Em meio a um cenário incerto quanto às perspectivas para a política econômica do País, a Galapagos Capital tem visto ao menos um ponto de alento em 2023: o agronegócio.
Com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) prevendo uma safra recorde de 313 milhões de toneladas de grãos no período de 2022/23, alta de 15,5% em relação à temporada passada, o segmento deve manter o status de ser o puxador do PIB no ano que vem, segundo Luis Barone, sócio-diretor da casa.
E considerando que a situação fiscal do País está bem apertada, Barone acredita que há uma oportunidade de a Galapagos, que tem R$ 12 bilhões sob gestão, conseguir preencher lacunas no financiamento da atividade agrícola.
“Eu acho que vamos ter um crescimento na nossa concessão no ano que vem (para o agronegócio), parte porque a fatia total de crédito que o setor público oferece tende a diminuir”, diz Barone, em entrevista ao NeoFeed. “Temos olhado um pouco alguns produtores rurais fora da região de Mato Grosso, para produtores de café e produtores da Bahia.”
Fundada em 2019 por Carlos Fonseca, que foi responsável pela área de private equity do BTG Pactual e teve breve passagem como sócio do C6 Bank, a Galapagos conta com uma área proprietária com várias frentes de atuação, como home equity e agronegócio, além dos segmentos de wealth e asset management.
Barone está na Galapagos desde 2020, quando ela comprou a fatia que a Ativa Investimentos detinha na gestora fundada, em 2012, por ele e Arnaldo Curvello. Ambos são responsáveis pela área de gestão de patrimônio da casa, que tem cerca de R$ 4,5 bilhões em ativos sob gestão.
Com mais de 30 de experiência no mercado, tendo trabalhado por nove anos na tesouraria do Unibanco e ter atuado como head trader de juros locais da JBS por seis anos, o executivo não se mostra preocupado com um descontrole fiscal, esperando uma posição pragmática do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva e a contenção por parte do Congresso.
“Acho que vai ser mais difícil negociar determinados temas que o governo pensa em aprovar. E acho que isso é pró-mercado”, afirma Barone. Mesmo assim, um aumento de gastos está no radar, levando os juros a recuarem um pouco mais tarde do que se imaginava. Antes, a expectativa era de início do corte até o fim do primeiro semestre. Agora, ele espera o início do corte em agosto.
Considerando as circunstâncias em que Lula assumirá em 2023 e as indicações a respeito dos gastos, especialmente com a PEC da Transição, Barone entende que é preciso mais clareza a respeito da política fiscal, para entender se virá alguma sinalização de que os gastos serão ancorados.
“O principal fator é o que o governo vai ter como plano de política fiscal e quem vai ser o ministro da Economia, se vai ser um político ou outro nome do mercado”, afirma. Confira os principais trechos da entrevista para o NeoFeed.
Como você avalia o momento da economia brasileira? Diante das circunstâncias, é um ano positivo?
A gente teve uma alta de atividade econômica este ano maior do que esperada, mas que nos fez voltar para os patamares ali do começo da pandemia. E o Banco Central precisou puxar muito a taxa de juros, por causa da inflação. Em termos de tendência, a atividade está melhor do que o esperado pelo mercado, mas isso tende a fazer o BC ficar com os juros mais tempo altos. E, a princípio, com a eleição do Lula para presidente, por tudo que a gente sabe como o partido conduz a política econômica, também vai no sentido de juro elevado por mais tempo.
Qual a sua principal preocupação no momento para as perspectivas da economia?O principal fator é o que o governo vai ter como plano de política fiscal e quem vai ser o ministro da Economia, se vai ser um político ou outro nome do mercado. O ponto que o mercado está olhando com mais ênfase é o que vem por aí de política fiscal. Sendo o presidente eleito o Bolsonaro ou o Lula, ambos teriam que trazer alguma diretriz do que eles esperam de política fiscal, ambos teriam que fazer ou aumento de impostos ou corte de gastos. E a gente tem que olhar aí o que vem com o novo governo. O grande ponto é esse. Claro que monitorar inflação, atividade econômica é importante, mas tem menos relevância.
O que esperar para a trajetória de juros, diante das declarações de Lula e de sua equipe econômica? Antes, havia uma expectativa de o juro começar a cair no começo do ano.
Se você olhasse a curva de juros antes, tinha uma expectativa de queda em março ou abril. Nós achávamos que isso aconteceria em junho ou julho, por uma tecnicidade. Mas a política, quando a esquerda está no poder, é de juros mais altos. Existe uma tendência de mais gastos e, por conta disso, os juros ficam num patamar mais elevado. E, de novo, a queda de juros vai depender do que vier de política fiscal. Estimamos agora um corte a partir de agosto de 2023.
Como você avalia essas recentes reações dos mercados em relação à PEC da Transição? Ficou impressionado com a magnitude da reação?
Acho que a primeira reação foi até esperada, com alarde mesmo, mas aos poucos teremos visões melhores do que poderemos observar no mercado financeiro para os próximos tempos.
O que você vê em termos de programa de gastos para o ano que vem? Acredita em descontrole fiscal?
Deveria vir alguma coisa em termos de austeridade. Diferente do que o mercado acha, não acredito que vai ter revanchismo nesse novo governo. Acho que é um governo Lula parecido com o primeiro. Acho que o PT tem anos no poder para saber que alguma austeridade é necessária. Qualquer que seja o pacote, e não sou especialista, não consigo dar detalhes técnicos, de um modo geral, vai ter que ter uma austeridade maior do que está se prevendo neste momento. Isso pode acabar sendo positivo para o mercado, de dinheiro que vem do exterior, cotação do dólar mais baixo, juros mais baixos.
"A política, quando a esquerda está no poder, é de mais gastos, e por conta disso os juros ficam num patamar mais elevado"
Considerando a atual composição do Congresso mais à direita, como você acha que fica o governo Lula em termos de impor uma agenda, até mesmo a PEC da Transição?
Sempre se dá muita ênfase à eleição presidencial do que para a composição do Congresso. A Câmara dos Deputados tem perto de 50% de votos de partidos à direita, e o resto é centro-esquerda. De fato, vai ser mais difícil para o governo aprovar determinadas medidas, mas sabemos da habilidade política que o presidente tem. Acredito que vai ser mais difícil negociar determinados temas que o governo pensa em aprovar, e acho que isso é pró-mercado. Temos um presidente bom de negociar, mas ele vai encontrar dificuldades para negociar. Então, penso que medidas heterodoxas não devem ser tomadas, nem medidas de cunho mais ortodoxo.
Este cenário pode ajudar na atração de recursos estrangeiros? Vimos após as eleições um movimento de investidores estrangeiros vindo para o Brasil…
Lá fora, embora tenha juros altos, a inflação também está alta. O dólar está no maior nível em relação a outras moedas, e isso é um certo estímulo, apesar dos juros altos nos Estados Unidos, a ter uma vinda de recursos para o Brasil. Parte do que o investidor estrangeiro está vendo, além do dólar valorizado, é um equilíbrio de forças. No caso do movimento pós-eleição, acho que havia um represamento do investimento estrangeiro, seja pela eleição ou porque existe atualmente uma preocupação ESG maior do que se tinha antigamente. A Noruega tem um fundo de apoio à Amazônia e anunciou que vai fazer investimentos com o governo neste sentido. Tem um represamento de investimentos para o Brasil por conta da questão ESG, que deve ser desatado porque o governo Lula é visto sendo mais pró-ESG do que o governo Bolsonaro.
A Galapagos tem tido uma atuação muito forte nos últimos tempos com concessão de crédito e o histórico dos governos do PT é de privilegiar crédito público subsidiado. Você acredita que há uma de um retorno do setor público mais participativo?
É bem pouco provável que a gente tenha uma volta do crédito subsidiado nos níveis anteriores, com a participação do setor público crescendo significativamente. A maior participação do setor privado é uma tendência que veio para ficar. Os recursos do BNDES são menores, mas também tem a parte fiscal e o desenvolvimento do crédito do setor privado. A concessão de crédito tem sido estimulada pelo BC em diversas áreas. Ele tem estimulado formação de bancos digitais, fintechs de crédito foram criadas. Temos visto a regulação, de modo geral, ainda que em passos lentos, favorecendo o mercado de crédito. Nosso mercado ainda não é desenvolvido como outros países, mas a regulação tem atuado nesse sentido.
"O ponto que o mercado está olhando com mais ênfase é o que vem por aí de política fiscal"
Como está a concessão de crédito na Galapagos?
A Galapagos atua em vários setores de crédito e com essa alta da Selic, essa expectativa que se criou em cima da eleição presidencial, a nossa régua, o nosso sarrafo, para o crédito subiu. A gente tem concedido menos crédito do que tinha orçado, principalmente porque os juros estão altos, porque fica difícil eleger setores saudáveis com esse nível de taxa, e também por conta da expectativa (de aumento de gastos) criada com a eleição.
Tem algum setor ou área que vocês estão vendo com mais atenção?
O crédito agrícola. A gente deve ter um crescimento na nossa concessão no ano que vem, parte porque eu acho que a fatia total de crédito que o setor público oferece, tende a diminuir. Outro fator é que as linhas de crédito para o agronegócio, inclusive de bancos estrangeiros, são muito curtas, englobam uma safra, e o produtor rural tem que fazer renovação anualmente. O que oferecemos são prazos mais longos e, nessas operações, a gente pede garantias reais. Temos tido sucesso com esta estratégia porque ele paga um prêmio do que ele pagaria por uma linha mais curta, para não ter que ficar todo ano com aquela preocupação de renovar o crédito todo o ano.
"É sempre o agronegócio. Será o setor que vai continuar puxando a economia no ano que vem"
Para vocês, o agronegócio será o destaque da economia em 2023?
É sempre o agronegócio. Será o setor que vai continuar puxando a economia no ano que vem. O varejo ainda está muito no chão, então talvez tenha uma recuperação, mas é um rebound da queda recente. Mas, se tiver que eleger um setor, seria o agronegócio.
Vocês planejam algum reposicionamento de produtos? Acreditam que o atual portfólio atende a demanda daqueles que buscam a casa por crédito?
A gente tem muitas esteiras, desde legal claims até o crédito consignado, passa por crédito ao produtor rural, tem muitas esteiras, então acho que não é o momento agora de um produto novo, mas sim de retomar os que a gente já vinha fazendo.
Vocês enxergam alguma frente que possa ser explorada com o novo governo?
Em nichos, eu diria que não. A gente tem que entender melhor o que o novo governo pretende em termos de política fiscal e política macroeconômica, mas eu não diria que tem algum nicho específico que a gente está olhando por conta da virada do governo. Ela muda a preocupação com a economia. Dependendo do que a gente vai ver de política fiscal, isso vai definir o quanto vai acelerar ou não a concessão de crédito.
Tem algum nicho que vocês estão avaliando?
Temos visto bastante crédito consignado, tanto a gente como outras casas. Temos algumas esteiras de adiantamento de recebíveis, o que está crescendo bastante é o desconto de recebíveis puro e simples. A gente tem olhado um pouco alguns produtores rurais fora da região de Mato Grosso, produtor de café, produtores no estado da Bahia. A nossa atuação é muito onde os bancos maiores não estão.