Um economista brilhante, que sempre defendeu medidas ortodoxas na condução da política econômica dos governos brasileiros, incluindo controle rígido da inflação e a necessidade manter o equilíbrio fiscal, como forma de assegurar o crescimento do País.

A trajetória de Affonso Celso Pastore, professor universitário e ex-presidente do Banco Central, que morreu nesta quarta-feira, 21 de fevereiro, aos 84 anos, em São Paulo, em decorrência de complicações de uma cirurgia para tratar de problemas vasculares, foi marcada por posições firmes e rigor acadêmico na análise econômica.

“Pastore sempre foi um apaixonado pelo Banco Central, pelas causas do Banco Central, defendeu a autonomia, defendeu os nossos projetos, nossa agenda. É uma enorme perda”, afirmou o presidente do BC, Roberto Campos Neto, durante evento em Brasília na manhã desta quarta-feira.

Como acadêmico, Pastore influenciou uma geração de economistas que ajudou a formar como professor e Livre Docente da Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas da Universidade de São Paulo (FEA-USP) e, a partir dos anos 1990, como professor titular da Escola de pós-graduação em Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e também no Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec).

Pastore também teve passagens pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), ligada à USP, onde ocupou a coordenação de pesquisa. Antes de ser internado, Pastore vinha atuando pela consultoria AC Pastore & Associados, que fundou em 1993 ao lado da mulher, a economista Maria Cristina Pinotti.

Além da área acadêmica, teve atuação marcante no setor público, onde ingressou em 1966, como assessor do então secretário da Fazenda do Estado de São Paulo, Antonio Delfim Netto, seu ex-professor na USP. Em seguida, quando este assumiu o Ministério da Fazenda, em 1967, Pastore integrou a equipe de assessores do então ministro.

Seu maior desafio no setor público ocorreu entre 1983 e 1985, quando ocupou a presidência do Banco Central, durante a presidência de João Figueiredo. Foi um num período turbulento da economia brasileira, com inflação elevada, crise no balanço de pagamentos e uma difícil negociação da dívida externa com o Fundo Monetário Internacional (FMI).

"Entrei em meio a uma crise e fui o administrador dessa crise, não fui propriamente um presidente de Banco Central", revelou Pastore, anos depois, em depoimento ao Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), da FGV.

Crítico do Plano Cruzado

Fiel à cartilha ortodoxa, Pastore rejeitou adotar medidas de choque no BC. Na época, defendeu negociações com os banqueiros credores e com o FMI para solucionar o problema da dívida e apostou em rígido controle do déficit público como forma de ajudar a reduzir a inflação.

Coerente, foi um dos maiores críticos do Plano Cruzado, apresentado pelo então ministro da Fazenda, Dílson Funaro, em fevereiro de 1986, e as medidas heterodoxas que se seguiram.

Para Pastore, o governo errou ao adotar o congelamento de preços por acreditar que a inflação na época era inercial. Também condenou a decretação da moratória da dívida externa, em 1987, rebatendo a tese do governo de que um acordo com o FMI jogaria o País numa recessão.

Segundo ele, a moratória serve apenas para mostrar “a incapacidade do governo de negociar a dívida externa”, sem trazer resultados para a economia, tese comprovada pelos seguidos calotes recentes da Argentina.

Pastore deixa vasta obra, mas dois livros simbolizam suas ideias e posições: "Inflação e Crises", lançado em 2014, e "Erros do passado, soluções para o futuro: A herança das políticas econômicas brasileiras do século XX”, sua última obra, de 2021, em que faz um apanhado das crises recentes do País.

Este último livro traz textos de economistas Antonio Delfim Netto, Armínio Fraga, Celso Lafer, Edmar Bacha, Ilan Goldfajn, José Júlio Senna, Marcos Lisboa, Mário Magalhães Mesquita e Samuel Pessôa.

Na última eleição presidencial, Pastore ajudou a formular o programa econômico de Sergio Moro (União Brasil-PR), que antes de sair candidato a senador pelo Paraná, tentou ser presidente. Mais recentemente, vinha publicando artigos no jornal O Estado de São Paulo.

Em um de seus últimos textos, "A qualidade do crescimento econômico", publicado em janeiro de 2024, reforçou as críticas à política fiscal expansionista do governo Lula, que servem como alerta. Segundo Pastore, para crescer de forma sustentável é preciso elevar a produtividade e a taxa de investimentos em capital fixo.

“Teríamos de substituir os estímulos à demanda agregada vindos de uma política fiscal expansionista por uma política fiscal que gere taxas reais de juros baixas, que eleve a taxa de investimento e produza uma trajetória sustentável da dívida pública”, escreveu Pastore. “Mas isso contraria a visão do governo de que o crescimento depende dos gastos públicos, que elevam a popularidade do presidente.”