A ida do economista Gabriel Galípolo para chefiar a diretoria de Política Monetária do Banco Central (BC) acabou criando uma situação curiosa no Ministério da Fazenda, onde ocupava o estratégico cargo de secretário executivo – na prática, o número 2 da pasta chefiada pelo ministro Fernando Haddad.
Galípolo - cuja nomeação ao BC foi aprovada em sabatina na terça-feira, 4 de julho, na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado - será substituído na equipe econômica da Fazenda por Dario Durigan, de 39 anos, um advogado de formação que foi assessor de Haddad na Prefeitura de São Paulo por apenas um ano, entre 2015 e 2016, e até recentemente atuava como chefe de políticas públicas no Whatsapp Brasil.
Desde o anúncio da escolha de Durigan, no início de maio, surgiram várias especulações sobre qual seria a função do novo número 2 da Fazenda e quem seria “o novo Galípolo” – o especialista em economia que poderia auxiliar Haddad na tomada de decisões técnicas do ministério.
Os nomes mais citados nas bolsas de especulações giravam em torno de Rogério Ceron, secretário do Tesouro Nacional, e Guilherme Mello, secretário de Política Econômica.
Após ouvir fontes dentro e fora do governo, o NeoFeed apurou que, na nova composição da cúpula da Fazenda, a única alteração relevante será no cargo de secretário executivo a ser ocupado por Durigan.
Sai um economista com sólida formação técnica, Galípolo, e entra um articulador, com a tarefa de fazer a interface da Fazenda com outros ministérios e órgãos do poder público.
“Durigan foi chamado para ocupar um cargo executivo, de viabilizar agendas da pasta, e não para ficar formulando políticas econômicas”, disse ao NeoFeed um ministro do governo ligado ao PT logo após a confirmação do novo número 2 da Fazenda.
A escolha de Durigan chegou a surpreender integrantes do PT que participaram da gestão Haddad na Prefeitura. “Ele auxiliava o prefeito nos processos, encaminhamentos jurídicos e elaboração de decretos, mas não exercia uma posição de articulação política relevante”, diz um integrante da cúpula petista na gestão municipal, que não quis se identificar.
Com mestrado em Direito pela Universidade de Brasília, Durigan tem ampla experiência na vida pública. De 2011 a 2015, durante o governo da presidente Dilma Rousseff, foi assessor da subchefia para assuntos jurídicos da Casa Civil da Presidência.
Depois da passagem pela Prefeitura de São Paulo, trabalhou na Advocacia-Geral da União (AGU), em Brasília, entre 2016 e 2020, quando foi contratado pela Meta como diretor de políticas públicas e de relações governamentais do Whastapp no País.
“Ele fazia a interface da empresa com o governo federal, conhece muito bem o produto e teve atuação destacada durante o ano eleitoral, ajudando nas capacitações públicas das equipes de campanhas presidenciais”, disse um ex-colega de Durigan na Meta, que não quis se identificar.
“É excelente profissional, tem perfil conciliador, com grande capacidade de coordenar esforços”, prossegue. Segundo ele, todos sabiam da amizade dele com Haddad, por isso o convite não chegou a surpreender. “Mas a empresa lamentou a saída dele”, assegura.
Trabalho em equipe
Para Paulo Gala, economista-chefe do Banco Master e professor da Fundação Getúlio Vargas, a decisão de Haddad de abrir mão de um consultor técnico pessoal no ministério não surpreende.
“A equipe econômica na Fazenda já trabalhava como um time e deve continuar assim”, diz Gala, que elogia os dois nomes que chegaram a ser cotados. “São muito competentes.”
Ceron e Mello têm currículos fortes, ambos ligado à Unicamp - conhecido celeiro de economistas heterodoxos, alinhados às políticas públicas de esquerda -, mas os dois tiveram atuação distinta antes de chegar a Brasília.
Atual secretário do Tesouro Nacional, Ceron passou a maior parte de sua carreira em órgãos públicos. Começou em 2007 na Secretaria de Finanças da Prefeitura de São Paulo como auditor fiscal tributário concursado. Só depois fez mestrado na Unicamp e doutorado na Fundação Getúlio Vargas.
Ocupou vários cargos na administração paulistana até ser nomeado secretário Municipal de Finanças em 2015, pelo então prefeito Haddad.
Ficou pouco mais de um ano no cargo, mas tempo suficiente para ajudar Haddad na renegociação da dívida da Prefeitura com a União. A dívida na época era equivalente a mais de 2 vezes a receita do município, quando a Lei de Responsabilidade Fiscal estabelecia um limite de 1,2 vez.
A grande jogada da dupla foi negociar a forma de correção da dívida, trocando o IGP-DI (um índice de inflação que sofre efeito da variação de preços das commodities, mais juros de 9%), pelo IPCA.
Como resultado, o saldo devedor caiu de R$ 74 bilhões para menos de R$ 30 bilhões. Logo na sequência, graças à negociação, a Prefeitura obteve grau de investimento da cidade, dado pela agência Fitch Ratings em 2015, o que abriu caminho para a Prefeitura realizar investimentos recordes.
Antes de ser chamado para o novo governo, Ceron foi secretário-adjunto da Secretaria da Fazenda do governo Alckmin, em São Paulo, e, de volta à Prefeitura de São Paulo, na gestão de Bruno Covas, foi diretor-presidente da São Paulo Parcerias, encarregado de estruturar concessões e parcerias público-privadas (PPPs).
Há três semanas, Ceron disse que a revisão da S&P Global para o rating BB- do Brasil, de estável para positiva, é resultado das medidas econômicas adotadas pelo governo neste primeiro semestre. Ele previu que o Brasil de voltar à trilha de recuperação do grau de investimento até 2026.
Um heterodoxo raiz
Guilherme Mello, atual secretário de Política Econômica, tem um perfil mais acadêmico. Formado em Economia pela PUC-SP e Ciências Sociais pela USP, fez mestrado e doutorado pela Unicamp, onde engatou carreira de professor no Instituto de Economia por seis anos.
Ele é integrante do grupo chamado de “economistas da Unicamp”, conhecidos pela linha heterodoxa no pensamento econômico, que inclui Esther Dweck, que depois foi professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) até ser indicada ao Ministério da Gestão do novo governo Lula.
Entre as ideias defendidas por Mello está a priorização da política social e um Estado com o papel de prover investimentos.
Ele fez parte do quarteto de economistas indicado para auxiliar na discussão da PEC de Transição – ao seu lado estavam André Lara Resende, Pérsio Arida e Nelson Barbosa.
Defendeu o fim da regra do teto de gastos e a criação de um novo arcabouço fiscal, cuja elaboração teve participação relevante.
“Mello é um profundo conhecedor de economia e desenvolvimento, bom caráter e leal, difícil encontrar alguém que fale mal dele”, afirma um economista que participou do grupo de transição de governo.
Na Fazenda, Mello acompanhou as posições da pasta quanto à demora do BC em baixar os juros, mas evitou entrar em polêmicas.
Na segunda-feira, 3 de julho, anunciou que a estimativa oficial de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) subirá de 2,5% para 3% em 2023.
Para o economista Carlos Honorato, professor da FIA Business School, os perfis de Ceron e Mello refletem a proposta da equipe econômica do governo Lula, que não fica brigando com mercado, sem esconder a pauta do Estado presente na economia, como se espera de um governo petista.
“Mas a voz final é sempre do presidente, Lula é o fiador da política econômica e Haddad, o homem de confiança do presidente para tocar a economia”, diz Honorato.