Por conta de sua inexperiência política, o presidente argentino Javier Milei cometeu erros na largada de seu governo que deverão dificultar sua tarefa de obter apoio dos argentinos para o duríssimo pacote econômico para derrubar a inflação, cujas primeiras medidas foram anunciadas no início da noite de terça-feira, 12 de dezembro, pelo ministro da Economia, Luis Caputo.
A advertência é do economista Fabio Giambiagi, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Ibre), com passagem pelo Banco Mundial, e um profundo conhecedor do país – nascido no Brasil de pais argentinos, mudou-se com a família na infância para o país vizinho, onde morou até a adolescência, quando voltou de vez ao Brasil.
“A lua de mel que todo presidente tem ao assumir o cargo vai durar dias para Milei, e não semanas ou meses, como em outros países”, avisa Giambiagi, lembrando que algumas medidas, como as anunciadas, deverão corroer rapidamente a imagem do presidente.
O pacote ortodoxo anunciado por Caputo após vários adiamentos ao longo do dia prevê um corte profundo nos gastos públicos e uma reforma do Estado.
“É fundamental solucionar nosso vício ao déficit fiscal”, disse Caputo, numa mensagem gravada, confirmando revisão dos subsídios para as tarifas de energia e transportes e a desvalorização da moeda nacional frente ao dólar, que passou a ser cotado em 800 pesos - contra 365 pesos na semana passada.
Segundo Giambiagi, o presidente terá dificuldades de convencer a população, acostumada a ver os preços tabelados e as tarifas públicas subsidiadas, a apoiar a inevitável desvalorização da moeda e a queda do poder aquisitivo em meio a uma inflação que deve atingir até 20% ao mês em janeiro.
“Uma coisa é falar em sacrifícios no discurso de posse e ser aclamado, como ocorreu domingo, mas quando os argentinos começarem a perceber o custo do ajuste, a próxima manifestação popular será da oposição e já na semana que vem”, prevê Giambiagi.
O dia seguinte à posse mostrou como o clima político tende a ficar instável na Argentina. O índice S&P Merval, da Bolsa de Buenos Aires, encerrou a sessão de segunda-feira, 11, em clima de euforia, com alta de 3,71%, aos 976.823 pontos, após atingir a máxima histórica de 981.684 ao longo da sessão.
Ao mesmo tempo, os supermercados aproveitaram o fim do tabelamento de preços acertado com governo anterior e começaram a reajustar os preços de vários produtos, com índices que variaram entre 25% e 100%. Para segurar o câmbio, o Banco Central exigiu anuência prévia do órgão para todas as operações envolvendo moeda estrangeira.
Giambiagi observa que o presidente argentino está pagando o preço por sua inexperiência política. Segundo ele, na última quinta-feira, quando o novo Congresso Nacional eleito fez a sessão inaugural, Milei errou ao apoiar Martín Menem (sobrinho do ex-presidente Carlos Menem), um deputado inexperiente de seu partido, para a presidência da Câmara dos Deputados – cargo chave para pautar a votação de leis de interesse do governo.
Além da presidência, os deputados de oposição escolheram os líderes de todas as comissões, e o grupo do governo ficou à margem.
“Os partidos maiores engoliram Menem e dividiram as comissões entre eles, enquanto os deputados de primeira viagem do governo, numa situação ridícula, ficaram tirando selfies”, diz Giambiagi. “Esse erro é uma espécie de pecado original que Milei vai pagar caro.”
O efeito foi sentido já no dia seguinte, na antevéspera da posse. De acordo com Giambiagi, a equipe econômica de Milei, que preparava os detalhes da chamada Lei Ônibus (pacote com várias medidas econômicas), prevista para ser anunciada na segunda-feira, 11, primeiro dia de governo, recebeu sinalização negativa do Legislativo.
“Foi por isso que o anúncio das medidas foi adiado” afirma o economista, lembrando que governo se viu obrigado a não incluir as medidas no pacote que dependem de aprovação do Congresso, como privatizações.
A maior dificuldade do presidente, de acordo com Giambiagi, será convencer os argentinos a pagar o preço para o atingir o equilíbrio fiscal. Ele cita o caso da conta de luz, com subsídios de 90%, o mesmo com os transportes públicos.
Segundo ele, a grande onda de remarcação ainda não apareceu, porque a última inflação divulgada foi de outubro e nesta semana vai ser divulgada de novembro.
“Virá uma inflação brutal, e os argentinos terão de enfrentá-la sem subsídios, com tarifas quatro ou cinco vezes mais elevadas e com salários congelados”, diz. “Não há lua de mel com o governo que resista.”
Argentinos mais pobres
O ministro Caputo anunciou no total dez medidas. “Definitivamente estamos diante da pior herança da nossa história, um país onde os argentinos são cada vez mais pobres, com um déficit fiscal que ultrapassa os 5,5% do PIB”, disse.
Além da redução dos subsídios de energia e transporte (sem citar quanto) e da desvalorização do peso, as medidas foram focadas em enxugar os gastos públicos.
Caputo anunciou o fim do controle de importações, a revogação dos contratos de trabalho do Estado com menos de um ano e a redução das transferências discricionárias para as províncias (estados). Os contratos publicitários do governo serão suspensos por 12 meses.
Quanto ao enxugamento da máquina pública, Caputo confirmou que os ministérios são reduzidos de 18 para 9 e os secretários de Estado, de 106 para 54. As licitações de novas obras públicas foram canceladas, assim como das licitações aprovadas “cujo desenvolvimento não tiveram início”.
Caputo enfatizou a necessidade de cortar subsídios e controlar a inflação. “Durante alguns meses vamos estar piores do que antes, principalmente em termos de inflação”, advertiu.
“Digo isto porque, como diz o presidente, é preferível dizer uma verdade incômoda do que uma mentira confortável", acrescentou, lembrando que os subsídios “não são de graça, são pagos com inflação”.
Economistas estimam que o objetivo do governo é zerar o déficit público em um ano. Hoje, o déficit primário para 2023 é estimado em 3,5% do PIB, bem acima do déficit de 1,9% autorizado no programa com o Fundo Monetário Internacional (FMI).