Quem anda pelas ruas e vê postes cheio de fios não sabe que por trás desse emaranhado existe um problema de R$ 2 bilhões. E uma decisão da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) não só desagradou a todo mundo, como expôs uma disputa que se arrasta há mais de duas décadas. De um lado estão as distribuidoras de energia. E, de outro, operadoras de telecomunicações, provedores de internet e empresas de tevê a cabo.
Um decreto de junho deste ano da Aneel determinou que as distribuidoras - que hoje são responsáveis pela gestão do uso combinado dos postes carregados com fio elétricos e de empresas telecom - contratem uma empresa terceira para gerenciar os postes, criando a figura do “posteiro”.
O decreto desagradou as concessionárias, que sempre lutaram para que a terceirização da gestão fosse facultativa. Há alguns dias, porém - menos de um mês depois de a nova norma entrar em vigor -, o decreto foi extinto pela Aneel. Com isso, a disputa voltou à estaca zero.
De acordo com estimativa da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), cerca de 47 milhões de postes estão espalhados pelas cidades do País, sendo 10 milhões em situação crítica – em geral, abarrotados de fios e outros cabos, presos precariamente, muitos com ligações clandestinas, trazendo risco permanente para pedestres e ocupantes de veículos.
Toda vez que um conserto ou instalação é realizado por um prestador de serviço ligado a um desses segmentos, é comum “soltar” o fio ou cabo que passava pelo poste de outra empresa usuária. Nessas situações, não há recolocação do fio ou cabo solto nem comunicação para que a empresa atingida resolva o problema.
Esse é apenas um dos gargalos nessa disputa. O setor de provedores de internet tem uma lista extensa de reclamações. O preço cobrado pelas distribuidoras para fixação de fios e cabos no poste é um deles.
“O preço não é padronizado, há distribuidoras que cobram entre R$ 5,44 até R$ 18 por ponto, e o valor varia até mesmo dentro de um mesmo estado”, afirma Mauricélio Oliveira Junior, presidente da Abrint (Associação Brasileira de Provedores de Internet e Telecomunicações). “A Anatel e Aneel dizem que poderíamos negociar, mas os contratos têm cláusulas leoninas e as distribuidoras mantêm o monopólio para estipular o preço que quiserem”, acrescenta.
Regras rígidas
O segmento que Oliveira Junior representa também enfrenta outro problema: o excesso de usuários nos postes. Hoje, existem cerca de 20 mil provedores de internet no País, boa parte empresas de pequeno porte que atendem 52 milhões de pessoas com acesso a banda larga fixa.
As regras de ocupação de um poste são rígidas – além do fio elétrico da distribuidora, são permitidos passar outros seis cabos, com 50 cm de distância entre eles. Em grandes centros, com muitos provedores atuando no mercado, a superlotação de fios e cabos é comum.
Oliveira Junior afirma que, em algumas cidades, um mesmo poste passa fios de até 18 provedores. “O que fazer: legalizar seis e tirar os outros 12 de operação?”, questiona. Segundo ele, uma judicialização corre o risco de um juiz encerrar o trabalho de um provedor que atua no mercado há anos. “Esse é um problema que sempre levamos para a Anatel e Aneel e não obtivemos resposta.”
A Abrint espera que o novo processo de regulamentação discuta uma unificação de preço para instalação de postes e retome a norma, agora revogada, que criou a figura do “posteiro”. “As concessionárias não fiscalizam, permitem ocupação irregular e, quando vão reordenar uma área, cortam fios e cabos clandestinos e também de empresas regulares”, diz Oliveira Junior.
A Abradee, entidade que representa as concessionárias de energia elétrica, diz que do total de R$ 2 bilhões por ano pagos pelas empresas de telecomunicações pelo uso dos postes, 60% são destinados a promover a modicidade tarifária e os outros 40%, direcionados ao pagamento de tributos e custos operacionais. Ou seja, os postes não geram lucros e sim elevam os custos das distribuidoras.
“A Abradee compreende que este é um debate que interessa a toda a sociedade e defende que a cessão dessa infraestrutura para um terceiro deve ter um caráter facultativo à concessionária, não podendo ser uma obrigação”, diz em nota.
Uma solução simples para resolver o problema – enterrar fios elétricos e cabos de operadoras de telecomunicações – é descartada tanto pela Abrint quanto pelas concessionárias, devido ao alto custo. Uma lei municipal aprovada em São Paulo em 2005 previa o enterramento, mas nunca entrou em vigor.
“Não existe padronização de calçadas no Brasil, por exemplo, o que elevaria ainda mais o gasto para enterrar fios e cabos”, afirma Oliveira Junior. “O custo de enterramento seria pelo menos vinte vezes maior que os R$ 2 bilhões pagos hoje pelo compartilhamento dos postes.”