A agenda de negociações para a repactuação de contratos de concessões ferroviárias prestes a vencer do Ministério dos Transportes levou um duro golpe com decisão do Tribunal de Contas da União (TCU), que deu prazo de 90 dias para o governo federal detalhar, separadamente, os planos de renovação de cinco dessas concessões.
O ultimato, anunciado na quarta-feira, 12 de março, ocorreu às vésperas de o governo divulgar o Plano Nacional de Ferrovias, com previsão de mais de R$ 100 bilhões em investimentos, que em tese deveriam incluir os contratos repactuados dessas ferrovias sob concessão - Ferrovia Centro-Atlântica (FCA), Rumo Malha Sul (RMS), Rumo Malha Oeste (RMO), Ferrovia Transnordestina Logística (FTL) e Ferrovia Tereza Cristina (FTC) -, cuja malha corta boa parte do País.
O NeoFeed apurou com fontes próximas do governo que a decisão do TCU não deve alterar o Plano Nacional de Ferrovias, em fase final de elaboração. Para analistas do setor, porém, as exigências impostas pelo TCU devem alterar o planejamento do governo em relação ao modal ferroviário, em especial o calendário de repactuações e investimentos.
Não é a primeira vez que o TCU atrapalha os planos do governo. Em fevereiro do ano passado, a corte impôs restrições à revisão dos contratos de renovação antecipada de três concessões ferroviárias assinados pela gestão Jair Bolsonaro, nas quais o governo pretendia obter R$ 30 bilhões.
Em dezembro, porém, a Vale fechou um acordo com o Ministério dos Transportes para repactuar os contratos das concessões da Estrada de Ferro Carajás (EFC) e da Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM) até 2057, pelos quais se comprometeu a investir um valor máximo de cerca de R$ 11 bilhões nesses projetos. A outra repactuação, da Rumo Malha Sul (RMS), faz parte do grupo de cinco concessões agora na mira do TCU.
Em tom duro, ao exigir prazo de 90 dias para uma resposta, a corte diz que há falta de planejamento estruturado na renovação desses contratos, com os processos sendo marcados por falhas que não permitem prever melhoria do setor nem a retomada de trechos abandonados.
O TCU notificou o Ministério dos Transportes, a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) e a estatal Infra S.A. para que elabore um plano de ação individualizado para cada ferrovia no prazo estipulado.
Esse plano deve conter descrição das etapas necessárias para a transição contratual; definição de prazos para cada etapa, indicação dos responsáveis pelas medidas a serem adotadas; estratégias para garantir a continuidade da prestação do serviço público; e ações para preservação do patrimônio ferroviário.
"Tais contratos têm a duração de 30 anos e, a poucos meses do encerramento, inexiste decisão quanto aos rumos de cada concessão, assim como estão ausentes processos administrativos, atas das reuniões, definição formal de competências e atribuições entre o Ministério dos Transportes, ANT e Infra S.A", afirmou o ministro relator Jorge Oliveira.
De acordo com Oliveira, cerca de metade da malha de quatro dessas concessões - Ferrovia Centro-Atlântica, Rumo Malha Sul, Rumo Malha Oeste e Ferrovia Transnordestina Logística - num total de 9.500 km, é considerada não operacional. Muitos trechos foram desativados sem manutenção, com remoção de trilhos e deterioração da infraestrutura.
O TCU aponta ainda que o governo, ao priorizar as prorrogações antecipadas dos contratos, não considerou o histórico de descumprimentos. E mostra ações contraditórias entre os órgãos do governo, além de desleixo em adotar punições.
No caso da Ferrovia Transnordestina Logística (FTL), o Ministério dos Transportes ignorou a recomendação da ANTT pela caducidade do contrato, permitindo a continuidade da concessão.
Em duas ferrovias - Ferrovia Centro-Atlântica e a Rumo Malha Sul -, os processos administrativos abertos para correção de descumprimentos contratuais não tiveram adoção de sanções.
Insegurança jurídica
Luiz Baldez, presidente da Associação Nacional dos Usuários do Transporte de Carga (ANUT), disse que a decisão do TCU é correta, pois há muita insegurança jurídica em relação a essas repactuações de contratos.
Segundo ele, a situação é inédita: o que existia antes era renovação ou prorrogação de contratos, não repactuação da forma atual, o que deve ter motivado o TCU a agir.
“Pela lei, as renegociações de contratos de concessões devem começar cinco anos antes do fim, neste sentido o governo tem sido lento em fechá-los, os contratos comerciais estão se encerrando e precisamos saber com quem vamos renegociar, com a concessionária atual ou outra que ocupe o seu lugar”, diz.
Baldez afirma que o prazo de 90 dias estipulado pelo TCU é bem enxuto. Ele cita o caso da FCA, cujo contrato se encerra em menos de dois anos e ainda tem possibilidade de ser dividida em dois trechos.
“Serão dois processos licitatórios, não é algo simples e rápido”, diz Baldez, ressaltando, porém, que o governo tem mecanismos para resolver isso e tranquilizar o mercado.
Em nota, a assessoria de imprensa do Ministério dos Transportes afirma que a pasta irá apresentar ao TCU um plano de ação já estruturado em relação aos contratos citados. E lembra que o ministério criou a primeira Secretaria Nacional de Ferrovias para coordenar as soluções logísticas e operacionais dessas concessões.
“Nesse sentido, foram estabelecidos cinco Grupos de Trabalho para estudar as renovações antecipadas, na Transnordestina, na Malha Oeste e na Malha Sul, no intuito de promover uma ampla discussão e transparência do processo de decisão”, diz a nota.
“Como resultado, destaca-se a Portaria 532/MT/2024, que estabelece as diretrizes para renovação antecipada dos contratos que estão no prazo final de vigência, e a Instrução Normativa 1/DNIT/2025, que regulamenta a metodologia de indenização de trechos a serem devolvidos pelas transações, contando com o apoio do TCU ao longo do processo de construção destes normativos”, prossegue a nota.
Em relação a trechos ociosos ou antieconômicos, a assessoria do ministério assinala que a pasta, em parceria com a ANTT, também distribuiu os procedimentos para Chamamento Público na Resolução 6058/ANTT/2024, tornando possível oferecer ao mercado a exploração de malha ferroviária ociosa com toda segurança jurídica.
Paralelo à decisão da corte, o ministro dos Transportes, Renan Filho, confirmou nesta quinta-feira, 13, que a Vale está buscando a aquisição da concessão de outra ferrovia, a Fiol 1 (Ferrovia de Integração Oeste-Leste 1).
Operada pela concessionária Bamin - empresa controlada pelo grupo ERG, do Cazaquistão, que venceu a concessão realizada pelo governo federal em 2021 -, a Fiol 1 está com obras em atraso tanto da ferrovia como da construção de um porto em Ilhéus (BA).
Renan Filho afirmou que a pasta está ajudando na negociação. “Se a aquisição ocorrer, o governo irá colaborar com recursos e condições para garantir o avanço dessa obra”, disse o ministro.
Segundo ele, a Fiol 1 é considerada essencial para outro projeto, de concessão de outros dois trechos, da Fiol 2 e da Fico (Ferrovia de Integração do Centro-Oeste), que está no momento em audiência pública.
O ministro disse que que a continuidade das obras da Fiol 1 e Fiol 2 são os principais projetos do governo federal até o final do primeiro semestre deste ano no setor de ferrovias. A Fiol 2 está sendo construída com recursos públicos. O objetivo é escoar a produção do oeste de Minas Gerais e, posteriormente, do Brasil Central, com a constituição do corredor Fico/Fiol.
De acordo com a assessoria de imprensa do Ministério dos Transportes, “em relação à Fiol 1, a pasta está dialogando com a Bafer — empresa responsável pelo trecho Ilhéus-Caetité (BA) — para definir o futuro da concessão”.
Procuradas, a Vale e a Bamin não retornaram aos pedidos de posicionamento.
Marcus Quintella - diretor da FGV Transporte, área da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro que pesquisa o setor - vê com desconfiança, neste cenário, o futuro anúncio do Plano Nacional de Ferrovias do Ministério dos Transportes.
“O governo está a menos de dois anos do fim do mandato, precisa ter respaldo orçamentário e de projetos, que cada vez mais são baseados em recursos privados”, afirma.
Segundo ele, no caso da Fico e da Fiol, os objetivos são mudados constantemente, causando incômodo, pois não têm viabilidade, com o agravante do atraso no porto de Ilhéus.
“Esse plano precisa ser amadurecido, senão vira uma repetição de planos anteriores”, conclui Quintella.