O Ministério dos Portos e Aeroportos promete dar início, em 2025, à solução de um problema apontado por especialistas do setor como um dos maiores responsáveis pelo gargalo de logística dos portos brasileiros - sua incapacidade de receber os navios porta-contêineres mais modernos, de grande porte, devido à baixa profundidade das águas nos locais de atracação.
A solução virá por meio de um modelo inédito de licitação do setor, o de concessão de canais de acesso aos portos, cujos vencedores terão obrigação de fazer dragagem e aprofundar o calado na área de desembarque de cargas.
O primeiro leilão, do canal do porto de Paranaguá (PR), no valor de R$ 1,07 bilhão, deverá ocorrer já no primeiro trimestre de 2025, afirma em entrevista ao NeoFeed o secretário nacional dos Portos, Alex Ávila.
Os leilões para os canais de acesso aos portos de Santos, Salvador, Itajaí e Rio Grande devem vir na sequência. “Trata-se de uma medida que causará grande impacto no médio e longo prazo na logística dos portos”, diz Ávila.
A novidade é apenas um dos vários projetos de sua área de atuação no Ministério dos Portos e Aeroportos que começaram a sair do papel em 2024. Ao longo do ano, a pasta anunciou outras iniciativas coordenadas que prometem atrair investimentos de grande porte.
Estão previstas pelo menos 42 concessões e arrendamentos portuários em 2025 e 2026, os quais devem gerar investimentos de R$ 14,5 bilhões. Além dos oito leilões feitos em 2024, a previsão é que sejam realizados 20 arrendamentos e uma concessão já em 2025, com investimentos na ordem de R$ 8,54 bilhões.
Uma das iniciativas é o leilão de arrendamento do chamado Tecon 10 – que envolverá a expansão de 50% do terminal de contêineres STS 10 no porto de Santos, hoje operando no limite, além da construção de um novo terminal de passageiros, no valor de R$ 4 bilhões.
Elas incluem ainda a licitação do túnel Santos-Guarujá e um ambicioso projeto de ampliação de áreas públicas dentro dos portos, as chamadas poligonais, para reduzir os gargalos em todo o entorno desse modal.
Por isso, Ávila recorre à ironia para afirmar que a área da pasta sob sua coordenação não tem novos projetos para anunciar em 2025. “Avisei à minha equipe que não quero mais ideias novas, o que precisamos é fazer as entregas de tudo o que planejamos”, diz.
De todas as iniciativas da prevista, Ávila acredita que a concessão dos canais de acesso aos portos é uma das mais importantes por conseguir tirar da diretoria executiva dos portos a função de comandar a licitação de dragagem de manutenção e aprofundamento do calado, um dos fatores causadores de gargalo nos portos.
Isso porque o modelo de exploração portuária do País – no qual o Estado é o detentor das áreas dos portos e o setor privado é quem faz e promove os investimentos – acaba sucumbindo às diversas exigências regulatórias e burocráticas.
“O processo licitatório normalmente leva à judicialização, assim, quando uma autoridade programa uma obra de seis meses, acaba levando dois anos, com redução do volume de carga que pode ser transportada, causando prejuízos em toda a cadeia”, diz.
Essa demora vem aumentando os gargalos logísticos nos portos brasileiros, responsáveis por um prejuízo anual de R$ 21 bilhões, segundo cálculo do Centronave (Centro de Navegação Transatlântico) – entidade que reúne 19 empresas de transporte marítimo.
Isso porque o baixo calado dos portos obriga as companhias de navegação a aumentar o número de navios de menor porte enviados para a costa brasileira para trazer a mesma quantidade de carga, elevando custo do frete e agravando as filas de embarque e desembarque.
Estudo da Centronave indica que quase metade da capacidade dos grandes navios porta-contêineres que devem chegar ao mercado até 2026 não pode ser aproveitada no Brasil devido à defasagem dos calados (profundidade) e berços (área de atracação) dos terminais brasileiros.
O calado ideal deveria ser de pelo menos 16 metros com a maré baixa para que portos recebam esses novos navios – os porta-contêineres com mais de 350 metros de extensão e capacidade de transportar até 10 mil TEUs (unidade equivalente a um contêiner de 20 pés).
A concessão em Paranaguá será de 25 anos e o modelo do contrato já está em análise no Tribunal de Contas da União (TCU). O objetivo é fazer o leilão entre março e maio na B3. Enquanto isso, a pasta está acelerando o processo da concessão do canal de acesso ao porto de Santos, avaliada acima de R$ 3,5 bilhões para o final de 2025 ou início de 2026.
Maior porto da América Latina, responsável por 40% do volume movimentado de cargas do País, o complexo de Santos está com o calado de 15 metros, já operacional.
A administração do porto fará investimentos com recursos próprios em 2025 para elevar a profundidade para 16 metros. A concessão prevê calado de 17 metros, com possibilidade de novos aprofundamentos.
Licitação de R$ 4 bilhões
O porto de Santos, por sinal, será um dos maiores beneficiários do pipeline de investimentos planejados pelo governo federal no setor.
No segundo semestre, pondo fim a dois anos de polêmicas e indefinições, o ministro dos Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, anunciou a decisão do governo de realizar no complexo santista, em 2025, o maior leilão do setor portuário nacional.
Trata-se da licitação do STS 10, área do porto de Santos que vai receber um superterminal de contêineres, já rebatizado de Tecon 10. Com investimentos previstos de R$ 4 bilhões, prevê quatro berços de atracação (um a mais do que o projeto original, de 2019).
A empresa vencedora terá o compromisso de implantar na área o novo terminal de passageiros, que hoje recebe cerca de 1 milhão de cruzeiristas por ano.
“Hoje o porto de Santos está operando no limite, movimentando cerca de 4,5 milhões de contêineres; com o novo terminal, a capacidade vai crescer praticamente 50%”, diz Ávila.
O índice internacional considerado ideal de capacidade de operação de um porto é de 65% para atracação e de 70% para movimentação nos pátios. Acima disso, começam a se formar filas de navios. Santos já superou esses limites, com índices em 85%.
“A falta de capacidade do porto de Santos precisava ser endereçada, por isso é muito bom que o governo tenha decidido seguir em frente com a licitação do STS 10”, afirma Leonardo Levy, diretor de investimentos para as Américas na APM Terminals, que faz parte do grupo Maersk.
“A demanda brasileira de cargas de contêineres cresceu 22% em 2024 em comparação com o ano anterior, precisamos dobrar a capacidade do porto de Santos”, adverte Levy, lembrando que, entre os portos brasileiros que trabalham com cargas em contêineres, apenas três têm mais de um terminal exclusivo: Rio de Janeiro, Santos e Itajaí/Navegantes.
Outros dois projetos que devem beneficiar o porto de Santos vão ganhar tração em 2025. Um deles é a construção do túnel Santos-Guarujá, obra do governo estadual em parceria com o governo federal, que terá uma saída para o porto. Ávila diz ser possível realizar o leilão ainda em 2025.
O outro projeto, de ampliação das áreas públicas dos portos conhecidas como poligonais, anunciado em 14 de dezembro pelo ministro Costa Filho, prevê o redesenho de todo o complexo de Santos. A intenção é que os terminais de cargas, que atualmente têm 7,2 milhões de m², cresça mais 12 milhões de m², totalizando uma expansão de 162,4% - incluída a área do Tecon 10.
“A ideia é que o Estado disponibilize mais capacidade de área disponível quando for mexer na poligonal para permitir que o setor privado faça os investimentos”, explica Ávila.
Embora a ampliação das poligonais deva beneficiar os portos do Sudeste e Sul, hoje com menos áreas disponíveis, o secretário afirma que també vê potencial nos portos do Arco Norte, nas Regiões Norte e Nordeste, com possibilidade de atrair novos investimentos.
“O agronegócio, que hoje exporta 25% de sua produção de grãos pelos portos do Arco Norte, deve ampliar para 50% esse índice até 2030”, observa o secretário. “O Arco Norte tende a atrair a cadeia logística de fertilizantes, o navio que traz os fertilizantes leva de volta os grãos.”
Verticalização
Os projetos que visam a reduzir os gargalos logísticos nos portos foram anunciados em meio a uma forte movimentação no mercado de navegação no País, com dois negócios bilionários anunciados em sequência no segundo semestre de 2024.
Em setembro, a gigante francesa de logística e transporte CMA CGM – terceira maior operadora de contêineres do mundo – comprou, por R$ 6,33 bilhões, a fatia de 48% que o Banco Opportunity detinha na Santos Brasil, que administra um dos maiores terminais no porto paulista.
No mês seguinte, a MSC – maior operadora de navios de contêineres do mundo, que controla terminais portuários através da sua subsidiária TiL – comprou a Wilson Sons por R$ 5 bilhões. A Wilson Sons opera nos segmentos da navegação e da logística, com dois terminais de contêineres, em Salvador (BA) e Rio Grande (RS).
A MSC já detinha 50% do BTP, um terminal no porto de Santos em sociedade com a Maersk (segunda operadora mundial de contêineres), além de ser dona de um terminal em Navegantes, Santa Catarina. Juntas, MSC e Maersk são responsáveis por, pelo menos, metade da movimentação no porto de Santos.
Com as aquisições da Santos Brasil e da Wilson Sons, praticamente todos os grandes terminais portuários do País passam a estar sob o controle das companhias de navegação, numa tendência de verticalização do setor que tem sido observada em várias partes do mundo.
O que os críticos alegam é que deixar a movimentação de cargas em terra firme nas mesmas mãos de quem faz o transporte marítimo pode facilitar a formação de um cartel.
Levy, da APM Terminals, afirma que a vantagem da operação verticalizada – na qual o dono do navio também opera o terminal – é tornar mais eficiente a programação de embarque desembarque, trocando a ordem de qual navio atraca primeiro.
“A verticalização aumenta a possibilidade de um porto se tornar um hub de cargas, situação na qual o ganho de eficiência na operação chega a 20%”, afirma o executivo.
O secretário nacional de Portos, porém, diz que a questão da verticalização dos portos brasileiros deve entrar na agenda do governo mais para frente.
“Este momento nos permite fazer uma boa reflexão: temos duas empresas estrangeiras de grande porte fazendo investimentos no Brasil, o que representa uma excelente sinalização por conta do programa de leilões que estamos preparando, incluindo o Tecon 10”, diz Ávila.
Segundo ele, há pouco mais de dez anos, foi a verticalização que deu impulso ao porto de Santos. “Mas, agora, porém, com a venda da Santos Brasil, não teremos mais terminais bandeira branca em operação no porto, apenas os terminais vinculados a armadores”, diz Ávilla. “Precisamos tratar esse assunto com cautela, o que o governo fará no devido tempo.”