De forma quase unânime (94%), o mercado financeiro não acredita que o governo federal conseguirá zerar o déficit fiscal em 2024 e provavelmente terá de rever a meta ainda este ano. A inflação deve voltar a subir no ano que vem, e as surpresas positivas do Produto Interno Bruto (PIB) nos dois primeiros trimestres do ano se devem mais a fatores conjunturais do que estruturais.
Essas são algumas das percepções captadas pela BGC Survey, pesquisa pré-Copom realizada pela corretora BGC Liquidez entre sexta-feira, 15 de setembro, e segunda-feira, 18, com 90 especialistas do mercado financeiro, entre gestores de fundos, traders de bancos, economistas e estrategistas de diversas instituições financeiras.
O levantamento, obtido com exclusividade pelo NeoFeed, revela sinais de desconfiança do mercado em relação à política econômica do governo federal às vésperas da reunião de quarta-feira, 20 de setembro, do Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom), para decidir a nova meta da taxa básica de juros.
Alguns quesitos do levantamento refletem esse pessimismo. Para 94% dos entrevistados, o déficit fiscal não será zerado em 2024. Pior: 61% acreditam que a meta será alterada em algum momento no próximo ano, enquanto 15% acreditam que a revisão já virá ainda em 2023.
O tema inflação também traz indicativos sobre o grau de desconfiança do mercado em relação à política econômica do governo. No penúltimo relatório Focus, a projeção do mercado para o IPCA de 2024 estava em 3,89%. Perguntados, 46% dos entrevistados pelo levantamento do BGC passaram a atribuir um risco altista para esta estimativa.
“É a primeira vez na nossa pesquisa que o grupo dos 'altistas' se sobrepõe numericamente aos 'baixistas' na inflação do próximo ano”, afirma o economista Daniel Cunha, estrategista-chefe da BGC Liquidez, que coordenou a pesquisa, ao lado de Daniel Leal e Rafael Costa.
Mesmo assim, o fator que ainda pode favorecer positivamente o balanço de riscos do Copom no curto prazo é justamente o da inflação, apontado por 66% dos entrevistados. Já o que apresenta maior risco negativo para a maioria (67%) é a percepção do controle das contas públicas, que inclui a agenda de reformas.
Para Cunha, a pesquisa reflete mudanças na economia em relação à reunião de agosto do Copom. Com isso, cresce a expectativa de como o Banco Central vai se posicionar.
“A agenda fiscal qualitativamente piorou em relação à última reunião, por outro lado, o crescimento do PIB acima do esperado, anunciado depois, deverá levar o BC a se posicionar sobre o modelo a ser seguido nesse quadro de recuperação da atividade”, diz ele.
Mesmo assim, 83% dos entrevistados acreditam numa decisão unânime na reunião de hoje do Copom de manter a redução do corte da Selic em 0,50 ponto percentual (p.p). Um corte maior, de 0,75 p.p., deverá ocorrer apenas em dezembro, de acordo com 48% dos entrevistados.
A mesma proporção acredita que a taxa Selic vai fechar 2023 em 11,75% ao ano, enquanto 34% apostam numa Selic ainda mais baixa, de 11,05%. Para 2024, a expectativa é de a taxa de juros fechar o ano em 9% (para 26% dos entrevistados) ou 9,5% (para 22%).
Percepção de riscos
O levantamento captou a expectativa de agentes do mercado em vários temas, entre eles a cotação do dólar nos próximos 45 dias (entre R$ 4,90 e R$ 5,00, para 46% dos entrevistados) e o consenso (90% dos consultados) diante da perspectiva de tramitação e aprovação da reforma tributária ainda este ano.
Por outro lado, como boa parte das perguntas dizem respeito à percepção de riscos tendo por base os resultados da penúltima pesquisa Focus, do Banco Central, da semana passada, é possível avaliar o grau de expectativa do mercado em alguns temas-chave.
O PIB, cujo crescimento esperado no início do ano era de apenas 0,8%, por exemplo, mostra como o mercado oscila entre uma visão positiva e outra nem tanto em relação ao cenário a médio prazo. Na pesquisa, 70% dos respondentes acreditam que as surpresas positivas no PIB se devem mais a fatores conjunturais do que estruturais.
Apesar disso, a maioria continua atribuindo um risco altista para a projeção de 1,47% de crescimento do PIB para 2024 captada pela pesquisa Focus. A ampla maioria, 74%, estima que o PIB potencial esteja entre 1,5% a 2% de crescimento (para 46% dos entrevistados) e entre 2,0% e 2,5% (para 28%).
Quanto às medidas de arrecadação apresentadas no Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) de 2024, o valor obtido (R$ 88,1 bilhões) ficou em 52% do que o governo esperava (R$ 168,3 bilhões). A medida que numericamente mais sofreu desconfiança por parte dos respondentes foi a mudança do juro de capital próprio (JCP), com 27% respondendo que não esperam a aprovação da medida este ano.
Se o tom é de desconfiança em relação à política econômica no médio prazo, no curto prazo a avaliação é diferente. Para 40% a percepção de risco para os próximos 45 dias é neutra, enquanto 38% afirmam que é construtiva. Mas o governo deve ligar o sinal de alerta, pois triplicou a proporção de entrevistados (21%) que se dizem céticos no curto prazo em relação à pesquisa de agosto.