Há pouco mais de dez anos, quando ainda era pouco conhecida do grande público, a Empiricus soltou uma carta que provocou bastante barulho no mercado financeiro e no mundo político, fazendo a casa de research para pessoas físicas ganhar projeção nacional e colecionar muitos desafetos.
Com o título de “O Fim do Brasil”, o relatório, que depois se transformou em livro, traçava um cenário tenebroso para a economia brasileira. Em linhas gerais, o estrategista-chefe da Empiricus, Felipe Miranda, e sua equipe, destacaram que as medidas intervencionistas tomadas pelo governo de Dilma Rousseff, e antes dela também, essencialmente quebrariam o País.
Quase 11 anos depois, a Empiricus quer novamente chamar a atenção do mercado com uma provocação semelhante, vendo paralelos entre o governo Lula 3 e o pior momento da economia, apesar de pontuar algumas diferenças entre os dois períodos.
Em relatório intitulado “‘O fim do Brasil 2.0? Diferenças e semelhanças com 2015”, a casa alerta para a possibilidade de o cenário se repetir se o governo não mudar de direção e demonstrar uma política fiscal responsável. “Se o governo dobrar a aposta em gastos, o País caminha para uma direção ruim”, diz Miranda, em entrevista ao NeoFeed. “A direção é ruim e o nível da dívida é alto. Então, não é preciso fazer tanta bobagem para disparar a dominância fiscal.”
Segundo ele, se o governo elevar os gastos, conseguir evitar a desaceleração da economia e, de quebra, for reeleito, ele se sentirá estimulado a seguir por um caminho que não deu certo no passado. Miranda diz que, além do risco de uma nova recessão, essa política estimulará a fuga de empresários e investimentos do País.
Apesar do alerta, o cofundador, co-CEO e estrategista-chefe da Empiricus vê alguns fatores evitando que o País caia no precipício. Primeiro: é o fato dessas políticas intervencionistas terem tido pouco tempo para prejudicarem a economia. Ele destaca ainda o trabalho do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com medidas responsáveis em termos fiscais, apesar de sua “sanha arrecadatória”, e a autonomia do Banco Central.
Mas talvez o ponto mais relevante seja o fato de o PT não ter a mesma força que tinha no biênio de 2014-2015, com o Congresso mais alinhado à direita. “O PT está muito mais fraco”, diz Miranda.
O fato de o País estar mais para a direita, inclusive, serve como incentivo para estar investido na Bolsa, que assim como no passado está em patamares bem baratos. Miranda avalia que existe uma boa possibilidade de Lula não se reeleger, com o País escolhendo um presidente pró-mercado.
O novo alerta sobre o Fim do Brasil vem em um momento muito distinto para a própria Empiricus. Depois da publicação da carta, a casa viu o número de assinantes dar um salto, saindo de 35 mil em 2014 para chegar a quase 450 mil em 2021.
Com essa popularidade, a companhia expandiu suas operações, se associando com a gestora Vitreo em 2020 para criar a holding Universa e ganhar espaço no mercado de investimentos, brigando com as grandes plataformas e bancos.
Mas a virada da maré, com a Selic subindo no pós-pandemia, pegou as empresas com foco na pessoa física, inclusive a Empiricus. Atualmente, conta com 350 mil assinantes, abaixo da pretensão de 1 milhão nos tempos áureos. E, em 2021, o BTG Pactual comprou a Universa, pagando R$ 440 milhões à vista e R$ 250 milhões em ações.
![Felipe Miranda, cofundador, co-CEO e estrategista-chefe da Empiricus](https://neofeed.com.br/wp-content/uploads/2025/02/felipe-miranda-empiricus.webp)
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista ao NeoFeed:
Você diz na carta que o País não vive o risco de um Fim do Brasil 2.0 neste momento, mas enxerga essa possibilidade mais adiante. Por quê?
Tem duas grandes forças presentes neste momento. Uma é a perda da popularidade do presidente Lula. E obviamente isso está correlacionado com o segundo elemento, que é a economia desacelerar. O grande medo é como o governo reagirá. Se o governo dobrar a aposta em gastos, o País caminha para uma direção ruim, porque o BC está tentando desacelerar a atividade e fazer a inflação convergir minimamente para dentro da meta. O juro é para cima, para frear a demanda agregada e aí conter a inflação, pelo menos na margem. E aí vem o que seria o Fim do Brasil 2.0.
Como assim?
Se conseguir postergar a crise, esse governo conseguiria ser eleito, o que estimula continuar nessa direção ruim. E aí grande parte da elite intelectual, empresarial brasileira desistiria do Brasil. No “Fim do Brasil”, com a Dilma, ela herda muitos dos problemas do Lula 2, foi um processo de gestação longo. Atualmente, é o contrário, não tem muito tempo para levar o País para uma direção errada, porque tem o arcabouço fiscal, o Haddad está fazendo as coisas minimamente certas, o Congresso impede grandes barbaridades. Mas se vai para um novo ciclo ruim, boa parte da elite empresarial desiste do País.
"Esse ranço arrecadatório do Ministério da Fazenda incomoda, está desalinhado com que é o zeitgeist"
O fato do governo ter cumprido a meta fiscal de 2024, não é uma sinalização no sentido de uma responsabilidade fiscal?
Nas discussões, sempre acabamos falando: ou zero responsabilidade fiscal ou total responsabilidade. Mas existem vários tons de cinza no meio. Acho positivo o esforço, principalmente do Ministério da Fazenda, de ter algum tipo de responsabilidade fiscal. Mas quando se fala que a meta foi cumprida, é muito mais um artifício contábil do que um respeito à austeridade fiscal. O que importa é a evolução da dívida sobre o PIB. Não foram colocados os gastos com precatórios, a ajuda ao Rio Grande do Sul. E aí se cumpriu a meta. Mas o País tem um déficit estrutural em torno de 1,5% do PIB, não estabiliza a dívida.
A impressão é de que uma nova eleição do Lula pode desencadear essa situação. Se ocorrer, seria uma recessão do nível visto na época do governo Dilma?
Estou falando da eleição do Lula, mas não é sobre a pessoa dele. O Lula é capaz de fazer um governo pró-mercado como foi em 2003 e 2007. O que estou falando é da manutenção dessa política econômica. Se vai ser pior ou melhor do que na Dilma, eu acho que deveria ser menos intenso. Ser tão intenso quanto na época da Dilma seria muito difícil, porque o PT está muito mais fraco. E esse governo tem mecanismos internos que impediriam uma grande loucura. Mas a direção é ruim e o nível da dívida é alto. Então, não é preciso fazer tanta bobagem para disparar a dominância fiscal.
"A política fiscal é de estado ruim, mas esse governo adicionou um problema conjuntural"
A dívida parece ser a grande questão…
O nível da dívida e o quanto a gente paga nessa dívida é o grande ponto. Mas não é que tudo é melhor do que na era Dilma. Somando tudo, estamos melhor do que na época Dilma. Agora, esse é um indicador em que estamos pior, a dívida está muito alta e isso é muito preocupante. A boa notícia é que tem muita coisa que dá para fazer. O Estado é perdulário e é essa é uma questão que precisa ser colocada com profundidade. A política fiscal é de estado ruim, mas esse governo adicionou um problema conjuntural.
Em sua visão, o Haddad, nas intenções dele, está correto, mas partes do governo tentam puxar para outro lado que não seria positivo para o Brasil?
É um lado da história. Com o Haddad é ruim, mas é pior sem ele. Se fosse outra figura, o Brasil estaria numa situação muito pior. Ele tem feito um trabalho “mais heroico”, no sentido de defender alguma responsabilidade fiscal. Agora, eu preferiria um ministro da Fazenda que defendesse com mais intensidade um ajuste pelo lado gasto do que receita. Esse ranço arrecadatório do Ministério da Fazenda incomoda, está desalinhado com o que é o zeitgeist [espírito do tempo]. A sociedade não quer essa agenda. No caso do Pix, a medida era correta, houve fake news, mas o pano de fundo era arrecadar mais. Deu no que deu porque a sociedade está esgotada no lado da receita tributária.
No relatório, você também cita como ponto positivo a independência do BC. Considerando a relação do Galípolo com o governo, você entende que ele conseguiu dar uma segurança ao mercado de que é de fato independente?
Hoje, o Galípolo goza de uma boa reputação junto ao mercado. Ele adotou medidas corretas, votou com o Roberto [Campos Neto], fez declarações corretas. Mas, particularmente, não gosto da nomeação. Se pegar historicamente, os livros que escreveu com [Luiz Gonzaga] Belluzzo, com títulos como “Manda quem pode, obedece quem tem prejuízo", vemos uma abordagem de luta de classe. Preferia alguém mais ortodoxo, com uma trajetória acadêmica mais robusta e profissional de maior renome. Mas vamos ver. Ele será colocado à prova depois dos 14,25% já contratos para a Selic.
Diante dessa situação toda, no caso da renda variável, como fica o ambiente para se investir?
Eu entendo que é preciso estender o horizonte temporal até 2026 e aí eu acho que tem que ser comprador de Bolsa. Tenho defendido um pacto fáustico de se associar a uma política que você não concorda, porque se este ano for ruim, ele contrata uma alternância do ciclo de economia política em 2026. O mercado vai antecipar o rally eleitoral e 2026 vai ser fantástico. Provavelmente vai ter um governo reformista, fiscalista, pró-mercado. E em 2030 provavelmente o Lula não compete, por conta da idade, e não tem ninguém competitivo na esquerda. Se 2025 for ruim, será um ano ruim para nove bons. Gosto desse trade. E se for bom, foi bom, não precisamos nos preocupar com o cenário bom.