Se vencer as eleições presidenciais em novembro deste ano e conquistar um novo mandato, Donald Trump pode realizar nos Estados Unidos um movimento bem conhecido por países emergentes (Brasil incluído): uma intervenção nos rumos da política monetária.
Assim como em "O Aprendiz", Trump pode evocar o you're fired para Jerome Powell, presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), demitindo o comandante da autoridade monetária antes do fim de seu mandato, previsto para terminar em 2026. Essa projeção faz parte da análise de Jon Lieber, analista sênior para os Estados Unidos da consultoria Eurasia.
“Existe uma incerteza em relação a como Trump será em relação ao Fed”, disse ele na terça-feira, 2 de abril, durante o 10th Brazil Investment Forum, promovido pelo Bradesco BBI. “O mandato de Powell termina em 2026, mas eu acho que ele pode tentar demiti-lo. Trump não gosta dele e não é claro que exista uma proibição legal [para isso].”
Embora tenha indicado Powell para o cargo de presidente do Fed em 2018, Trump passou a criticar a atuação dele quase que na sequência de sua nomeação, principalmente com a elevação da taxa de juros pela autoridade monetária.
No começo de fevereiro deste ano, Trump voltou à carga, acusando Powell de “direcionamento político”, dizendo que o Fed começará a cortar juros para “ajudar os democratas”. Ele disse ainda que não indicaria Powell para um novo mandato em 2026, sem fazer referência à possibilidade de demissão.
Apesar disso, Lieber afirmou que a possibilidade de Trump fazer pressão política, e até atuar para demitir Powell, gera incertezas a respeito do rumo da política monetária dos Estados Unidos a partir de 2025. “Quem vai substituir Powell e quando Powell será substituído provocam incertezas no rumo da política monetária”, afirmou o especialista.
Uma nova administração Trump não seria agressiva apenas com Powell. Para Lieber, a volta do ex-presidente também representaria um retrocesso para o desenvolvimento de energia limpa no país, uma bandeira do atual presidente, Joe Biden, que aprovou em 2022 um pacote de US$ 430 bilhões para fortalecer a segurança energética dos Estados Unidos, com foco em matrizes renováveis.
A China deve ser ainda mais fustigada por uma administração Trump, sofrendo com ainda mais sanções. O analista da Eurasia disse que o governo americano poderia aplicar restrições inclusive ao mercado financeiro chinês, restringindo investimentos americanos no mercado de capitais local, além de mais desinvestimentos forçados, como ocorreu com o TikTok.
“Trump será muito mais hawkish [agressivo] com a China”, diz Lieber. “Os riscos com a China são muito altos, os Estados Unidos tem muitas ferramentas para sancionar a China.”
Por outro lado, um governo Trump pode ser muito positivo para alguns segmentos da economia americana, caso do setor de óleo e gás e também o segmento financeiro, aproveitando medidas de desregulamentação prometidas pelo candidato republicano.
Em relação a impostos, Lieber não acredita que Trump será capaz de realizar cortes, como fez durante seu primeiro mandato, considerando a delicadeza da situação fiscal do país. “Com juros altos e pouco espaço fiscal existe menos possibilidade para cortes de impostos”, disse ele.
Ainda que Trump apareça à frente nas pesquisas de intenção de voto, o analista da Eurasia afirmou que não é claro que ele levará as eleições presidenciais.
Por mais que Biden tenha um dos piores índices de aprovação para um presidente em primeiro mandato, na casa dos 40%, com a inflação prejudicando sua tentativa de reeleição, Lieber afirmou que a polarização deve influenciar as intenções de voto, com esta eleição prometendo ser apertada tal qual a anterior, quando Biden venceu por uma margem de dezenas de milhares de votos nos principais estados americanos.
Ele disse ainda que Trump enfrenta seis julgamentos, com acusações variando desde fraude fiscal até tentativa de reverter ilegalmente as eleições. “Trump vai entrar num período turbulento em termos de publicidade. E quanto mais o público ouvir isso sobre Trump, pior será para ele”, disse.