 1,4 bilhão anunciado em julho de 2025 pelo governo federal, por meio do FDNE e de bancos públicos, permitirá cumprir o cronograma de inauguração do trecho entre Bela Vista do Piauí (próximo a Simplício Mendes), no Piauí, até Iguatu (CE) já em outubro.
Pelo trecho, com cerca de 500 km de extensão, serão transportados grãos numa composição com 126 vagões, com capacidade de transportar a mesma quantidade de cargas que cerca de 380 caminhões.
O fato de superintendente da Sudene ter conseguido incluir o trecho Pernambuco no Novo PAC em 2025, com orçamento inicial de R$ 450 milhões, não foi suficiente para sua sobrevivência no cargo, mas gerou revolta de políticos pernambucanos - ex-deputado federal pelo PSB, Cabral é influente na política nordestina.
O trecho pernambucano tem 160 kms entregues, com outro trecho de 370 km ainda no papel – que vão consumir outros R$ 5 bilhões.
Especialistas em logística afirmam que a Transnordestina tem um problema conceitual grave, que explica o atraso para a conclusão das obras: apesar de percorrer uma vasta área de três estados nordestinos, foi concebida sem uma interconexão com ferrovias do Centro-Oeste e do Sudeste.
TCU ameaça renovação
Outra linha férrea considerada essencial para a região, a Ferrovia Transnordestina Logística (FTL) – apesar do nome, sem relação com a Ferrovia Transnordestina dos trechos cearense e pernambucano – está envolvida num complexo programa de renovação de contrato de concessão.
Com 1.237 km de extensão, ligando Fortaleza a São Luis, é operada desde 1998 pela FTL e já passou por diversas fases de modernização. Estima-se que mais de R$ 3 bilhões já tenham sido investidos na malha operacional.
A concessão vence no ano que vem, mas a concessionária, TSLA, quer renová-la por mais 35 anos, até 2062, prevendo mais R$ 3 bilhões em investimentos ao longo dos próximos 20 anos.
Os recursos serão usados para substituição de dormentes de madeira por concreto, eliminação de passagens de nível, aquisição de novos trens e aumento da capacidade de transporte de 3 para até 10 milhões de toneladas por ano.
Para isso, contudo, a empresa propõe devolver 3 mil km da chamada "malha não operacional", que abrange ferrovias abandonadas em cinco estados do Nordeste que estão fora do trecho entre São Luís e Fortaleza, mas fazem parte da concessão.
A TSL também propôs construir dois Veículos Leves sobre Trilhos (VLTs), um em Campina Grande (PB), outro em Arapiraca (AL), como parte das contrapartidas das devoluções.
No total, a FTL soma 4.238 km de ferrovias da chamada Malha Nordeste, que passa pelos estados de Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas. Porém, somente 29% - 1.237 km, justamente o trecho entre São Luís e Fortaleza - é considerado operacional pela FTL.
A negociação para a renovação da concessão da FTL teve início no início do mês passado na câmara de solução consensual do TCU, a SecexConsenso.
O órgão, porém, não deve facilitar, pois chamou a atenção para pontos “muito delicados e complexos” no detalhamento da proposta de consenso, como o valor da indenização dos trechos a serem devolvidos e as condições para a prorrogação do prazo do contrato.
Entre outros problemas, a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) disse que durante a concessão identificou que parte das obrigações contratuais previstas na malha não estavam sendo cumpridas.
A concessionária alega ter recebido a malha em péssimo estado no início do contrato, em 1998, além de amargar prejuízos com enchentes e inviabilidade econômica em alguns trechos. A SecexConsenso terá até 7 de outubro para tomar decisão, prazo que poderá ser prorrogado.
Em nota enviada ao NeoFeed, a TSLA confirma ter apresentado a proposta para extensão da concessão por mais 35 anos. “São várias etapas no TCU e estamos avançando, este mesmo processo já ocorreu com outras concessionárias e estamos confiantes em nosso plano de renovação”, diz a concessionária.
Se o acordo sair, o governo terá de planejar a construção de mais 3 mil km de linhas férreas, de quatro estados da região, que serão devolvidos pela TSLA, o que deve assegurar um novo capítulo da saga nordestina de ferrovias para as próximas décadas.