O presidente da Argentina, Javier Milei, ainda nem completou cinco meses no cargo e nesta segunda-feira, 29 de abril, iniciou a semana diante do seu maior desafio na Casa Rosada até agora: reverter uma espécie de “looping legislativo” com o Congresso Nacional, com quem vive trocando farpas.

Milei tenta aprovar, pela segunda vez, a Lei de Bases, conhecida como "Lei Ônibus” – projeto de lei anunciado em janeiro, que prevê as principais medidas econômicas prometidas em campanha.

Ele também precisa do aval do Congresso para o pacote fiscal que baixou após a posse, o Decreto de Necessidade e Urgência (DNU), espécie de medida provisória que visa a desregulamentar a economia.

Em fevereiro, depois de ser desidratada e aprovada de forma geral após negociações no Congresso, Milei perdeu a paciência e desistiu de colocar em votação os artigos em separado da Lei Ônibus, retirando-a da pauta. Com isso, o pacote voltou às comissões.

Agora, como ficou evidente que a aprovação do pacote de leis é fundamental para que efetivamente comece a governar, o presidente argentino teve de voltar atrás.

Nos últimos dias, os articuladores da Casa Rosada voltaram a fazer concessões para aprovar o pacote – dos mais de 650 artigos originais, a nova versão da Lei Ônibus ficou com apenas 232, a ponto de passar a ser chamada jocosamente de “Lei Kombi” nos corredores do Congresso.

A esperança é que Milei deixe as negociações com a oposição moderada no Congresso nas mãos dos articuladores do governo e pare de xingar os políticos pelas redes sociais, o que inviabilizaria um novo acordo.

O fato é que o presidente argentino tem marcado seu conturbado período na Casa Rosada por uma grande contradição. De um lado, continua ignorando as forças políticas de oposição no Congresso Nacional argentino - onde não tem maioria nem na Câmara nem no Senado – e anunciando medidas duríssimas por decreto para tentar reverter a maior crise econômica do país em três décadas.

Por outro, Milei segue com índice de popularidade elevado, na faixa dos 50%, um feito surpreendente levando-se em conta a deterioração do padrão de vida da maioria da população desde sua posse, no começo de dezembro.

Milei aposta nesta contradição para impor sua agenda ao Congresso Nacional. A estratégia até tem dado certo, uma vez que o presidente argentino obteve alguns ganhos macroeconômicos importantes.

Após desvalorizar o peso em 54% em dezembro e retirar subsídios importantes em todos os setores da economia (algumas tarifas públicas chegaram a subir 400%), a Argentina fechou em março o primeiro trimestre de superávit fiscal desde 2008.

Nos três primeiros meses do ano, a taxa de câmbio ficou estável no mercado paralelo e a inflação começou a baixar – após atingir o pico de 26% em dezembro, a inflação mensal caiu para 20% em janeiro, 13% em fevereiro e 11% em março.

As más notícias, porém, continuaram a assustar os argentinos. O Produto Interno Bruto (PIB) do país caiu 3,6% nos dois primeiros meses do ano, enquanto os gastos dos consumidores despencaram 17,6% no período.

Flexibilização

Para o economista Fabio Giambiagi, pesquisador associado do FGV Ibre que acompanha de perto a crise do país vizinho, o presidente argentino finalmente parece ter se dado conta da contradição entre seu discurso de campanha e a realidade do cargo.

“Milei percebeu que tinha de fazer alguma flexibilização. Com esse discurso raivoso contra os políticos, ele não conseguiu aprovar rigorosamente nada no Congresso Nacional em cinco meses, algo que antecessores sem maioria parlamentar como ele conseguiram nesse período no poder”, diz Giambiagi.

Para o economista, o presidente argentino está pagando o preço de manter-se fiel à lógica polarizada que o ajudou a vencer a eleição.

“Milei construiu a mística de que era diferente de todos os políticos, tanto dos peronistas como os da oposição tradicional”, diz. “Agora, que precisa do apoio pelo menos da oposição não-peronista no Congresso, ele terá de sacrificar essa estratégia de governar para as redes sociais.”

Vários pontos da Lei Ônibus foram alterados. Das 40 empresas estatais que poderiam ser privatizadas pelo projeto original, restaram 18. O governo, porém, conseguiu manter o poder de rescindir ou mudar os contratos de obras públicas já iniciadas no país, o que deve paralisar três mil obras, ameaçando o emprego de 500 mil trabalhadores do setor de construção civil.

Também preservou a declaração de emergência energética, financeira, econômica e administrativa por um ano. No entanto, além de questões da reforma trabalhista, alterações na base do imposto de renda têm oposição de governadores e de boa parte do Congresso.

A expectativa é que os dois pacotes sejam aprovados em primeiro turno, como ocorreu em fevereiro com a Lei Ônibus. Mas a votação em segundo turno, com apreciação de cada item, deve ser mais complexa na Câmara.

“O diálogo com a oposição moderada, que se dispôs a ajudar a negociação do governo no Congresso, promete ser mais duro”, diz Giambiagi, que cita ainda outro problema no curto prazo para Milei: a aprovação da DNU, já rejeitada pelo Senado.

De acordo com o economista, a DNU pode ser derrubada a qualquer momento na Câmara – a oposição peronista trabalha para isto -, o que expõe a fragilidade do governo. “Como atrair investimentos com base numa lei que pode caducar a qualquer momento?”, questiona.

O economista prevê muitas dificuldades para Milei. “Os ganhos macroeconômicos que ele obteve no primeiro trimestre, com o discurso que representam o início de uma nova era, não são sustentáveis por anos a fio”, adverte.

Para Giambiagi, mesmo que a Câmara avance na aprovação da Lei de Bases, será preciso avaliar quais artigos serão rejeitados e como será a votação no Senado, para se ter ideia de como ficará o clima político para Milei governar.

“Se o pacote passar com nível razoável de aprovação de seus artigos, há espaço para avanço, mas Milei precisa fazer a parte dele”, diz o economista.

Isso exige, como disse recentemente o analista político argentino Jorge Fontevecchia, manter Milei longe do X, (antigo Twitter), onde passa o dia inteiro postando mensagens contra os políticos: “A Argentina não tem presidente, e sim um troll-em-chefe.”