O Mercado Livre de Energia (MLE), que hoje permite apenas aos grandes consumidores de alta tensão escolherem seus fornecedores de energia elétrica, se prepara para uma ampliação a partir de 1º de janeiro de 2024. A expectativa é que essa mudança vai aumentar seu faturamento em R$ 40 bilhões por ano.

Mas duas preocupações rondam o setor. Uma delas é a exigência da legislação. A empresa que quiser migrar para o mercado livre precisa avisar a distribuidora com 180 dias de antecedência, o que está obrigando as comercializadoras a se mexer desde o primeiro semestre.

A outra é a demora da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) em regulamentar a portaria do ano passado que autorizou a ampliação do mercado de energia livre a partir de 1º de janeiro. A decisão pode sair apenas em dezembro.

A modificação deverá multiplicar por cinco as unidades consumidoras do mercado livre, que devem crescer das 34,4 mil atuais – compostas por indústrias e empreendimentos comerciais de grande porte, com consumo mínimo de 500 KW por mês – para cerca de 180 mil.

Os novos consumidores incluem padarias, shoppings, fábricas e pequenos comércios do segmento de média tensão, com consumo mínimo de 30KW. Hoje, esse grupo é obrigado a comprar energia da concessionária local.

Na prática, a ampliação – definida em portaria do Ministério das Minas e Energia baixada em 2022 – permite a migração a todos os consumidores classificados como Grupo A (conectados em alta e média tensão ou atendidos por rede subterrânea).

A novidade está mobilizando as comercializadoras de energia, que tentam convencer as empresas potenciais a fazer a migração, acenando com descontos de até 35% na conta de luz.

A ampliação deve impactar – e muito – o mercado livre. Para se ter uma ideia do alcance, a conta de luz mensal de uma unidade com consumo mínimo de 500 KW é na faixa de R$ 150 mil. Os pequenos empreendimentos de média tensão que passam a ser habilitados gastam em média apenas R$ 10 mil por mês com energia elétrica.

“Em número de consumidores, essa mudança representa um salto enorme, mas em consumo de energia elétrica, nem tanto”, afirma Rodrigo Ferreira, presidente da Abraceel (Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia).

Com a ampliação, a fatia de consumo de energia elétrica do país atendida pelo mercado livre deve passar de 38% para 48%. O avanço relativamente pequeno se deve ao fato de esses novos entrantes consumirem cargas menores. “O Mercado Livre de Energia passa a ganhar um perfil de atacarejo, uma mistura de atacado com varejo”, afirma Ferreira.

Segundo ele, os novos entrantes têm uma preocupação menor com o gasto de energia por causa do valor relativamente pequeno de conta de luz em relação aos grandes consumidores, que sempre precisaram ter uma gestão mais focada no consumo de energia elétrica para reduzir custos.

Por essa razão, o desafio das comercializadoras é primeiro mostrar a esses potenciais clientes os ganhos com a migração para o mercado livre, onde o preço é pré-estabelecido e o cliente não fica sujeito a mudança de tarifa por conta de bandeira amarela ou vermelha decretada pela Aneel.

Novas estratégias

Diante da falta de informações desses entrantes em potencial, as comercializadoras – e também as distribuidoras, que criaram um braço de comercialização em sua holding, com outro CNPJ, de olho nesse mercado – tiveram de inovar.

Muitas estão revisando seus modelos de negócios e desenvolvendo novas estratégias para se adaptarem à ampliação do mercado livre.

A Delta Energia, que atua há 21 anos no segmento, é um exemplo: delegou a uma empresa de comercialização varejista do grupo, a Luz – que fornece energia solar por geração distribuída (GD) compartilhada em 463 cidades –, a tarefa de atrair pequenas e médias empresas para o mercado livre.

“A ideia é aproveitar a experiência adquirida nas regiões onde já atuamos por meio de fazendas solares em GD e estendê-la aos consumidores do mercado livre, apostando na digitalização e segurança de dados”, afirma Luiz Fernando Leone Vianna, vice-presidente Institucional e Regulatório do Grupo Delta Energia.

O grande trunfo do grupo é uma ferramenta que usa Inteligência Artificial (IA) e faz toda parte de automatização, medições de consumo, busca de contratos e perfil de novos entrantes. Com isso, a Delta espera ampliar de 8% para 15% sua participação no mercado.

As distribuidoras também estão entrando no jogo. A holding da Eletrobras, por meio de sua comercializadora, aumentou sua base de clientes de 31 para 132 consumidores livres em um ano.

Além disso, está aproveitando as subsidiárias para potencializar sua força de venda, visando clientes empresariais.

Em recente entrevista, o CEO da empresa, Wilson Ferreira Júnior, disse esperar que, só com comercialização no mercado livre, a Eletrobras espera obter R$ 5 bilhões de faturamento nos próximos 10 anos.

Já a Cemig, distribuidora de Minas Gerais que também abriu uma comercializadora em sua holding, criou o “Energia Livre Cemig”, um sistema de e-commerce que oferece aos clientes de média tensão a possibilidade de simular e contratar energia renovável com desconto de até 35% na fatura mensal.

Em meio à corrida por novos clientes, a demora da Aneel em regulamentar a portaria ameaça o sucesso da abertura do mercado livre.

Em ofício recente encaminhado à agência, a Fiemg (Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais) cobrou agilidade e uma definição sobre a medição do sistema de faturamento, a principal pendência: se será feito pelo próprio consumidor, para isso investindo em adequações, ou se terá um modelo simplificado.

Em nota, a Aneel diz que a expectativa da agência é de abrir uma consulta pública sobre o tema no fim de agosto e finalizar a análise na última reunião pública de diretoria de 2023, prevista apenas para dezembro.

Essa demora está levando muitas empresas a esperar uma definição da Aneel antes de optar pela migração.