Em meio às discussões a respeito da trajetória dos gastos públicos a partir do próximo ano, o ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco entende que o País precisa iniciar o mais rápido possível um debate a respeito sobre quais são as prioridades do Estado e como encaixá-las dentro do orçamento. 

Para ele, que comandou a autoridade monetária entre 1997 e 1999, o que ocorre, principalmente entre os políticos, é uma negação em relação à situação fiscal que o Brasil vive há anos. E essa postura acaba resultando em um aumento do endividamento público, jogando a conta final para a próxima geração. 

“Precisamos pensar no fiscal como sonhos e possibilidades para a nação, que se expressam no orçamento, e do jeito que está hoje, os sonhos são muito maiores que as possibilidades”, disse ele nesta quinta-feira, dia 15 de de dezembro, em live promovida pela Kinea Investimentos

Para Franco, em um País em que os sonhos são maiores que as possibilidades, ele saca contra o seu próprio futuro. "Ele se endivida coletivamente, acreditando que vai ficar rico no futuro e antecipa sua fortuna para gastar hoje, e com isso oneramos nossos filhos e netos”, disse o ex-presidente do BC. 

Em sua visão, é preciso conversar sobre os caminhos que precisam ser tomados para equilibrar o orçamento, seja com menos despesas ou mais receita. E essa discussão precisa passar pelo Legislativo. Sem solução, o BC acaba sendo obrigado a elevar a taxa de juros, prejudicando o perfil da dívida. 

“O primeiro assunto é superar o negacionismo dos senhores parlamentares, porque quando se leva essa discussão, de que os recursos são escassos, é preciso aumentar receita ou reduzir despesa, o parlamentar médio dirá que não existe isso”, afirmou. “Chega de antivax nesse assunto, vamos trabalhar com aquilo que a ciência consagrou.”

Franco demonstrou certo otimismo com algumas sinalizações dadas pelo próximo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de revisão do arcabouço fiscal. E espera que se discuta a lei que rege o orçamento, de 1964, afirmando que ela não funciona como uma “arena transparente e relevante de cotejo entre sonhos e realidade”.

Ele também falou sobre a necessidade de trabalhar uma agenda para melhorar a produtividade do setor público, afirmando que o tema precisa ser transformado numa agenda política, da mesma forma como o Plano Real foi, na década de 1990. 

Enquanto o lado fiscal ainda é a “grande fronteira” que o Brasil precisa atravessar, o lado monetário foi bem avaliado por Franco. 

Para ele, o BC conseguiu controlar a inflação, apesar da pandemia, em parte, graças à independência que a autarquia adquiriu no ano passado. O ex-presidente da autoridade monetária disse que isso foi essencial para reduzir a instabilidade que eleições presidenciais produzem no País. 

"A inflação deve ficar abaixo de 6%, um índice de primeiro mundo”, afirmou. “Em matéria de inflação, saímos da Conmebol e fomos para a Champions League.”