A taxa de desemprego nos Estados Unidos ficou em 3,9% em abril, o nível mais elevado desde janeiro de 2022. Foram criados 175 mil empregos no mês passado, muito abaixo das expectativas, de acordo com dados divulgados na sexta-feira, 3 de maio, pelo governo americano.

O que seriam más notícias em outras épocas acabaram sendo comemoradas por analistas, mercado financeiro e até pelas autoridades monetárias.

Isso porque os dados mais recentes do mercado de trabalho indicam que a economia dos EUA está em desaceleração – uma condição necessária para o Federal Reserve (Fed), o banco central dos EUA, começar a baixar a taxa de juros, que estão no nível mais elevado em 22 anos.

Esse otimismo explica a reação do mercado financeiro dos EUA depois da divulgação dos dados de emprego. O índice S&P 500 subiu 1,1% até o começo da tarde, na direção de eliminar as perdas da semana.

Já o Dow Jones Industrial Average ganhou 425 pontos, ou 1,1%, enquanto o índice Nasdaq subiu 1,9%. Em outra reação considerada favorável, os  juros futuros nos títulos do Tesouro dos EUA de 2 e 10 anos caíram.

No Brasil, acompanhando a reação, o dólar teve forte queda, chegando a ser cotado a R$ 5,06 no final da manhã. O Ibovespa avançou mais de 1%.

Desde julho do ano passado, quando o Fed elevou a taxa de juros pela última vez para o nível atual entre 5,25% e 5,5% ao ano, a expectativa para o início do ciclo de cortes de juros vem aumentando gradativamente.

Isso porque a inflação, que chegou a atingir 9% ao ano em meados de 2022, começou a cair até fechar março (último mês com dados consolidados) em 3,5% ao ano, uma queda consistente, mas ainda longe da meta de 2% estipulada pelo Fed.

O aumento do desemprego ser comemorado nos EUA não é a única contradição que cerca o atual momento da economia americana.

O cenário de taxas de juros mais altas, em tese, deveria trazer sofrimento aos americanos. Até agora, porém, isso não aconteceu.

O mercado de trabalho é um exemplo. O temor de que as taxas de juros mais elevadas acabassem por aumentar o desemprego a níveis recordes não se confirmou.

Na verdade, ao longo do atual ciclo, o índice de desemprego nos EUA chegou ao seu nível histórico mais baixo, sendo que o mercado de trabalho ainda registra outro feito: uma surpreendente curva de aumento médio de salários.

Prosperidade com juros

Em meio a tantas notícias surpreendentes, um dado da economia dos EUA chama a atenção. Para alguns segmentos da população americana, os juros altos estão trazendo prosperidade.

Taxas elevadas de juros normalmente fazem baixar os preços dos ativos e prejudicam o mercado imobiliário. Mas, por uma série de fatores macroeconômicos após a subida da inflação, esses efeitos não foram sentidos pelo segmento específico de trabalhadores com rendimentos médios e elevados.

Muitos americanos nessa faixa socioeconômica, que já possuem casa própria ou pagam hipotecas com juros fixados na era pre-pandemia, foram os mais beneficiados.

Quando o Fed começou a subir as taxas de juros, o custo das novas hipotecas aumentou para cerca de 7% ao mês. Com isso, muitos desses proprietários abandonaram os planos de mudar de casa. De acordo com a plataforma Redfin, de venda de imóveis, cerca de 60% dos proprietários com hipotecas têm taxas inferiores a 4%, pré-pandemia.

Da mesma forma, o custo mais elevado de hipotecas desestimulou a construção de novas residências. O resultado foi um déficit na oferta de imóveis, causando uma valorização do mercado imobiliário de 46% desde a pandemia.

Ao mesmo tempo, os preços das ações recuperaram desde o final de 2023, em parte porque os investidores pensaram que o Fed tinha parado de aumentar as taxas e em parte porque se sentiam otimistas quanto às perspectivas de longo prazo para as empresas, com a eventual queda de juros.

O resultado é que a riqueza das famílias, que inicialmente diminuiu após os aumentos iniciais da taxa de juros do Fed em 2022, está agora atingindo novos picos para as pessoas na metade superior da faixa socioeconômica mais alta americana.

Isso explica, em parte, porque a economia americana registrou aumento de consumo – com mais dinheiro no bolso, os trabalhadores americanos, pelo menos das faixas mais abonadas, passaram a gastar mais.

Naturalmente, os juros elevados puniriam a parte de baixo das faixas socioeconômicas dos EUA. Mesmo para esses americanos, os efeitos não são tão ruins quanto seria previsto.

Boa parte desse público está vivenciando um excelente mercado de trabalho e taxas historicamente altas de crescimento dos salários reais. Com isso, o consumo também cresceu nesta faixa.

Por outro lado, por causa dos juros altos, também estão sentindo a dor dos custos mais elevados de empréstimos para compra de automóveis e de dívidas de cartão de crédito. De resto, o aumento das taxas de hipotecas congelou, por enquanto, os planos de compra de imóvel para essa faixa menos abonada.

Cortes pelo Fed

A reação do mercado ao aumento do desemprego reforça a certeza de que a economia entrou em processo de desaceleração, o que implica na possibilidade de o Fed considerar a iniciar o ciclo de corte de juros em breve.

Em relatório a clientes divulgado na sexta-feira, 3 de maio, o banco UBS aposta que, após a divulgação dos dados de emprego, o Fed provavelmente não deverá cortar nem aumentar a taxa de juros em suas duas próximas reuniões, de junho e julho.

O mais provável, diz o banco, é que o Fed faça dois cortes nas taxas de juros dos EUA ainda este ano, 0,25 ponto percentual (p.p.)  na reunião de setembro e 0,25 p.p. na reunião de dezembro.

Em linhas gerais, a análise do UBS reflete a reação do mercado financeiro. “Há muitos dados entre hoje e a reunião do Fed de setembro, incluindo cinco relatórios sobre inflação e outros quatro sobre emprego”, adverte o banco, evitando um tom demasiadamente otimista do cenário.

“Esses dados (a "totalidade dos dados", para usar a frase do presidente Jerome Powell desta semana) provavelmente terão um papel mais importante do que o relatório de emprego de abril  para a decisão do Fed de começar a reduzir a restritividade da política monetária na reunião de setembro”, conclui o relatório do banco.