Um dos principais progressos que a humanidade viu desde o fim do século 20 até o início da década de 2020, a redução pela metade da quantidade de pessoas vivendo na extrema pobreza, pode estar em risco por conta dos efeitos das mudanças climáticas, especialmente em países pobres.

O alerta foi feito nesta quarta-feira, 26 de junho, por Esther Duflo, economista franco-americana e vencedora do Prêmio Nobel de Economia de 2019, que defendeu ainda que os países pobres ajudem a mitigar essa situação, considerando que possuem uma "dívida" de US$ 500 bilhões por conta de suas emissões.

Segundo Duflo, as nações em desenvolvimento devem sofrer as principais consequências por terem uma forte dependência da agricultura, segmento da economia que mais vai ser prejudicado com o aquecimento do planeta.

“Os países em que a maioria das pessoas pobres do mundo vivem são os países que terão de conviver com os efeitos mais severos do aquecimento global”, afirmou Duflo, durante painel na Febraban Tech. “Os países que dependem mais da agricultura terão sua agricultura muito afetada.”

E dentro dos países pobres, os efeitos oriundos da mudança climática não serão distribuídos de maneira equânime. “A pobreza torna ainda mais difícil lidar com o aquecimento global, porque os pobres não têm ar condicionado, são pessoas que precisam trabalhar sob o sol”, disse Duflo.

A situação ainda deve prejudicar o aprendizado, com a economista destacando que o calor extremo impede que as crianças consigam se concentrar. Ela citou ainda a situação do Rio Grande do Sul, em que as enchentes forçaram o fechamento das escolas – dados da Secretaria Estadual de Educação (Seduc) apontam que, um mês após os principais efeitos da tragédia climática, 6,9 mil estudantes ainda estão sem aulas.

Professora de Alívio da Pobreza e Economia do Desenvolvimento no Massachusetts Institute of Technology (MIT), Duflo destacou a desigualdade entre os países avançados e os emergentes quanto aos níveis de emissão de gases responsáveis pelo efeito estufa, com os primeiros sendo os maiores responsáveis pelo problema.

“Os 10% dos americanos mais ricos emitem 122 vezes mais gases do efeito estufa do que um africano médio”, disse. “Essa dupla desigualdade [pobres sofrerem mais que ricos e países emergentes sofrerem mais que os avançados] é inaceitável.”

Para mitigar a situação, Duflo disse que realizou um cálculo de qual seria a “dívida” que os países avançados têm com os emergentes pela responsabilidade que possuem com as populações pobres por conta das emissões de gases do efeito estufa.

O valor em que ela chegou beira US$ 500 bilhões. Ela explicou que o montante é uma estimativa baseada em estudos que buscaram quantificar o valor da vida humana, com base em estudos de diversos economistas.

A simulação considerou que a emissão de uma tonelada de dióxido de carbono equivale ao “custo social” de US$ 37, considerando doenças e mortes prematuras. Esse valor foi multiplicado pela quantidade de CO² que os países avançados emitem, chegando ao meio trilhão de dólares.

Ela afirmou que os países ricos deveriam pagar um valor equivalente aos mais pobres, como forma de compensar os efeitos do aquecimento global. Para que o fardo não recaia sobre as populações menos favorecidas dessas nações, Duflo defendeu o aumento dos impostos sobre multinacionais e a taxação das grandes fortunas globais para financiar esses pagamentos.

“Já existe um acordo entre países para forçar um imposto mínimo sobre as multinacionais e funciona bem”, afirmou. “Não precisa ser o caso que todos os países tenham que pagar, mas precisa ter um número mínimo de países e garantir que as corporações sejam taxadas de acordo com o portfólio global delas.”

Para ela, os recursos levantados deveriam ser destinados diretamente aos mais pobres, com Duflo afirmando que as pesquisas sobre transferência monetária aos mais desassistidos mostram que as pessoas fazem um uso consciente do dinheiro.

Ela citou o exemplo do Brasil com o Bolsa Família. “O Bolsa Família está associado com uma forte queda da pobreza, porque as pessoas usaram bem os recursos quando tiveram acesso”, afirmou.

Duflo destacou ainda o papel do Brasil em liderar essa questão da compensação financeira aos emergentes por conta dos efeitos das mudanças climáticas. “O Brasil, na presidência do G20, teve iniciativa para ver o que fazer com o problema, e isso está ajudando a criar soluções sobre onde o dinheiro poderá ser encontrado”, afirmou.