O leilão de arrendamento do chamado Tecon 10 – que envolverá a expansão de 50% do terminal de contêineres STS 10 no Porto de Santos, hoje operando no limite -, inicialmente previsto para este ano, poderá ser adiado.

O subprocurador do Ministério Público junto ao TCU (Tribunal de Contas da União), Lucas Rocha Furtado, pediu nesta quarta-feira , 28 de maio, a suspensão do processo de leilão do megaterminal Tecon 10, que deverá movimentar R$ 5 bilhões, até a deliberação do mérito pelo TCU.

O pedido foi feito à Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) e ao Ministério dos Portos e Aeroportos.

Por trás da iniciativa do MP está uma polêmica em torno dos atuais operadores de contêineres do porto – que inclui gigantes do setor –, que tiveram participação no certame rejeitada pela Antaq, conforme consta a proposta final para a licitação enviada pela agência ao Ministério de Portos e Aeroportos.

Na proposta assinada pelo diretor-geral substituto da Antaq, Caio Farias, o leilão seria realizado em duas etapas. Na primeira, a disputa seria restrita a empresas sem operação de contêineres na região do porto, para evitar o risco de concentração do mercado no porto santista. Somente se não aparecer concorrentes nessa primeira fase, ela seria aberta aos atuais operadores.

O veto surpreendeu as empresas que atuam no porto. São elas a BTP, que é controlada pelos dois maiores armadores do mundo, MSC e Maersk, e a Santos Brasil, que passou a ser controlada pelo armador CMA CGM, terceiro maior.

A DP World, empresa dos Emirados Árabes que opera terminais em 75 países, também foi atingida. Ela atua como um operador independente (também chamado de bandeira branca), ou seja, diferentemente das outras duas gigantes, não tem linhas de navegação.

Procuradas pelo NeoFeed, as operadoras não quiseram se manifestar.

O leilão é aguardado com expectativa pelo setor. O porto de Santos é o maior da América Latina, responsável por 40% do volume movimentado no País. O vencedor do certame vai construir um megaterminal de contêineres e um terminal de passageiros para navios de cruzeiro.

A estrutura a ser erguida ocupará 423 mil metros quadrados em 1.300 metros de cais. A expectativa é que entre em operação em 2027 e, a partir de 2034, movimente 3,5 milhões de TEUs (referência para unidades de contêineres de 20 pés). A promessa é de aumentar entre 40% e 50% a movimentação no porto.

As operadoras teriam ficado irritadas não só com a restrição de participação do certame, mas com as exigências frouxas para os concorrentes – entre elas, que a empresa interessada já tenha operado um terminal com 100 mil contêineres/ano, o que é menos de 5% da capacidade do terminal a ser leiloado e um nível considerado muito baixo para o mercado.

Outros portos com grande movimentação de contêineres, como de Xangai, Singapura, Ningbo-Zhoushan e Shenzhen, detêm operações concentradas. No porto de Singapura, por exemplo, uma única operadora global, a PSA, concentra 99,46% da movimentação, distribuída em seis terminais, sendo quatro por ela operados.

O argumento em contraponto à concentração é que a operação realizada por poucas empresas reduz o custo médio por TEU movimentado, por causa do volume maior de contêineres.

Além do debate se a decisão de prescindir dos atuais operadores - que já possuem uma base de volume e experiência no porto – vai na contramão do desejo de facilitar a escala e eficiência das operações no novo terminal, chamou a atenção os potenciais concorrentes de fora que teriam interesse em participar do leilão.

Entre eles, a chinesa Cosco - que é a quarta maior empresa de navegação do mundo – e outros operadores portuários gigantes, como a Hudson Ports (EUA), o ICTSI (Filipinas) e a JBS Terminais, dos irmãos Joesley e Wesley Batista.

Risco de concentração

Na proposta encaminhada ao Ministério dos Portos, o diretor-geral substituto da Antaq seguiu a sugestão de uma nota técnica da Gerência de Regulação do órgão, apontando para o risco de concentração do mercado de contêineres no porto em Santos em caso de vitória de um dos atuais operadores.

Segundo ele, seria necessária uma intervenção da agência na defesa “do interesse público e do usuário”, tendo em vista os vários conflitos concorrenciais devido ao controle de terminais por grupos armadores. Farias diz que a agência já tomou decisões semelhantes em matéria concorrencial para outros arrendamentos portuários.

Procurada, a Antaq enviou nota na qual afirma que o órgão é “defensor da competitividade e entende que as concentrações de mercado devem ser evitadas”.

A agência confirmou que a participação dos atuais operadores só será autorizada numa segunda fase dos leilões, “desde que apresentem compromisso de saída das participações que atualmente ocupam em terminal localizado no complexo”.

Na nota, a Antaq assegura que a decisão foi baseada em critérios técnicos, que levam em consideração dois indicadores principais: a concentração de mercado, que ultrapassaria o limite de 30% se um mesmo operador acumulasse o Tecon Santos 10 com outro terminal no porto; e o Índice Herfindahl-Hirschman (HHI), que também indicou níveis de concentração superiores aos aceitáveis para garantir um ambiente concorrencial adequado.

Os argumentos não convenceram o subprocurador do Ministério Público junto ao TCU, que pediu a suspensão prévia do leilão. Para Lucas Rocha Furtado, a restrição à participação dos atuais operadores do porto “apenas restringe de forma significativa a gama de interessados que viriam a contribuir com a competição e com a valorização do ativo na licitação”.

Segundo ele, ferir o princípio de se garantir igualdade de condições a todos os interessados resultará, ao final, em prejuízos ao erário federal, “que realizará a desestatização de um de seus mais valiosos ativos em condições competitivas não ideais”.

Felipe Kfuri, sócio do escritório L.O. Baptista Advogados e com atuação no setor de logística, afirma que alguns editais de licitação de terminais portuários trazem cláusulas que vedam essa possibilidade e o TCU já determinou ajustes em processos licitatórios para impedir a concentração econômica indevida.

Ele observa, no entanto, que a decisão da Antaq impede a participação de agentes que já conhecem o mercado relevante e que em tese poderiam apresentar propostas mais exequíveis.

“Para que uma eventual decisão de não permitir a participação de determinados operadores portuários na licitação do Tecon Santos 10 seja legítima, a mesma deve ser fundamentada por fatores econômicos, regulatórios e conjunturais, entre outras análises necessárias”, afirma Kfuri.

Atualização: Após a publicação da reportagem, o Ministério dos Portos e Aeroportos enviou nota na qual informa que a "Secretaria Nacional de Portos aprovou os estudos técnicos deliberados pela Antaq, após contribuições de audiência pública. No entanto, não é certo juízo de valor sobre o mérito do aspecto concorrencial, que será confirmado pelo TCU. Entretanto, ao longo da discussão, o MPor continuará colaborando com o debate para buscarmos o melhor caminho para o fortalecimento do Porto de Santos".