Um misto de desconforto e decepção marcou o primeiro de uma série de 15 leilões de concessões rodoviárias federais previstas para 2025, realizado em São Paulo na quinta-feira, 27 de fevereiro.

Em evento na B3 cujo suspense durou menos de dez minutos, o consórcio formado pela 4UM com o Opportunity - único concorrente a apresentar proposta - arrematou a concessão de um trecho de 687 km  da BR-364 em Rondônia, entre a capital, Porto Velho, e Vilhena, na divisa com Mato Grosso.

O leilão até atraiu cinco investidores interessados no trecho, mas apenas o consórcio vencedor apresentou proposta. Sabendo de antemão da não-concorrência, o consórcio limitou-se praticamente à proposta mínima exigida pelo edital, referente ao deságio de pedágio, oferecendo desconto irrisório de 0,05% sobre a tarifa básica estabelecida.

O resultado do leilão reforçou a decepção de políticos, empresários e entidades de Rondônia, que haviam criticado o edital – em especial, o alto valor do pedágio mínimo e a demora para início de obras de duplicação, somente a partir do quarto ano da concessão.

Por outro lado, o fato de o primeiro certame dos 15 previstos para o ano de concessões rodoviárias federais ter atraído apenas um concorrente lançou dúvidas se o resultado pode ser indicador de uma participação mais seletiva de investidores nos próximos leilões, até pela quantidade de certames envolvida nos próximos dez meses – nos quais o governo espera movimentar mais R$ 150 bilhões em investimentos.

O contrato para o trecho da BR-364, com duração de 30 anos, prevê investimentos totais de R$ 10,4 bilhões, sendo R$ 6,5 bilhões destinados a obras estruturantes, como a duplicação de 107 quilômetros, a construção de 190 quilômetros de terceiras faixas e 34 acessos a outras rodovias e municípios.

Além disso, serão construídos 18 quilômetros de marginais e sete praças de pedágio. O lote inclui, além do trecho principal da BR-364, a extensão de 35 quilômetros da rodovia Expresso Porto, que conecta a estrada aos terminais portuários do rio Madeira. A taxa de retorno fixada para o contrato é de 11,17% ao ano.

A modelagem financeira do leilão foi feita pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), assim como das outras 14 concessões rodoviárias que o governo federal pretende realizar neste ano.

Rota Agro Norte

O leilão do trecho da BR-364 foi o primeiro de concessão rodoviária federal na Região Norte – o que reforçou o desalento em Rondônia pela falta de concorrência e o baixo deságio.

Batizada de "Rota Agro Norte", o trecho integra a principal rota de escoamento da produção agrícola e pecuária desde o Centro-Oeste, facilitando exportações pelos portos do Norte. Ao todo, a rodovia chega a 4.325 km de extensão, conectando os estados de São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, Rondônia e Acre.

“Esse modelo de concessão não atende as necessidades e as características de nosso Estado, que tem sua força econômica no agronegócio”, afirmou a veículos de imprensa locais o ex-senador Acir Gurgacz (PDT-RO), que encerrou o mandato em 2023, mas antes havia feito várias audiências públicas no Senado para aperfeiçoar o edital e discutir o projeto com a sociedade.

Segundo ele, o agronegócio – que deve escoar sua produção pela rodovia - será fortemente impactado pelo alto valor dos pedágios. O valor de referência do pedágio foi estabelecido pelo edital em R$ 0,19 por quilômetro rodado em pista simples e R$ 0,24 em pista dupla. As tarifas variam conforme a praça de pedágio.

Pelas regras estabelecidas pelo edital, que não devem reduzir o pedágio de forma significativa, em uma viagem de ida de Vilhena a Porto Velho, um carro de passeio pagaria, em média, R$ 133, enquanto uma carreta com duplo reboque teria um custo aproximado de R$ 1 mil.

O Conselho Regional de Engenharia de Rondônia (CREA-RO) chegou a solicitar o cancelamento do processo, mas não obteve resposta do Ministério Público Federal nem do Tribunal de Contas da União.

O Ministério dos Transportes advertiu que a margem para negociações com a empresa vencedora será limitada, uma vez que o cronograma e o contrato precisarão ser rigorosamente cumpridos. Mas admitiu que questões como a antecipação de obras e a revisão das tarifas de pedágio poderão ser discutidas com o consórcio vendedor.

“Leilão é assim mesmo”

O ministro dos Transportes, Renan Filho, rebateu as críticas sobre o fato de o leilão da BR-364 ter atraído apenas uma proposta.

“Certames rodoviários são assim mesmo, a ampla concorrência nunca foi a tônica dos leilões”, afirmou Renan na B3, baseando seu argumento com uma estocada no governo anterior, de Jair Bolsonaro, que realizou seis leilões em quatro anos que tiveram apenas dois ganhadores – os únicos participantes em cada um deles.

“Em dois anos, já fizemos dez leilões, com oito vencedores diferentes, ou seja, atraímos novos entrantes, incluindo do exterior, o que não ocorria desde 2007 em leilões rodoviários”, afirmou, referindo-se à participação do grupo francês Vinci Partners e dos fundos soberanos da Arábia Saudita e de Cingapura em leilões de 2024.

De acordo com o ministro, o edital era conhecido desde o ano passado e, por isso, não faz sentido tentar alterá-lo. “A BR-364 em Rondônia vai beneficiar o agronegócio, estrada boa é a que não fura pneu e a carga não cai”, disse o ministro.

A dúvida se o leilão da BR-364 é um indicativo de que o governo federal superestimou o apetite dos investidores ao agendar 15 certames no mesmo ano é considerada razoável por Fernando Gallacci, sócio de infraestrutura do escritório Souza Okawa Advogados.

“A pluralidade de leilões rodoviários, com a inclusão de ativos desafiadores no pipeline de projetos, começa a demonstrar as dificuldades a serem superadas no setor de concessões”, disse Gallacci. “O leilão da BR-364 parece ser exemplo disso, com colocação ao mercado de um ativo com desafios de concorrência multimodal e de modicidade tarifária.”

Horas antes do leilão na B3, o escritório Souza Okawa organizou um evento no qual foram discutidas as principais mudanças da lei de concessões e parcerias público-privadas (PPPs) previstas pelo novo texto do projeto de lei 7.063/2017, relatado pelo deputado federal Arnaldo Jardim (Cidadania-SP).

São várias mudanças propostas. Entre elas, compartilhamento de risco para todos os contratos, com reequilíbrio cautelar, prazos para retorno para órgãos de controle em pleitos de contratos, maior amplitude de critérios para julgamento de propostas (menor prazo, menor aporte, etc.) e regramento para extinção da concessão por relicitação ou por forma amigável, entre outras.

“É um ajuste, um aperfeiçoamento, pode caber várias adjetivações, mas ninguém está jogando fora a criança, estamos limpando, melhorando o arcabouço”, afirmou Jardim no evento.

Para Gallacci, as mudanças desse marco regulatório devem aproveitar a oportunidade para melhorar a legislação e obter cada vez melhores projetos para investimento, com gestão leve, flexível e eficiente das parcerias.

“Apesar de ainda restar pendente a definição de processo legislativo, as discussões de mudança do novo marco legal poderão conferir instrumentos para repensar os desafios dos projetos atuais e futuros, seja robustecendo as PPPs para fortalecer pagamentos estatais, seja para endereçar discussões de objeto multimodal”, acrescentou.