A deterioração do quadro fiscal brasileiro e uma série de falhas do governo federal em controlar as despesas com programas sociais podem tornar o arcabouço fiscal insustentável já no ano que vem. A previsão é da equipe econômica do Itaú.

“O problema é que o Brasil cria programas de assistência social que nunca terminam, vão sendo empilhados um sobre o outro, sem checar eficiência”, adverte Mario Mesquita, economista-chefe do Itaú Unibanco, em encontro com jornalistas na quarta-feira, 11 de setembro.

Outro economista do banco, Pedro Schneider, fez o cálculo do prazo da validade do arcabouço sob esse aspecto. “Se assumirmos que os gastos com os beneficiários do Benefício de Previdência Continuada (BPC) da Previdência Social crescem 12% ao ano, além dos gastos com benefícios previdenciários, pagos pelo INSS, já no ano que vem o arcabouço vai ficar insustentável”, afirma Schneider.

Isso porque os gastos do governo com benefícios previdenciários e com o BPC - que garante um salário-mínimo por mês ao idoso com idade igual ou superior a 65 anos ou à pessoa com deficiência de qualquer idade - aumentaram em aproximadamente R$ 48 bilhões no 1º semestre de 2024 ante o mesmo período em 2023.

“Com esses gastos acima de R$ 40 bilhões, o espaço de corte de despesas é bem inferior, de R$ 25 bilhões, como previsto na lei orçamentária de 2025”, acrescenta. Schneider disse que a notícia de que a equipe econômica estuda mexer no aumento de idade e de desvinculação do BPC é positiva, se a proposta seguir em frente. Mas reconhece que o governo tem dificuldade em aumentar as receitas.

“O BPC é um benefício não-contributivo, que tem valor igual ao valor dos benefícios contributivos, que é de um salário-mínimo”, afirma o economista. “Quem não contribui hoje recebe o mesmo valor. O correto é ir para o Bolsa Família.”

A avaliação do Itaú é que a falta de controle dos benefícios previdenciários acelerou a rubrica de despesas do governo. Foram citados vários problemas, como falta de checagem prévia do governo e falta de perícia para liberar o BPC por idade e invalidez, por exemplo.

Cenário desafiador

O cenário fiscal apresentado pelo Itaú é de desafiador. Mesquita cita o problema de crescimento exponencial da dívida pública como exemplo da dificuldade do governo em estabilizar os gastos.

“A dívida pública cresce, em média, três pontos percentuais em relação ao PIB por ano, este ano está em 74% do PIB, por sinal, 30 pontos percentuais maior que a média dos países emergentes”, afirmou o economista-chefe do banco.

Segundo ele, o drama é que cumprir a meta fiscal de déficit de 0,5% do PIB não afeta a questão da dívida. “Seria necessário que o País tenha um superávit entre 1,5% e 2% do PIB para estabilizar a dívida”, afirma. “A percepção é que o governo rema e não passa impressão de melhora.”

Com a deterioração do quadro fiscal e a perspectiva de aumento de inflação, Mesquita – como a maior parte do mercado – prevê um aumento da taxa Selic na reunião do Copom, na próxima semana.

“O que preocupa o Banco Central é a decolagem de expectativa de inflação num cenário com taxa de câmbio pressionado e mercado de trabalho apertado”, afirma. Se estivesse no BC, Mesquita diz que apostaria num próximo ciclo rápido, ou seja, com uma alta maior da Selic logo de cara.

"Se eu estivesse lá e resolvesse fazer um ciclo de alta, eu faria mais rápido e mais curto. Quer dizer, mais rápido. Se vai ser mais curto ou não, você vai descobrindo ao longo do processo", afirma.

A falta de sincronia com os Estados Unidos - como ele se referiu ao fato de que a decisão do Copom será tomada no mesmo dia que o Federal Reserve, o banco central dos EUA, deverá aprovar uma redução de juros -, porém, não deve impedir o aumento da Selic.

“O que pesa mais no modelo do BC são as expectativas de inflação daqui”, diz ele. Mas observa que a queda dos juros nos EUA deve beneficiar o câmbio aqui. “A vantagem é que o câmbio estável poderia deixar a Selic parada nas próximas reuniões do Copom”.

Sobre a eleição presidencial nos EUA, Mesquita prevê que nenhum dos dois candidatos vai conseguir fazer o ajuste fiscal. Mas vê uma vitória de Trump como sinal de pressão sobre ativos de economias emergentes.

A promessa de Trump de elevar as tarifas de importação em 10%, porém, não deve impactar tanto o Brasil, cuja agenda comercial com os EUA tem encolhido. “Essa cobrança de tarifa seria menos relevante para o Brasil do que para a própria população americana, que deverá ter aumento do custo de vida”, assegura Mesquita.