Donald Trump decidiu disparar uma guerra comercial global e o Brasil está preocupado com isso. Poucas horas após tomar posse, o presidente dos Estados Unidos chegou a dizer que “o Brasil quer mal aos Estados Unidos”, em alusão às tarifas de importação aplicadas pelo País. O sinal amarelo para anúncios de taxações ao setor produtivo brasileiro ficou ainda mais forte.

A tensão comercial ficou ainda maior após o anúncio do presidente americano, no sábado, 1º de fevereiro, de taxar em 25% os produtos importados do México e Canadá, e de 10% sobre os chineses.

Nesta segunda-feira, dia 3 de fevereiro, porém, a presidente do México, Claudia Sheinbaum, anunciou um acordo com Trump para suspender em 30 dias o início da imposição da tarifa. Pela proposta, México vai reforçar sua fronteira para impedir o tráfico de drogas nos Estados Unidos, enquanto os americanos se comprometem a impedir o tráfico de armas em território mexicano.

Mas isso não amenizou a crescente preocupação em um cada vez mais provável aumento nas tarifas cobradas em produtos de outros países, incluindo o Brasil. Na indústria do alumínio, que tem 5,6% de participação no Produto Interno Bruto (PIB) industrial, a preocupação é pelo escalonamento de uma cobrança que já existe há sete anos.

Desde o governo o primeiro governo de Trump, o alumínio importado já vem sendo sobretaxado em 10%, por meio de um instrumento chamado Seção 232, sem qualquer reação formal do governo brasileiro. A norma entrou em vigor em março de 2018. E democrata Joe Biden seguiu com a cobrança.

Fato é que, se houver um aumento na taxação dos produtos ligados ao alumínio brasileiro, o setor irá perder fatia significativa de mercado. A afirmação é de Janaina Donas, presidente-executiva da Associação Brasileira do Alumínio (Abal).

“Com mais uma sobretaxa, vai haver perda de mercado do alumínio brasileiro nos Estados Unidos. O recado de Trump foi ‘venham produzir aqui’. Isso é um desvio de comércio”, disse Donas. “É fato de que o Brasil não se movimentou. O que poderia ser feito seria adotar algum tipo de retaliação e praticar a mesma sobretaxa nos produtos que chegam de outros países.”

Segundo a entidade, das 541,9 mil toneladas de alumínio e seus produtos exportadas em 2024, 72,4 mil toneladas foram destinadas aos Estados Unidos, o que corresponde a 25%. Se for levado em conta somente os semimanufaturados e manufaturados, esse número é maior: representa 32% das exportações brasileiras (58,6 mil toneladas, do total de 182,2 mil toneladas).

Em valores, o resultado também é expressivo. No ano passado, a indústria brasileira do alumínio exportou US$ 796 milhões para os Estados Unidos, o equivalente a 14% do total, alta de 16% sobre o ano anterior.

Janaina Donas, presidente-executiva da Abal
Janaina Donas, presidente da Abal

Para a executiva da Abal, está claro que o alvo principal dos Estados Unidos nessa guerra comercial é a China, mas, para isso, o governo Trump tem atingido outros mercados. “Como não é possível criar um mecanismo para atingir só um país, eles adotaram a medida e depois discutiram algumas exceções.”

Mas o problema não está somente nos riscos externos, que podem afetar nossa balança comercial. Há também uma ameaça interna, na avaliação da executiva da indústria do alumínio, que é a falta de uma ação efetiva da União em evitar que as importações, principalmente da China, resultem em produtos mais baratos do que os fabricados por aqui.

A carga tributária incidente dos produtos nacionais da metalurgia do alumínio chega a 35,2%. Já sobre os mesmos produtos, só que importados, a carga é de 22,4%. “Essa é uma grande preocupação do setor”, afirma. “Se os Estados Unidos estão protegendo o mercado deles, precisamos proteger o nosso.”

Acompanhe, a seguir, os principais trechos da entrevista da presidente-executiva da Abal, Janaina Donas, concedida ao NeoFeed.

Donald Trump tem feito ameaças constantes de sobretaxar ainda mais os produtos brasileiros. Qual o risco real disso para o setor do alumínio no Brasil?
Perda de mercado. Hoje, os Estados Unidos são um mercado consumidor interessante e já há uma sobretaxa de 10% sobre o alumínio brasileiro. Ela foi imposta no primeiro mandato de Trump. Ele quer sobretaxar vários produtos, mas ainda não falou especificamente do alumínio. Estamos atentos. Se isso acontecer, pode fazer com que o Brasil perca mercado nos Estados Unidos. Mas a gente sabe que o alvo deles era a China. Como não é possível criar um mecanismo para atingir só um país, eles adotaram a medida e depois discutiram algumas exceções.

O Brasil não poderia questionar essa sobretaxa nos órgãos internacionais?
O mecanismo legítimo junto à Organização Mundial do Comércio (OMC) para questionar práticas ilegais é o antidumping, aplicado contra empresas, e reclamações contra subsídios, que é aplicado ao país. O multilateralismo está em crise. Começaram a surgir outras barreiras, como a criada pelos Estados Unidos sobre o aço e o alumínio, a Seção 232, alegando questão de soberania. O governo americano entende que os dois produtos são estratégicos para o país, já que são usados no setor de defesa. E houve uma mudança de governo, mas em nenhum momento Joe Biden pensou em revisar. É uma política de Estado nos Estados Unidos.

E não deveríamos adotar essa mesma política para proteger nosso alumínio?
Isso traz uma reflexão sobre como a gente está enxergando a nossa indústria. O governo brasileiro deveria olhar de forma mais estratégia alguns segmentos. Aço e alumínio poderiam ser considerados estratégicos, justamente por essa questão de soberania. Estamos olhando com atenção e preocupação esse movimento dos Estados Unidos, que vai criar essas retaliações. Se vir uma taxa além do que já é cobrada, vai ser muito preocupante, porque pode tirar nosso acesso a mercados.

Essa é hoje a principal preocupação do setor de alumínio no Brasil?
Temos duas preocupações. Uma delas é garantir a demanda nacional, e a gente tem capacidade para isso. Outra é ter acesso aos mercados globais. Do alumínio primário, que já é manufaturado, 32% do que é exportado têm como destino os Estados Unidos. E é isso que pode ser afetado.

Mas, na prática, o governo brasileiro não adotou nenhuma medida para evitar esse desequilíbrio no início da taxação e nem agora.
O setor deu elementos para que o governo questionasse os Estados Unidos tecnicamente. A questão é que muitas das empresas que atuam no Brasil estão nos Estados Unidos. Mas é fato de que o Brasil não se movimentou. O que poderia ser feito seria adotar algum tipo de retaliação e praticar a mesma sobretaxa nos produtos que chegam de outros países.

E o que impede que esse mecanismo seja adotado?
Aí entram as relações comerciais, os pesos dos parceiros. Normalmente uma retaliação é cruzada. Não dá para retaliar o mesmo grupo de produtos e sim outros que os países são mais dependentes. Caberia, mas não foi adotada. Isso envolve outros interesses. Agora precisamos saber qual serão as decisões americanas sobres as novas taxações e em que setores serão aplicadas.

Isso pode abrir oportunidades para as empresas brasileiras de alumínio atuem em outros mercados?
Sim, mas também há desafios. A União Europeia criou o Carbon Border Adjustment Mechanism (CBAM), um mecanismo de ajuste de fronteiras vinculada a emissões de carbono para produtos importados. Foi um instrumento para tentar buscar isonomia, para exigir do produto de fora o que eles exigem dos produtos internos. Mas é uma sobretaxa, que está sendo implementada.

E onde está a chance de o alumínio aproveitar o mercado europeu?
A grande discussão é a metodologia que eles estão utilizando e nós questionamos. Isso significa que, para a indústria brasileira exportar para lá, vai ter que atender essas regras. A exceção para reduzir essas tarifas vai ser a sustentabilidade. E, no caso do alumínio brasileiro, estamos muito bem posicionados. Se esse for o critério, pode ser positivo.

Há outra preocupação que possa afetar a indústria do alumínio no Brasil?
A nossa grande preocupação é com o desvio de comércio. O produto importado já tem uma vantagem competitiva sobre o nacional. A carga tributária incidente dos produtos nacionais da metalurgia do alumínio chega a 35,2%. Já sobre os mesmos produtos, só que importados, a carga é de 22,4%. Essa é uma grande preocupação do setor. Além de perder acesso ao mercado, temos risco de perder competitividade contra o produto importado. E a gente precisa encontrar alternativas para isso. Se os Estados Unidos estão protegendo o mercado deles, precisamos proteger o nosso.