Mercado instável, mas sem a esperada corrida pelo dólar, e uma grande interrogação em torno de quem vai se eleger presidente da Argentina, país mergulhado numa profunda crise econômica, com inflação anual de 138% e reservas negativas. Os argentinos têm mais dúvidas do que certezas após a confirmação dos resultados do primeiro turno da eleição presidencial.

O candidato peronista e ministro da Economia, Sergio Massa, venceu o primeiro turno com 36,7% dos votos. O ultradireitista Javier Milei, que era favorito, somou 30% dos votos. Patricia Bullrich, candidata de centro-direita ligada ao ex-presidente Mauricio Macri, ficou com 24% e passou a se tornar a fiel da balança para a disputa do segundo turno, que ocorrerá em 19 de novembro.

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Boa parte dos analistas passou a segunda-feira, 23 de outubro, tentando explicar por que os argentinos levaram para o segundo turno candidatos tão impopulares (Massa tem 61% de rejeição e Milei, 53%).

O uso da caneta de ministro da Economia no primeiro turno emerge como a principal estratégia de Massa para o segundo turno. O caos econômico em que o país está mergulhado, por sua vez, é o maior trunfo de Milei.

Outra questão é como a combalida economia argentina vai sobreviver mais um mês ao embate entre o atual ministro da Economia – a rigor, responsável pela política econômica inflacionária – e o incendiário Milei, que promete dolarizar a economia, acabar com o Banco Central, privatizar estatais e terceirar a Educação e a Saúde, entre outras propostas que assustaram boa parte do eleitorado.

Os sinais emitidos pelo mercado dão o tom da instabilidade que ronda o país. O índice Merval, da Bolsa de Buenos Aires, caiu 9%, mas não houve um hecatombe previsto no mercado de câmbio, que fechou o dia com o dólar valendo 1.100 pesos, na média da semana passada.

Andrei Roman, CEO da AtlasIntel – o único instituto de pesquisa que previu a vitória de Massa – atribui o resultado mais a um efeito da votação nas prévias, em agosto (vencida por Milei), do que propriamente um crescimento expressivo do candidato do governo.

“As prévias serviram para marcar posição, e quem apoia o governo teve pouca participação, ao mesmo tempo, Massa conseguiu convencê-los a votar e ainda atrair para o primeiro turno todos os votos de esquerda, enquanto Milei foi prejudicado pela fragmentação do voto de direita, nele e em Bullrich”, afirma Roman.

Segundo ele, o candidato ultradireitista é favorito no segundo turno. “Massa só tem chance se conseguir destruir a credibilidade de Milei, mostrar que a eleição do opositor representa um salto no escuro maior que a continuidade que ele, Massa, representa”, diz Roman.

Radicalização

A disputa, no entanto, tem várias nuances. Por um lado, Milei pagou pelo preço da radicalização na parte final da campanha do primeiro turno, com suas declarações controversas sobre o valor do peso (“um excremento que não vale nada”), promessas de dolarizar a economia, rejeitada por 57% dos argentinos, além de usar uma motosserra como símbolo da “limpeza” que vai empreender no Estado argentino – eliminar ministérios, acabar com subsídios e liberar as privatizações.

“Agora, Milei terá de suavizar o discurso para atrair o eleitorado de centro-direita, de Bullrich, o que pode irritar quem votou nele no primeiro turno”, afirma a economista argentina Elisabeth Bacigalupo, da consultoria ABECEB.

Massa, por sua vez, claramente se deu melhor ao apontar o medo que as propostas radicais de Milei causaram em boa parte do eleitorado, principalmente o mais velho. Quase metade da população (cerca de 18,7 milhões dos 47,3 milhões de argentinos) é sustentada pelo Estado, entre militares reformados, aposentados e beneficiários de planos sociais, sem falar nos cerca de 3,8 milhões de funcionários públicos (o setor privado emprega 6,2 milhões de pessoas).

Entre as prévias e o primeiro turno, Massa adotou uma estratégia agressiva baseada em duas armas: a caneta de ministro da Economia e a mensagem de risco que a vitória de Milei representa para os argentinos.

A exemplo de Jair Bolsonaro, na eleição presidencial brasileira de 2022, Massa abriu os cofres do governo para distribuir benesses a todos os setores da população e da economia argentina, num plano conhecido como “plan platita” ("dinheirinho").

O pacote de bondades incluiu a restituição de 21% das compras em supermercados, independentemente de se tratar de alimento da cesta básica, eletrodoméstico ou produto de luxo. Além disso, adiou o aumento das tarifas de energia e transporte, decretou um bônus de 20 mil pesos para os desempregados e outro de 94 mil pesos para os trabalhadores informais.

Também lançou benefícios fiscais para os trabalhadores independentes, reforço mensal para aposentados e um montante fixo para funcionários do setor privado.

Para justificar o tamanho da conta, cerca de 1,5% do PIB, o governo argentino culpou o FMI. “As medidas se devem ao impacto da desvalorização imposta pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) à Argentina, precisamos proteger os salários dos trabalhadores”, disse Massa durante a campanha.

Para a economista da ABECEB, Massa passa a ter boas chances também no segundo turno com a caneta de ministro da Economia na mão.

“Ele deve conseguir manter o câmbio oficial em 365 pesos com os US$ 6,5 bilhões que o governo argentino obteve da China na semana passada”, diz Elizabeth Bacigalupo. “Além disso, se for necessário, pode mexer na taxa de juros e até soltar uma nova rodada do 'plan platita'”, acrescenta ela.

As reformas necessárias para estabilizar a economia argentina têm data marcada para ocorrer: após a eleição presidencial. Para o economista Nicolás Alonso, analista-chefe da consultoria Orlando Ferreres e Asociados, os dois candidatos terão de optar por uma rápida intervenção cambial – a diferença entre o câmbio oficial e o paralelo é de 160%.

“A situação das reservas internacionais é crítica e a diferença cambial está nos níveis mais elevados da história recente”, diz Alonso. “Neste sentido, pensar numa desvalorização repentina é inevitável, embora a magnitude dependa da força quem ganhar.”