Um estudo do Tribunal de Contas da União (TCU) recém-divulgado reforçou a percepção de que um dos maiores gargalos do setor de infraestrutura do Brasil está concentrado no custo logístico do transporte de cargas do País.

Em 2022, de acordo com o TCU, os gastos com transporte de carga consumiram R$ 1,3 trilhão, o equivalente a 13% de todo Produto Interno Bruto (PIB).

Embora a conclusão não chegue a ser surpreendente, os dados compilados no documento do órgão, denominado Acórdão 2000/2024 – TCU – Plenário, chamam a atenção por revelar o baixo investimento nacional em infraestrutura de transportes, a falta de diretrizes estratégicas no planejamento logístico e o tamanho do prejuízo que isso causa à economia brasileira.

De acordo com o estudo, o Brasil investe menos da metade da média global em infraestrutura de transportes. Isso acaba elevando o custo para o transporte de cargas, o principal componente dos sistemas logísticos empresariais e que representa, em média, 64% de todos os custos logísticos.

Uma pesquisa encomendada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) também em 2022 já havia concluído que o valor do frete representa, em média, para a indústria, 15% do preço final do produto.

O relatório do TCU, porém, aponta uma contradição no planejamento logístico de transportes no Brasil. Enquanto o escoamento de commodities para exportação recebe atenção, o transporte doméstico – responsável por 67% da carga movimentada no País – enfrenta deficiências crônicas, por utilizar majoritariamente o modal rodoviário, mais custoso, com sua frota envelhecida, estradas deterioradas, maior emissão de poluentes e riscos elevados de acidentes.

O documento do TCU também destaca a ausência de diretrizes estratégicas e a carência de dados transparentes sobre o setor. Ou seja, não há diagnósticos consolidados que identifiquem os principais gargalos logísticos ou orientem políticas públicas eficientes. Com isso, carteiras de projetos são decididas sem considerar os corredores logísticos intermodais.

Mesmo privilegiando para exportação o modal ferroviário – com frete mais barato -, o sistema logístico nessa área está ultrapassado e subutilizado.

Os dados levantados pelo TCU indicam que mais da metade da malha ferroviária brasileira está sem uso ou operando com fluxo extremamente baixo: 36,3% das ferrovias não registram tráfego algum, enquanto 22,76% transportam menos de dois trens por dia. Apenas 12,66% da malha tem alta utilização.

Aumento de custo

“A conclusão desse estudo do TCU é que nosso sistema de transporte encarece a produção”, afirma ao NeoFeed Ewerton Henriques, sócio-diretor da SH Consultoria, que atua no mercado financeiro assessorando projetos de infraestrutura.

Henriques observa que há dois problemas evidentes em relação aos modais ferroviário e rodoviário. O primeiro deles diz respeito ao método de licitação das ferrovias, que segundo ele é problemático.

“A licitação ferroviária é, basicamente, de um monoproduto para um monocliente”, observa, lembrando que a maior parte da malha ferroviária é usada pela Vale para transportar minério. Além disso, diz Henriques, há entendimento errado no Brasil de que o custo rodoviário é mais baixo que o ferroviário, que exige capital intensivo para colar uma estrada de ferro de pé e investir em maquinário.

“Individualmente, fica a percepção de que o modal rodoviário é mais barato, pois basta agregar custo do caminhão, da manutenção e do pedágio, só que a quantidade de carga transportada numa ferrovia é muito maior e quem paga essa diferença é a sociedade como um todo”, diz.

Para Henriques, estimular o transporte rodoviário acaba desestimulando o ferroviário, lembrando que essa premissa reflete a falta de planejamento e de investimentos da cadeia inteira.

Um exemplo desse atraso logístico do País ocorreu na semana passada em Porto Velho, em Rondônia, ponto de embarque da safra recorde de soja do Centro-Oeste para portos do Arco Norte.

O bom tempo de fevereiro favoreceu a colheita, 15% maior que a do ano passado, numa janela menor de tempo. Como há um crônico problema de armazenagem de grãos – outro gargalo logístico do setor -, a carga teve de ser rapidamente embarcada em caminhões em direção a Porto Velho.

Do porto local, a produção escoa pelo rio Madeira até Santarém, de onde é levada para o exterior. A fila de 1.500 caminhões por dia à espera do embarque da soja causou um caos nos postos de apoio e às margens da BR-364 ao longo da semana passada, à espera do momento de descarregar.

A capacidade de embarque no porto de Porto Velho é de 10 mil toneladas por dia, ou 200 caminhões. Quanto mais tempo ficaram aguardando, mais gastos os produtores rurais tiveram.

“A cadeia logística precisa ser repensada desde o armazenamento até a exportação”, resume Henriques, lembrando que até o agronegócio – o setor mais produtivo da economia brasileira – está perdendo competividade por causa de problemas logísticos.

O especialista cita um estudo do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, Guia de Transporte de Soja, de 2023, que compara o custo de logística para exportar soja brasileira dos nosso portos com os custos dos produtores americanos, tendo como destino Xangai, na China, e Hamburgo, na Alemanha.

“O custo médio de logística de transporte da soja americana utilizando todos os modais (estradas, ferrovias, barcaças e navios) era de cerca de 15% em relação ao preço de produção, enquanto o custo brasileiro de transporte, que utiliza os mesmos modais, chegou próximo a 25%”, diz Henriques. “Na produção, nossa soja é mais barata, mas no transporte, perde competitividade.”