Uma aliança com os Estados Unidos em temas de política industrial, para cooperação e apoio em setores como componentes eletrônicos e farmacêuticos, consta discretamente, da agenda de viagem do presidente Luís Inácio Lula da Silva em Washington, onde, nesta sexta-feira, 10 de fevereiro, o brasileiro se encontra com o presidente americano Joe Biden.
Segundo integrante graduado do governo que participou da preparação da visita, o governo brasileiro vê no encontro uma oportunidade para trazer tecnologia ao País e aumentar a integração do Brasil nas cadeias de produção da indústria norte-americana.
“Virtualmente em todas as conversas e que participei com autoridades do governo americano esse tema da integração de cadeias produtivas veio à tona, e com espaço importante dado por eles”, confirma o CEO da Câmara Americana de Comércio (AmCham) no Brasil, Abrão Neto, ao NeoFeed.
Com a guerra da Ucrânia e a crescente rivalidade dos EUA com a China, têm aumentado a tendência, entre as grandes economias, de “desglobalização”, com políticas de governo para localizar fornecedores dentro dos próprios países, ou na vizinhança – fenômeno conhecido como onshoring, ou nearshoring.
A equipe econômica e diplomática de Lula acredita ser possível fazer desse movimento um elemento de aproximação com os EUA, em uma estratégia de alianças com os diversos blocos econômicos sem, no entanto, optar por alinhamentos automáticos com qualquer deles.
No caso dos farmacêuticos, a equipe de Lula pretende enfatizar o poder de compra do SUS, que, só no ano passado, dispendeu R$ 13 bilhões em verbas para “assistência farmacêutica” (de fornecimento de remédios pelo programa “farmácia popular” a abastecimento dos postos de saúde).
Em troca de melhor acesso ao programa por empresas norte-americanas, o governo brasileiro deseja acordos de parceria e transferência de tecnologia, para estimular a produção de medicamentos no País.
“Há uma presença muito grande de empresas americanas, e um volume interessante de comércio intrafirma nesse setor, certa complementariedade no comércio bilateral”, argumenta Abrão Neto. “Faz sentido explorar essa área”. Representantes do setor de equipamentos médicos dos EUA já indicaram, em reuniões com o governo, que veem grande atratividade no Brasil para produção local, diz ele.
A negociação desses acordos no setor farmacêutico, em seguida à visita de Lula aos EUA, é um dos desdobramentos esperados com a troca de amabilidades entre os dois governos, que mostram grande afinidade em temas como a proteção ao meio ambiente.
A possibilidade de aproveitar uma matriz energética mais “limpa”, constituída em mais de 80% por fontes renováveis como a hidrelétrica, a solar e a eólica, é um atrativo adicional para instalar, no Brasil, indústrias voltadas ao fornecimento de insumos e produtos para os Estados Unidos, argumenta Abrão.
“Mas se, efetivamente, formos na direção de querer integrar as cadeias produtivas, isso demanda melhoria ambiente negócios produtivo”, ressalva o executivo.
Um tema inescapável será o debate sobre um acordo de bitributação, que reduza o custo, em impostos sobre comércio de bens e serviços, dos investimentos americanos no Brasil, eliminando a chamada bitributação.
“Já temos uma discussão agora sobre legislação dos preços de transferência que deverão aproximar legislação brasileira da americana e das melhores práticas mundiais”, diz, otimista o CEO da AmCham, referindo-se aos parâmetros para tributação de transações internacionais entre filiais e matrizes de empresas, alvo de mudanças recentes da legislação brasileira. Um parâmetro para essa discussão poderá ser o acordo de bitributação assinado recentemente com o Reino Unido, sugere.
Segundo maior parceiro comercial do Brasil e detentor do maior estoque de investimentos no país, os EUA, com Biden, lançaram programas bilionários para reduzir sua dependência de fornecimento por países asiáticos, especialmente a China, o que, na avaliação do governo e do setor privado, também abre espaço para cooperação na área de semicondutores.
Apesar de o governo brasileiro ter editado na quinta-feira, 9 de fevereiro, uma portaria criando uma comissão para rever a desestatização da Ceitec, empresa brasileira de fabricação de chips eletrônicos, negociadores brasileiros, com realismo, reconhecem que, nessa área, as conversas com o governo Biden devem ter como centro a possibilidade de trazer ao país algumas etapas menos sofisticadas da produção de componentes eletrônicos, como o desenho e montagem e circuitos integrados e, principalmente, testagem e embalagem desses componentes.
Todas essas conversas devem se desdobrar a partir da reativação de instrumentos de cooperação por parte dos dois governos, como o Fórum de CEOs e o mecanismo de diálogo entre a Secretaria de Comércio dos EUA e o Ministério da Indústria, Comércio e Serviços no Brasil, este último a cargo do vice-presidente Geraldo Alckmin.
Essa aproximação pela via do comércio complementaria a afinidade em matéria de meio ambiente e em questões políticas como a defesa da democracia, como parte da estratégia de criar laços com os EUA em contraponto à aproximação, também desejada, com a China e o bloco europeu.
“Talvez estejamos num momento em que essas discussões têm ótimo potencial de convergência, mas precisam amadurecer em termos concretos”, comenta, cauteloso, o CEO da Câmara de Comércio Brasil-EUA. “Vamos precisar da participação setor empresarial, que vai poder indicar, com mais conhecimento de causa, onde existe viabilidade, e o que poderá ser feito ou não”.
Da parte do governo, autoridades que acompanham a visita de Lula dizem haver grande disposição de estimular a participação dos empresários nesse esforço de cooperação bilateral.