Brasília - O roadshow protagonizado pelo ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, e pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, em países europeus, na semana passada, para apresentar o projeto do Túnel Imerso Santos-Guarujá, de R$ 6 bilhões, conseguiu mobilizar grupos portugueses, holandeses e dinamarqueses.
A promessa é de resultados com investidores no projeto inédito e aguardado há 96 anos, que deve reduzir a travessia entre os dois municípios paulistas para até cinco minutos a partir de uma ligação seca.
Para além da “tabelinha” entre Costa Filho e Tarcísio e a própria inovação do projeto, o modelo de Parceria Público-Privada (PPP) do Túnel Santos-Guarujá deverá ser repetido nos contratos de grande porte da pasta. É o que garante Costa Filho em entrevista exclusiva ao NeoFeed.
“A ideia é essa: replicar esse modelo em outros ativos, inclusive em portos, acessos rodoviários e soluções urbanas”, diz Costa Filho, cuja pasta vem estruturando, desde o ano passado, um pipeline de investimentos públicos e privados em portos, aeroportos e hidrovias para impulsionar a economia e otimizar o escoamento da produção nacional.
O setor portuário, que fechou 2024 com um crescimento expressivo de 7,42%, é um destino esperado para essas PPPs. Estão previstas pelo menos 42 concessões e arrendamentos portuários em 2025 e 2026.
Entre as novidades está um modelo inédito de licitação do setor, o de concessão de canais de acesso aos portos, cujos vencedores terão obrigação de fazer dragagem e aprofundar o calado na área de desembarque de cargas para receber os navios porta-contêineres mais modernos, de grande porte.
Outra iniciativa é o leilão de arrendamento do chamado Tecon 10 – que envolverá a expansão de 50% do terminal de contêineres STS 10 no porto de Santos, hoje operando no limite, além da construção de um novo terminal de passageiros, no valor de R$ 4 bilhões.
O leilão do Tecon 10 ocorrerá junto com o processo de licitação do Túnel Santos-Guarujá, que terá um acesso direto ao Porto de Santos, que receberá outras obras de melhorias.
O trabalho conjunto entre Costa Filho e Tarcísio é por si só algo raro entre governos federal e estadual divergentes politicamente. “O fato de termos uma articulação sólida entre governo federal e estadual tem reforçado a credibilidade da proposta”, afirma Costa Filho, que admite as dificuldades iniciais no projeto da PPP.
Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista com o ministro:
Como foi a receptividade dos investidores europeus em relação ao Túnel Imerso Santos-Guarujá?
A missão foi extremamente positiva. Nos reunimos com algumas das maiores referências mundiais em túneis imersos — como a Ballast Nedam, a TEC, a Femern A/S, Motta Engil, CCCC e a Immontec — e encontramos um ambiente muito receptivo. O projeto é visto como inovador para o Brasil e com alto potencial de replicação em outras regiões. O fato de termos uma articulação sólida entre governo federal e estadual tem reforçado a credibilidade da proposta. É um sinal claro de que estamos levando a sério a agenda de infraestrutura, com base técnica e visão de longo prazo.
O Túnel Santos-Guarujá chama a atenção por ser uma Parceria Público-Privada (PPP) de R$ 6 bilhões, uma modelagem diferente no histórico de obras públicas de grande porte, normalmente bancadas pelo Estado. O governo federal pretende usar mais essa modelagem para atrair capital privado internacional?
Sem dúvida. O modelo de PPP patrocinada é uma ferramenta importante para destravar projetos complexos, especialmente em infraestrutura logística. Ele permite combinar a força do investimento público com a eficiência e a capacidade técnica do setor privado. Com o túnel, estamos mostrando que é possível entregar uma obra estruturante com partilha de risco bem definida. A ideia é replicar esse modelo em outros ativos, inclusive em portos, acessos rodoviários e soluções urbanas, sempre com responsabilidade fiscal e atratividade para investidores.
"A ideia é replicar esse modelo em outros ativos, inclusive em portos, acessos rodoviários e soluções urbanas, sempre com responsabilidade fiscal e atratividade para investidores"
O projeto do túnel teve cinco modelagens diferentes entre 2022 e 2024, em meio à polêmica sobre a privatização do Porto de Santos. A modelagem escolhida foi definida em poucas semanas. Isso não representa um risco de reestruturação futura do projeto?
É verdade que houve um histórico de indefinições, mas o cenário hoje é completamente diferente. A modelagem atual foi construída de forma técnica, com apoio do BNDES, da EPL e do governo de São Paulo. Ela passou por todos os crivos necessários. Além disso, parte da nossa missão na Europa tem sido justamente validar pontos sensíveis com empresas que têm experiência em túneis imersos em países como Dinamarca, Holanda e Coreia do Sul. Estamos buscando segurança jurídica, técnica e contratual. Isso fortalece a modelagem e reduz significativamente o risco de revisões futuras.
Na licitação que precedeu a PPP, a disputa deve se basear na menor contraprestação pública. Como o governo pretende evitar que uma proposta com desconto excessivo comprometa a qualidade da obra?
O modelo de licitação é baseado no menor valor da contraprestação pública anual, com possibilidade de desconto de até 100%. Mas não basta oferecer o menor preço: as empresas terão que comprovar capacidade financeira e técnica para executar a obra e operar o túnel por 30 anos. Além disso, há exigências contratuais de desempenho, cláusulas de proteção à qualidade e mecanismos de penalidade se as metas não forem cumpridas. O objetivo é garantir um equilíbrio saudável entre custo e qualidade.
Há preocupação de moradores com desapropriações, principalmente em Vicente de Carvalho, no Guarujá, onde existem muitas ocupações irregulares. Como o governo está lidando com isso?
É uma preocupação legítima e estamos tratando com toda a seriedade. A responsabilidade pelas desapropriações é do governo estadual, mas estamos acompanhando de perto para garantir que as famílias afetadas tenham soluções justas e dignas. Estamos falando de reassentamentos, indenizações e acompanhamento social. Nenhuma grande obra pode ser feita sem olhar para o impacto humano. Esse cuidado faz parte da nossa diretriz de desenvolvimento com inclusão.
Estão previstos também R$ 8,6 bilhões em recursos para outros 11 projetos no Porto de Santos. Essas obras estão confirmadas? Há um plano para evitar gargalos logísticos?
Sim, os investimentos estão no planejamento e integram uma estratégia coordenada de modernização da infraestrutura portuária. O túnel é parte desse conjunto, mas temos também intervenções em acessos viários, sistemas ferroviários e terminais. Nosso foco é garantir que essas obras aconteçam em sinergia, evitando sobrecarga no porto e melhorando a eficiência logística do maior terminal da América Latina. A integração entre os modais é parte central dessa estratégia.
Um dos pontos mais críticos apontados por ambientalistas é a dragagem e remoção de sedimentos do fundo do mar. Qual será o destino desses resíduos?
O componente ambiental do projeto é levado muito a sério. A dragagem será feita com base em estudos técnicos, acompanhada por monitoramento rigoroso e de acordo com exigências dos órgãos ambientais, como o Ibama e a Cetesb. Os sedimentos dragados serão analisados e terão destino apropriado, conforme seu nível de contaminação ou reutilização possível. Estamos nos baseando em boas práticas internacionais, inclusive nas observadas na Dinamarca, no túnel Fehmarnbelt.
Quando o projeto foi anunciado, surgiram críticas ao modelo financeiro: apenas 14% do investimento seria privado, com 86% oriundo do setor público. O governo se cercou de garantias para evitar distorções nesse arranjo?
Sim. A divisão entre público e privado reflete a natureza do projeto: é uma obra de alto interesse social, com risco tecnológico elevado, com cuidado ambiental relevante e demanda urbana difusa. Nessas condições, é natural que o poder público tenha maior participação no aporte inicial. Ainda assim, o setor privado assume a execução, operação e manutenção da infraestrutura por 30 anos, com metas e penalidades contratuais claras. A modelagem foi construída para evitar assimetrias e garantir que a obra seja entregue com qualidade, prazo e sustentabilidade.