Numa iniciativa que não chegou a surpreender o mercado, o Banco do Japão (BOJ), o banco central japonês, elevou na sexta-feira, 19 de dezembro, a taxa básica de juros para 0,75% ao ano, o maior índice no país desde 1995.

A medida sinaliza a intenção do BOJ de continuar o aperto monetário iniciado em março de 2024, quando o país teve a primeira alta de juros em 17 anos, caso o comportamento da economia japonesa - leia-se aumento da inflação e dos gastos do governo - assim exigir.

O primeiro impacto do aumento dos juros foi sentido nos títulos do Tesouro, conhecidos pela sigla em inglês JGBs. Os rendimentos dos títulos do governo japonês, considerados os principais do país, atingiram o nível mais alto desde 1999. O título de referência com vencimento em 10 anos subiu 0,05 ponto percentual, ultrapassando os 2%. Os rendimentos dos títulos se movem inversamente aos preços.

O aumento da taxa de juros, uma decisão unânime do Conselho de Política Monetária do banco, foi o quarto sob a gestão do governador do BOJ, Kazuo Ueda, consolidando a reversão de uma década de política monetária frouxa para conter a deflação, período no qual o Japão conviveu com taxas de juros negativas por oito anos para estimular a economia.

Iniciado em janeiro do ano passado, o atual movimento, se persistir, tende a impactar vários indicadores da economia além dos títulos do governo, como câmbio, inflação, dívida pública e o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB).

Apesar da perspectiva de novos aumentos nas taxas de juros, o iene se desvalorizou em relação ao dólar após o anúncio, com a alta do dólar para 157 ienes, quase o dobro do seu nível em 2012 e próximo da sua maior cotação deste ano.

A grande diferença nas taxas de câmbio entre o Japão e outras grandes economias está entre os fatores que contribuíram para a depreciação sustentada do iene.

Um iene fraco, embora impulsione as exportações japonesas, aumenta os custos de importação. Isso, por sua vez, agrava a inflação, que permanece acima da meta de 2% do BC japonês há 44 meses consecutivos, segundo dados divulgados na sexta-feira. Em novembro, foi de 3%, excluindo os custos voláteis dos alimentos frescos.

Agentes financeiros disseram que o aumento da taxa de juros refletia as preocupações do mercado em relação à situação fiscal do Japão sob o governo da primeira-ministra Sanae Takaichi, que assumiu o cargo em outubro e propôs planos de gastos expansivos.

Takaichi, de 64 anos, vem tentando evitar o destino de seu antecessor, Shigeru Ishiba, que ficou no poder por pouco mais de um ano antes de perder o cargo em meio à insatisfação generalizada da população com a inflação persistente, entre outros problemas.

A economia do Japão, a quarta maior do mundo, se contraiu no terceiro trimestre – 0,6% em relação ao trimestre anterior -, o que aumentou a pressão sobre Takaichi. No mês passado, seu governo anunciou um grande pacote de gastos para impulsionar o crescimento e ajudar as famílias japonesas no valor de US$ 135 bilhões.

Os planos de gastos da primeira-ministra também correm o risco de sobrecarregar ainda mais as finanças públicas. O Japão já possui a maior dívida pública entre as economias mais avançadas do mundo, a qual representa cerca de 250% de seu PIB.

Esse indicador, que causaria crise em vários países, não abala a estabilidade japonesa, graças ao financiamento interno, aos juros historicamente baixos, à atuação do Banco do Japão e à alta poupança doméstica - cerca de 90% dos títulos está nas mãos de investidores japoneses, como bancos e fundos de pensão, o que reduz a exposição a choques externos e volatilidade cambial.

Atento a essa expansão fiscal, o Banco do Japão vem avisando que o ciclo de aumento de juros tende a continuar. Em coletiva de imprensa, Ueda afirmou que o novo nível da taxa de juros de 0,75% ainda estava "muito longe do limite inferior" da faixa estimada pelo banco central para a "taxa neutra" — o nível em que a política monetária não é expansionista nem contracionista.

A nova taxa de juros aumentará os custos de hipotecas e outros empréstimos, mas também impulsionará os rendimentos das contas de poupança. “É muito provável que os salários e os preços continuem a subir moderadamente”, disse o chefe do BC japonês. “Os riscos para a economia diminuíram, mas devemos permanecer vigilantes.”

Bolha e deflação

O fato de as taxas de juros do Japão subirem enquanto as de outros países já estão em ciclo de queda após o solavanco da economia global com a pandemia do coronavírus reforça algumas características econômicas peculiares do país asiático.

Quando a bolha econômica do Japão estourou no início da década de 1990, levando os preços de imóveis e ações a caírem de forma abrupta, empresas e bancos ficaram fragilizados e a economia mergulhou em estagnação com deflação - ou seja, com queda dos preços devido à fraca demanda.

O governo respondeu com gastos em infraestrutura e apoio ao sistema financeiro. O BC japonês, por sua vez, tem mantido os custos de empréstimo baixos para incentivar mais gastos por parte de empresas e consumidores e para ajudar a administrar a enorme dívida pública do país.

Mesmo com crédito barato, o investimento ficou aquém do esperado, prejudicando o crescimento econômico. Com o envelhecimento e o início do declínio da população japonesa, a economia do país passou os últimos anos tentando escapar a um longo ciclo de desaceleração.

No início de 2013, o Banco do Japão lançou um afrouxamento monetário, cortando as taxas de juros e comprando títulos do governo e outros valores mobiliários para ajudar a injetar mais dinheiro na economia. Em janeiro de 2016, o BOJ adotou uma política de juros negativos, que durou até março de 2024.

É nesse contexto que se materializou, nos últimos anos, a estratégia de investimento conhecida como carry trade. Ela consiste em investidores tomarem empréstimos baratos em ienes – aproveitando os juros negativos - e, em seguida, usarem esse dinheiro para investir em ativos com rendimentos mais altos em outros países.

De acordo com analistas, mesmo pequenas alterações nas taxas de juros – como o aumento de 0,5% para 0,75% anunciado na sexta - podem ter um grande impacto no carry trade.

Taxas de juros mais altas no Japão também podem prejudicar a demanda por outros ativos, incluindo criptomoedas. Na semana passada, as expectativas sobre o aumento da taxa fizeram com que o preço do bitcoin, por exemplo, caísse abaixo de US$ 86 mil. Ele havia disparado para máximas históricas perto de US$ 125 mil no início de outubro. O bitcoin estava sendo negociado a cerca de US$ 88 mil na sexta-feira.

Avaliar o momento e a escala das mudanças nas taxas de juros e em outras políticas monetárias é o maior desafio não só para o BOJ como para os demais bancos centrais, dado o tempo que essas medidas levam para se propagar pela economia real e pelos mercados financeiros.

Assim como o Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos, o BOJ enfrenta dificuldades para equilibrar a necessidade de impulsionar a atividade empresarial e criar empregos com o imperativo de conter a inflação.

O Banco do Japão adiou o aumento das taxas de juros anteriormente devido às incertezas sobre como as tarifas impostas pelo presidente dos EUA, Donald Trump, poderiam afetar as montadoras e outros exportadores. Um acordo que estabeleceu as tarifas americanas sobre as importações do Japão em 15%, abaixo da taxa planejada anteriormente de 25%, ajudou a aliviar essas preocupações.

Resta saber o impacto do impulso fiscal anunciado pela primeira-ministra japonesa na inflação e nos ativos para o BOJ decidir se prossegue ou não com a nova política monetária de elevação de juros.