O bloqueio da rota marítima entre a Ásia e o norte da Europa na região do Mar Vermelho por parte de guerrilheiros houthis, do Iêmen, entrou no terceiro mês acumulando prejuízos para as companhias marítimas que transportam contêineres, sem previsão de uma normalização no curto prazo.

Depois de serem obrigadas a abandonar a rota mais curta, pelo Canal do Suez, desviando por outra que contorna o sul da África - acrescentando de 10 dias a duas semanas a cada viagem, além de 6.400 quilômetros -, as companhias marítimas tiveram que aumentar o número de navios nos trajetos longos, gerando mais custos, e agora enfrentam congestionamentos para atracar em portos da Ásia e da Europa.

Desde 19 de novembro, os rebeldes houthis, apoiados pelo Irã, provocaram cerca de 80 incidentes, incluindo mais de 30 ataques com drones e mísseis contra navios comerciais e embarcações na região do Mar Vermelho.

A rota mais curta entre Ásia e Europa, por onde passa cerca de 12% do comércio global, transporta anualmente contêineres com mais de US$ 1 trilhão em mercadorias. De acordo com a plataforma PortWatch, do Fundo Monetário Internacional (FMI), o volume total de trânsito por meio dessa rota caiu 37% este ano até 16 de janeiro, em comparação com o mesmo período do ano anterior.

Os rebeldes houthis dizem que os ataques são em solidariedade aos palestinos e em protesto contra a guerra Israel-Hamas, iniciada em outubro. A chegada de navios militares americanos e britânicos à região em janeiro não conseguiu parar os ataques, embora tenha reduzido nas últimas semanas.

Portos cheios

Jeremy Nixon, executivo-chefe da Ocean Network Express (ONE), do Japão, afirmou que muitas companhias marítimas estão enfrentando problemas de agendamento para atracar nos principais portos ao longo da rota do Cabo da Boa Esperança, como Cingapura, Dubai e nos portos ao redor do estreito de Gibraltar.

Segundo ele, os atuais desvios no Mar Vermelho geraram problemas em cascata. Um deles, a falta de navios. Com um prazo previsto de 102 dias para completar uma volta entre a Ásia e o Norte da Europa e regressar através do Cabo da Boa Esperança, a ONE teve de mobilizar 16 navios para um serviço semanal, em vez dos 12 normais.

Para tentar minimizar atrasos, os navios da ONE passaram a navegar de 10% a 15% mais rápidos. A tarifa mais cara, porém, não compensou o aumento de custos.

“Simplesmente não há navios suficientes disponíveis globalmente para cobrir esses tempos de trânsito muito mais longos”, disse Nixon ao jornal britânico Financial Times.

Outros dados indicam que uma conjunção de fatores, além da crise no Mar Vermelho, está prejudicando as companhias do setor.

Um deles foi o efeito das alterações climáticas, que estão baixando os níveis de água doce no Canal do Panamá, afetando outra importante rota marítima, que teve redução de 36% no trânsito em comparação com o ano passado.

Outro problema para as companhias marítimas, que começou a ganhar corpo em meio ao início dos ataques houthis, foi a previsão de um excesso de capacidade do setor.

Espera-se que a capacidade da frota mundial de navios-contêineres cresça cerca de 8% em 2024, um índice bem acima dos 3% da procura, o que em tese tende a rebaixar as tarifas cobradas pelas companhias marítimas dos clientes.

Esse aumento da frota é atribuído aos investimentos antecipados das companhias em navios que navegam com combustíveis mais limpos, antes das novas regras de emissões do setor esperadas para 2027.

As ações da dinamarquesa AP Møller-Maersk, operadora da segunda maior frota de navios porta-contêineres do mundo, caíram 13% no início do mês, depois que seu presidente-executivo alertou que o excesso de capacidade da indústria colocaria os lucros da empresa “sob pressão”.

A Maersk anunciou que iria desfazer-se da quinta parte de um plano de recompra de ações, no valor de US$ 1,6 bilhão, que tinha anunciado em novembro.

A decisão foi tomada depois do anúncio dos resultados do quarto trimestre de 2023, no qual reportou um prejuízo operacional de US$ 537 milhões, em comparação com um lucro de US$ 5,1 bilhões um ano antes.

O prejuízo, por enquanto, está restrito às companhias marítimas. Isso porque, por mais importante que seja, apenas 11% do comércio global flui através do Mar Vermelho - índice insuficiente para perturbar a economia mundial.

“Até a data, os aumentos dos custos de envio – embora importantes em dimensão – permanecem significativamente inferiores aos observados nas fases finais da crise da pandemia”, disse Marion Jansen, diretora da Divisão de Comércio e Agricultura da OCDE.