A medida provisória (MP) que recria o programa habitacional Minha Casa, Minha Vida, aprovada na semana passada pelo Senado e encaminhada para sanção presidencial, traz entre as novidades uma série de benefícios para que os futuros proprietários instalem painéis de energia solar em suas residências.

Mas graças a 'jabutis' - trechos estranhos ao projeto inicial, incluídos na MP durante tramitação na Câmara dos Deputados -, a novidade vai causar impacto anual de R$ 1 bilhão na conta de luz dos demais consumidores de energia, via aumentos nas tarifas.

O alerta é da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que enviou um ofício ao Ministério das Minas e Energia aconselhando o veto presidencial aos artigos da MP nos quais os jabutis foram inseridos.

A princípio, a proposta de instalar painéis solares nas moradias do programa habitacional foi elogiada por oferecer uma energia limpa aos moradores de baixa renda do Minha Casa, Minha Vida. Afinal, eles poderão gerar energia elétrica para consumo próprio por meio dos painéis fotovoltaicos que captam energia nos telhados, modelo conhecido como geração distribuída (GD).

Pela GD, o excedente de produção de energia do kit instalado no telhado é jogado na rede elétrica para alimentar outros consumidores. Em seguida, os megawatts (MW) que sobram são transformados em créditos e abatidos da conta de luz no mês seguinte pela distribuidora.

O problema, de acordo com a Aneel, é que a MP cria subsídios cruzados no setor elétrico para o segmento de habitação, sem a estimativa do impacto financeiro e tarifário.

Um dos jabutis, por exemplo, determina que todo proprietário de uma unidade tenha um desconto de 50% no valor mínimo que precisa pagar para manter um painel solar conectado à rede. O custo anual dessa medida foi calculado em R$ 429,5 milhões pela Aneel.

Outra medida obriga as distribuidoras de energia a comprarem o excedente de energia gerado nessas residências seguindo os Valores Anuais de Referência Específicos, que, a preços atualizados de abril deste ano, é de R$ 601,5 por megawatt-hora (MWh).

O problema, neste caso, é que as concessionárias estão com sobra de energia e o excedente é revendido a preço de mercado. De acordo com o indicador utilizado pelo setor, o Preço de Liquidação de Diferenças (PLD), o valor de venda de mercado é de R$ 69 por MWh.

Ou seja, a MP determina que as empresas distribuidoras deverão adquirir a energia das residências do programa habitacional com um valor fixo 770% superior ao de mercado (pelo PLD). Esse prejuízo será repassado aos consumidores mensalmente, com atualização da Selic. O potencial de impacto dessa diferença é de R$ 663,24 milhões por ano para os demais consumidores.

A MP, por fim, também dispensa a licitação para os órgãos públicos para aquisição de excedente de energia dos programas habitacionais. Na prática, esse jabuti exclui centenas de outras usinas que geram e comercializam energia no mercado livre de oferecer energia a preços competitivos.

Outros jabutis

Não é a primeira vez que jabutis inseridos em leis no Congresso Nacional geram custos para os consumidores de energia elétrica. Durante a análise da MP da privatização da Eletrobras, parlamentares rechearam a MP com uma série de propostas com impactos bilionários aos consumidores.

Um deles obriga a contratação de térmicas a gás em localidades sem o insumo e infraestrutura de escoamento e a prorrogação dos contratos do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa).

A própria legislação sobre geração distribuída (GD), que vigorou entre 2012 e janeiro deste ano, isentou quem instalasse painel fotovoltaico de cobrança do uso da rede (distribuição e transmissão) e de todos os impostos até o ano de 2045. Os subsídios vão custar R$ 5,3 bilhões para os demais consumidores nas próximas duas décadas.

Por isso, várias associações ligadas ao setor de energia reclamaram dos jabutis incluídos na MP. Marcos Madureira, presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), criticou a obrigação de que a energia seja comprada de forma compulsória para distribuir para o mercado regulado, num momento de sobrecontratação sistêmica.

“Essa diferença de custo vai pesar no bolso dos consumidores, sendo na prática um subsídio adicional ao mercado de GD”, afirma Madureira.

Já o engenheiro Luiz Eduardo Barata, presidente da Frente Nacional de Consumidores de Energia, observou que a MP original era suficiente para atender os interesses dos moradores do Minha Casa, Minha Vida.

“Somos favoráveis à instalação de painéis solares em programas habitacionais, nossa guerra é contra esse exagero de subsídios”, afirma Barata, que anunciou o envio de um ofício para a Casa Civil para o Ministério das Minas e Energia cobrando um veto presidencial a esses jabutis.

Segundo ele, as emendas inseridas na MP atendem a interesses de grupos de pressão que atuam no Congresso Nacional, como os empreendedores que vendem painéis solares. “Não há sentido em instalar painéis solares com capacidade de gerar energia quatro vezes maior do que a necessidade do condomínio”, diz, admitindo que o setor teme que a pressão política no Congresso Nacional acabe influenciando na decisão do Executivo de sancionar a MP como ela está.

Nem todas as entidades do setor reclamaram dos jabutis. A Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), por exemplo, elogiou a versão final da MP.

“O referido texto sobre a venda de excedentes foi amplamente debatido em audiência pública do Senado e surgiu das contribuições dos próprios senadores ao tema. Assim, fica evidente o reconhecimento do Congresso Nacional de que é necessário democratizar ainda mais o acesso à energia solar” diz a entidade, em nota.