O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva fechou o primeiro semestre com boas notícias na área macroeconômica, que reverteram a expectativa do mercado no início do ano, em especial quanto ao compromisso da equipe econômica em buscar o equilíbrio fiscal e o controle da inflação para permitir a queda da taxa de juros.
Além da queda consistente da inflação, vitórias relevantes obtidas no Congresso Nacional, como a aprovação em primeira votação do arcabouço fiscal e da reforma tributária, e em especial a mudança do voto de qualidade no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) -- que deve trazer mais dinheiro ao caixa do governo na arrecadação de tributos e dar sustentação ao arcabouço fiscal --, reforçaram o tom otimista que vem sendo demonstrado pela equipe econômica nas últimas semanas.
Para economistas consultados pelo NeoFeed, diante das boas notícias, o desafio do governo federal para o segundo semestre se resume a duas pendências: a continuidade da queda da inflação, o que deve facilitar a tarefa do Copom de dar início ao ciclo de queda de juros, e a obtenção da meta do resultado fiscal estimado para 2023 (déficit de 1% do PIB), o que acalmaria o temor inicial do mercado quanto à condução da política econômica do governo.
A divulgação na segunda-feira, 10 de julho, do boletim Focus, que reflete as previsões a médio e longo prazo do mercado financeiro, deu razão ao otimismo governista.
A estimativa de inflação medida pelo IPCA para este ano caiu pela oitava semana seguida, de 4,98% para 4,95%. Já a projeção para o crescimento do PIB de 2023 foi mantida em 2,19%, bem acima do que era previsto no início do ano, na faixa de 1%.
Mas foi a projeção do Focus para o resultado primário em 2023 que chamou a atenção – saindo de um déficit de -1,02% do PIB para -1% do PIB, exatamente o que prometeu o governo.
Para o economista Mauro Rochling, professor da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, a queda da inflação seguida de redução de juros deve marcar os resultados macroeconômicos do governo até o final do ano.
“As previsões de redução de inflação estão melhorando semana a semana, o que aumenta as chances de que a meta fiscal seja alcançada em 2023”, diz Rochlin.
Segundo ele, nem a possibilidade de um repique da inflação, esperado devido à reversão da redução de impostos determinada pelo presidente Jair Bolsonaro no segundo semestre do ano passado, com objetivo eleitoral, deve afetar de forma relevante a trajetória de queda que vem sendo registrada.
“Os números de inflação devem continuar surpreendendo positivamente, porque estamos vendo uma deflação inédita, refletida em índices que capturam preços no atacado, como IGP-M, IGP-DI e IPA”, diz Rochlin.
De acordo com o acadêmico da FGV, portanto, a partir de julho o País deve conviver com índices baixos mensais de inflação e índices mais elevados no acumulado de 12 meses – o que, segundo ele, já está precificado pelo mercado.
“Se essa deflação no atacado se reproduzir em números melhores no varejo, como no IPCA, o Banco Central vai ser obrigado a adotar uma política mais generosa para o corte de juros, com quedas maiores que o esperado pelo mercado até dezembro, que é de 12% ”, prevê.
Rochlin, no entanto, adverte para um risco que pode alterar o ritmo da queda da Selic pelo BC: o movimento das taxas de juros dos Estados Unidos.
“Se o Federal Reserve (banco central dos EUA) aumentar os juros duas vezes, como vem sinalizando, pode ser um freio para o BC reduzir da Selic aqui, pois isso pode representar uma pressão para o câmbio”, afirma o economista.
De resto, nos outros fatores que podem atrapalhar os planos do governo, Rochlin acredita que o maior risco – uma mexida no arcabouço fiscal, abrindo mais frentes de despesas do governo – dificilmente vai ocorrer.
“O Congresso Nacional é mais conservador que o governo, acho difícil abrir mais exceções ao limite de gastos do que consta no projeto de lei do arcabouço em tramitação”, diz o acadêmico.
Redução de desconfiança
Para Rafael Rondinelli, economista do Banco Modal, o mérito do governo federal até aqui foi reduzir as desconfianças do mercado financeiro.
Ele cita o arcabouço fiscal como exemplo. “Não temos perspectiva de explosão das contas públicas, a chamada relação dívida/PIB, nem no curto nem no longo prazo”, disse.
Para Rondinelli, embora o arcabouço tenha reduzido esse risco, não é suficiente para ter um superávit primário estrutural positivo, algo que, segundo ele, o Brasil não consegue entregar há duas décadas.
“Mas não deixa de ser uma direção melhor do que inicialmente esperado”, diz, afirmando que também vê o cenário de juros nos EUA como principal ameaça à queda da Selic por aqui.
Rondinelli acredita que a aprovação da reforma tributária não vai afetar a política econômica no curto prazo, pois só deve trazer resultados a partir de 2027.
Ele reconhece, no entanto, que a aprovação do Carf é importante para ajudar no resultado fiscal. Mas, segundo ele, a equipe econômica exagera na expectativa de arrecadação, de R$ 50 bilhões este ano e R$ 100 bilhões em 2024.
“O mercado acha essas estimativas otimistas, este ano a arrecadação do Carf não deve passar de R$ 30 bilhões, mas é uma vitória do governo”, emenda.
De acordo com o economista do Modal, se o Brasil não está numa situação ruim, como inicialmente esperado, tampouco está numa situação boa quanto o governo projeta, embora ressalte as vitórias contra a inflação, juros e ajuste no déficit público.
“O governo mostrou capacidade política satisfatória, em especial na figura do ministro Fernando Haddad, reduzindo as diferenças de percepção do que o governo espera e o que o mercado acha, trazendo mais estabilidade nessa percepção e mantendo um caminho longe de ser catastrófico, como era inicialmente esperado”, diz Rondinelli.