As preocupações com a sustentabilidade fiscal do Brasil têm afastado investidores do país. Desde o início do ano, a saída de estrangeiros da B3 soma R$ 25,6 bilhões, enquanto o dólar acumula uma alta de 25% frente ao real, refletindo a piora na percepção sobre os ativos locais. O crescente pessimismo, no entanto, é visto como uma oportunidade pela BlackRock, que mantém uma (rara) dose de otimismo em relação ao mercado brasileiro.
“A diferença entre investidores experientes e aqueles que não compreendem tão bem o Brasil é a capacidade de enxergar além da incerteza de curto prazo”, afirma Axel Christensen, estrategista-chefe para investimentos na América Latina da BlackRock, maior gestora do mundo com US$ 11,5 trilhões.
Na avaliação de Christensen, o país pode se tornar um dos favoritos a receber investimentos em infraestrutura e data centers baseados em energia renovável. “Estamos dispostos a superar as incertezas de curto prazo porque entendemos a atratividade de participar de algumas dessas transformações.”
Christensen, que analisa o mercado latino-americano há 30 anos, sendo 15 deles na BlackRock, também minimiza os temores em relação ao risco fiscal.
“Não é a primeira vez que os investidores estão preocupados com a situação fiscal no Brasil, e provavelmente não será a última. Isso faz parte do ambiente para nós, é parte do 'quadro geral', como costumo dizer. Se você não se sente confortável com a incerteza fiscal na América Latina, provavelmente não deveria estar investindo na região.”
O estrategista destaca que investidores estrangeiros têm visto a desvalorização do real, impulsionada pela piora na percepção fiscal, como um ponto de entrada “muito atrativo” para investimentos em renda fixa.
“Investidores experientes, que já viram isso no passado e sabem que a volatilidade de curto prazo eventualmente diminui, reconhecem que os fundamentos acabam prevalecendo. Esses momentos se mostram os melhores para ser positivo em algumas dessas oportunidades.”
Embora reconheça o aumento das incertezas sobre o comércio do Brasil com os Estados Unidos durante o governo de Donald Trump, Christensen afirma que o país pode ser um dos grandes beneficiados pelas tensões sino-americanas. A posição neutra do Brasil em relação às duas maiores potências globais, na visão do estrategista, é um ativo valioso no atual contexto geopolítico.
“Se os EUA impuserem tarifas à China e, em resposta, a China restringir as exportações americanas para o mercado chinês — que consistem principalmente em produtos agrícolas —, isso pode levar a China a aumentar suas compras de soja e outros itens agrícolas do Brasil.”
Do lado do comércio com os americanos, Christensen pontua que o Brasil pode se beneficiar da exportação de terras raras, que são minerais encontrados em pequenas quantidades, mas com um papel fundamental na indústria de chips. A China, que corresponde a 70% da produção global de terras raras, baniu nesta semana as exportações para os Estados Unidos, em mais um capítulo da guerra comercial entre os dois países.
“Se o Brasil souber aproveitar seus recursos e sua capacidade de fornecimento tanto para a China quanto para os EUA, pode sair vencedor nesse cenário de tensões crescentes, atuando como um mediador estratégico entre os dois países.”
Quem, por enquanto, tem conseguido ocupar esse espaço é o Vietnã. Diante do conflito comercial, suas exportações para os Estados Unidos triplicaram entre 2018 e 2022, enquanto os investimentos chineses no país dobraram no período, segundo dados da consultoria Kearney divulgados pelo The New York Times.
“Só é importante ter cuidado para não pender muito para um lado ou para o outro. No entanto, acredito que os brasileiros são suficientemente espertos e habilidosos para encontrar o equilíbrio apropriado entre as duas potências”, afirma Christensen.