O atual ciclo de inflação e juros elevados nos países de alta renda é temporário e não se consolidará como uma tendência de longo prazo. Isso significa que os países ricos deverão ter juros mais baixos mais para frente, mas talvez não tão baixos como vinham registrando nas três décadas anteriores ao início da pandemia.

A previsão é do economista Ilan Goldfajn, presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), banco de fomento do desenvolvimento para a América Latina e o Caribe. Ele participou nesta quinta-feira, 23 de novembro, via uma apresentação online de Washington, do 18º SIAC, evento da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi).

Goldfajn, ex-presidente do Banco Central brasileiro e ex-diretor do Fundo Monetário Internacional (FMI), afirmou que a discussão em relação ao ciclo de juros baixos que vigorava no Primeiro Mundo desde os anos 1980 ainda divide o meio acadêmico.

Segundo ele, os juros mais elevados atuais são resultado do que ele qualificou de um “momento particular”: o aumento da inflação, causado pela pandemia e pela crise gerada com a invasão russa da Ucrânia, impactando nos preços de energia e de alimentos. Isso gerou uma política monetária contracionista dos bancos centrais, que elevaram os juros para controlar o crescimento da inflação.

“Quando a inflação baixar, a tendência é os juros voltarem a um patamar inferior”, afirma Goldfajn, lembrado que há questões estruturais que empurram para baixo a taxa de juros no longo prazo, como o fato de haver mais poupança disponível no mundo.

O presidente do BID observa que a vertente de acadêmicos que acredita que os juros ficarão mais altos para sempre é alinhada à visão de que a subida de juros não é só efeito da pandemia. “Na verdade, houve uma inconsistência entre o que as pessoas queriam e o que podia produzir naquele momento que a pandemia paralisou a economia global”, diz.

Goldfajn afirma que o resultado foi o surgimento de uma inflação inercial no Primeiro Mundo, em especial. “As economias têm uma certa inércia de indexação informal de preços e os países de alta renda estão aprendendo isso”, afirma. “A inflação, quando sobe, demora para cair. No Brasil, já sabíamos, mas os países de alta renda estão aprendendo agora.”

De maneira elegante, o economista sugere ficar no meio termo nesse debate. “Aquele período das últimas três décadas foi excepcional, mas a ideia de que teremos juro zero ou negativo não é para sempre”, afirma.

Neste sentido, ele atribui parte da subida de juros nos países ricos a uma questão temporal, datada. “A inflação demora para cair, exige paciência e persistência”, observa. Por isso, prevê nos países ricos um cenário diferente do atual e também ao anterior à pandemia.

“Vamos ver juros mais baixos mais para frente, mas talvez não tão baixos como nos acostumamos a ver nas últimas décadas”, acredita.

Dívida elevada

Goldfajn faz uma interessante reflexão entre esse quadro de juros e inflação mais elevados e como os governos dos países riscos terão de administrar o aumento do déficit público – que cresceu de forma exponencial, por causa das transferências de dinheiro na época da pandemia, atingindo índices acima de 100% do PIB, algo inédito no Primeiro Mundo.

“A consequência é que esses governos terão de ser seletivos nos gastos públicos, ou seja, terão de estabelecer prioridades para usar os recursos, que tendem a ser mais escassos”, diz.

Segundo ele, há poucas diferenças, na América Latina e no mundo, na avaliação de quais gastos deram certos ou não,  acrescentando que os países emergentes estão mais adiantados nesse processo de priorizar gastos.

Ele cita o exemplo do Equador, que tinha uma dívida muito elevada e estabeleceu uma aposta: cuidar da preservação das Ilhas Galápagos, um dos ecossistemas mais diversos do mundo. Em junho, o governo lançou um swap de dívida por conservação da natureza, numa operação complexa que transformou US$ 1,6 bilhão de títulos internacionais num único empréstimo de US$ 656 milhões.

“Temos recebido vários pedidos de troca de dívida por saúde, educação ou transição energética, os países estão começando a atuar no sentido de tentar administrar essa dívida mais alta, com juros elevados”, afirma Goldfajn.

O presidente do BID diz que o Brasil e os países da América Latina têm um desafio estrutural por causa das demandas de serviços públicos, sendo que os governos têm restrições fiscais para gerar recursos para impulsionar a economia.

“Há ainda os efeitos das mudanças climáticas, que são registrados em todos os países da região, como a seca na Argentina e Uruguai, enchentes no Brasil, furacão no Caribe e queimadas no Chile”, enumera.

Segundo ele, o BID está atento à necessidade de financiamento para estimular a transição energética na região. Ele diz que o Brasil, além de ter matriz energética, está numa posição privilegiada, com títulos verdes. “Tivemos a primeira emissão brasileira de títulos sustentáveis, no valor de US$ 2 bilhões, que o BID contribuiu na criação do arcabouço junto ao Tesouro Nacional”, ressalta.

Segundo ele, o banco tem vários projetos desse tipo em andamento. “O BID se juntou a uma coalização verde com 20 instituições financeiras da América Latina para financiar projetos de bioeconomia de US$ 5 bilhões”, diz Goldfajn. “Não vai faltar crédito.”